Henrique Santos, Visão on line,
A D.ª Maria do Carmo dirigiu-se apressadamente ao telefone e ligou à sua irmã que estava nos Estados Unidos. Tinha-se lembrado das saudades que esta lhe havia dito ter das festas da sua aldeia, que há largos anos não podia participar.
Os olhos da Carmita, nome carinhoso pelo qual era conhecida a D.ª Maria do Carmo entre a família, pareciam brilhar de alegria com a notícia que ia dar à sua irmã Dalila, que vivia (emigrada há muito nas terras do Tio Sam) perto de Wall Street, disso ela lembrava-se a irmã ter dito.
Pegou no telefone e as mãos tremiam, com a esquerda pegava numa folha, com a outra levou o auscultador do telefone à orelha, e com a ajuda da cabeça e ombro lá o segurou, depois foi só marcar o número. Não tardou, a sua irmã Dalila atendia do outro lado, com uma alegria contagiante, pois vira o número no visor do telefone, reconhecendo-o de imediato (parece que ainda consigo sentir o júbilo que lhe ia na alma).
- Hello. Ouve-se do outro lado da linha.
- Mana... Disse a Carmita ofegante. - Nem sabes a bomba que tenho nas mãos! Acrescentou.
- Calma Carmita que até o coração me salta. Retorquiu Dalila.
- Nem é para menos, nem é para menos. Diz apressadamente a primeira. - Então não é que… lembras-te de eu te dizer que aqui o Banco que abriu na freguesia, mais duas imobiliárias iam patrocinar a festa da Nossa Senhora do Carmo (estou em crer que o nome da D.ª Maria do Carmo devia ter alguma relação com esta Santa), a festa aqui da aldeia?, e que tu ficaste com muita pena de não poderes vir?, porque devia ser uma festa de arromba?, pois bem, não te preocupes, eles também vão patrocinar aí uma festa, e olha que deve ser grande, que até saiu no jornal da Internet…
A Dalila continuava calada, habituada que estava aos atropelos da irmã quando esta começava a falar.
- Olha. Acrescentou a Carmita. - O João Pedro (que era o filho da D.ª Maria do Carmo e já licenciado em economia), esteve na Internet e imprimiu uma folha com uma notícia que deixou na secretária, e que diz o seguinte: "Bancos e Imobiliárias animam Wall Street". Já viste que sorte! Aposto que o Tony Carreira não vai faltar!
O texto supra apresentado é de facto uma verdadeira estória, com excepção do título da notícia que foi publicada em 20 de Julho de 2010 no Diário Económico e é assinada por Margarida Vaqueiro Lopes. Alerto desde já que não vou tecer qualquer comentário ou juízo de valor ao conteúdo da notícia ou ao respectivo título.
O que me traz aqui são outros pergaminhos e outras reflexões.
Muitas vezes dou comigo a pensar na motivação que leva as pessoas a detestar a área da economia/gestão na sua generalidade, ao ponto de, por exemplo, ser uma secção totalmente opaca nos jornais. Por um lado os jornais pouco espaço lhe dedicam, mas mesmo o que dedicam é, pura e simplesmente, afastado pela maioria dos leitores, isto é, não o lêem.
Se perguntarmos aos jornais (considero aqui sobretudo os generalistas, e quem diz jornais diz todos os alinhamentos de espaços noticiosos, sejam eles veiculados pela imprensa escrita, pela televisão, internet,…) porque não lhe dedicam mais espaço, são praticamente unânimes em referir o pouco interesse que os leitores lhe atribuem (e que se reflecte na optimização de resultados), se perguntarmos ao leitores/espectadores/… porque não se sentem atraídos por este tipo de informação, de imediato referem que nada percebem de economia.
De facto, tal como na área informática, a economia/gestão está impregnada de termos técnicos demasiados complexos para o comum dos mortais, e tal leva a afastar o público generalista deste tipo de informação que, mais que o sensacionalismo de grande parte das restantes notícias, devia ser uma secção de leitura obrigatória, dado que a informação económica pode, por um lado, combater a fraude, e, por outro, preveni-la, porque pessoas mais informadas e formadas, dificilmente se deixam enganar, assim como mais críticas se tornam em relação a tudo que lhes chega, tendo capacidade para gerar um juízo de valor competente.
Não tenho dúvidas que um título do género "Euro mata Dólar na praça" seria muito mais atractivo que outro qualquer que se referisse as taxas de câmbio entre estas duas moedas, mas não é este tipo de alteração que devemos procurar. Devemos apostar na formação, informação e simplificação destas na área económica, que permitam uma fácil e correcta interpretação das notícias desta mesma área. Já que tanto se fala da educação sexual nas escolas, quiçá a obrigatoriedade de uma educação económica não fosse despicienda.
Tive o cuidado de seguir vários sites de informação, e a realidade é comum, enviam para um plano inferior a informação económica (além da tecnicidade que lhe está adstrita). Se consultarem o ranking das notícias mais visitadas, por exemplo no sítio da Internet da Visão, vão rapidamente perceber que, normalmente, uma notícia da secção da economia dificilmente consta do mesmo, ou surge residualmente, a não ser que o seu título seja, no mínimo, "sugestivo".
Nesta base conceptual, estou tendente a dizer que se generalizarmos mais a informação na área da economia/gestão, as questões relacionadas com a fraude terão, certamente, um acompanhamento mais atento por um maior número de pessoas. Não precisamos, ou não devemos ser demasiado "sectários" na informação que passamos para o "exterior" (contra mim falo). Não quero com isto dizer que pretendo diminuir a importância ou a relevância da "economia como ciência económica", bem pelo contrário, pretendo valorizar, e em muito, a sua importância, mas espero sobretudo que essa importância lhe seja atribuída pelo reconhecimento de quem a sabe interpretar, e não que pelos duros golpes que pode causar nessas mesmas pessoas, sem conhecerem muito bem a razão, e depois simplesmente comentarem: "Isto é culpa da economia, dos economistas e dos gestores".
Não tenho dúvida que a D.ª Maria do Carmo da estória só "leu o que quis", mas com uma informação mais esclarecida, talvez encontrasse nas notícias da área económica verdadeiras novelas da vida real… e ainda conseguisse combater a fraude.
Este é um enorme desafio que se levanta a todos, com direito a contraditório. Normalmente faço-o, mas desta vez espero que seja o estimado leitor a fazê-lo e a partilhá-lo connosco!
- Estás maluca mulher - respondeu-lhe a Dalila, quase indignada com a barbaridade que a irmã tinha dito. - Vê-se mesmo que não percebes nada disto!
Fez-se um silêncio ensurdecedor, e acrescentou:
- Então tu achas que o Carreira vem cá?…Pelo sim pelo não vou telefonar às minhas amigas.