Paulo Vasconcelos & Ana Aguiar, Visão on line,
Discute-se recorrentemente a segurança social e as suas sucessivas reformas. Os sistemas de segurança social são fundamentais numa sociedade moderna e desenvolvida, moral e realmente solidária. No nosso país, temos um longo caminho percorrido na sua construção. Conceptualmente, e em termos muito básicos, os pagamentos dos actuais aposentados estão a ser pagos pelos descontos dos trabalhadores actualmente no activo. O processo iniciou-se com os descontos de uma numerosa população activa e com elevada taxa de natalidade para proteger poucos aposentados e com curta esperança média de vida. O problema actual é que a situação se inverteu, assistindo-se a uma elevada percentagem relativa de aposentados com (felizmente) elevada esperança média de vida por comparação a uma reduzida população activa.
Por outro lado os sistemas de pensões privados assumem um papel determinante na discussão, exactamente pela apregoada insustentabilidade da segurança social a médio/longo prazo. A gestão dos fundos de pensões deve a sua eficiência à competitividade dos mercados financeiros. Mas, a crescente volatilidade e falta de transparência dos mercados, associadas, como assistimos recentemente, à sua insuficiente/inexistente regulamentação, dificulta o caminho do cidadão contribuinte, que o percorre mas com angústia.
Numa crescente escassez de emprego, ora indiferenciado ora especializado, numa lógica mais competitiva que conduz à eficiente, mas dolorosa, precariedade no mercado laboral, e com fracas perspectivas de uma vida repousada e merecida após décadas de trabalho, os agora trabalhadores e amanhã pensionistas vivem momentos de incerteza nada dignos de uma sociedade madura, inteligente e solidária.
Há quem defenda que os sistemas de segurança social, por se traduzirem no pagamento de retornos resultantes de uma mera transferência de fundos investidos pelos investidores subsequentes, são esquemas de Ponzi. Talvez não o sejam pois os ditos "promotores" do negócio, neste caso o Estado, não desaparecerão com o dinheiro investido, nem o sistema entrará em colapso, a curto prazo, por falta de investidores suficientes para o manter. Aliás, é possível prever futuras entradas e saídas de dinheiro, pelo que o colapso repentino está salvaguardado. Não se tratará pois de uma fraude na medida em que as autoridades monetárias sabem que se trata de um sistema legal, embora não hajam activos subjacentes aos rendimentos gerados. A acrescentar que a segurança social se caracteriza claramente pela actividade que desempenha não havendo, à partida, questões enigmáticas relacionadas com o seu funcionamento. Esta instituição funciona como um seguro social e não como um esquema de investimento. Também não há promessa de grande retorno. E aqui está o problema, não no adjectivo - grande, mas no nome - retorno. Colocam-se portanto as seguintes questões: Será que os actuais contribuintes irão ter retorno, um retorno digno da sua acção solidária mas também proporcional à sua carreira contributiva? Não será a segurança social um esquema doloso ao impedir (por forças de ordem demográfica) que os actuais contribuintes, recebam benefícios semelhantes aos indivíduos agora reformados? É sobretudo doloso por alterar as regras contratualizadas e sobre as quais os hoje contribuintes e amanhã pensionistas têm legítimas expectativas? De facto e por exemplo, os funcionários públicos têm assistido, impotentes, a alterações anuais às regras ininterruptamente desde 2004.
Esta preocupação é, naturalmente, sentida e reflectida pela própria segurança social. Ela própria através do seu sítio refere: "Esta vulnerabilidade aos altos e baixos da demografia constitui um dos problemas do financiamento dos sistemas de repartição". Os beneficiários da segurança social não estão a ser enganados quanto à proveniência dos rendimentos geridos pela segurança social, pois sabem que estes provêem das contribuições dos actuais trabalhadores activos. O problema é que as entregas contributivas são obrigatórias e não voluntárias.
Assim, mesmo sabendo da proveniência, o futuro pensionista que zela pelo seu dever social de descontar, tem também o direito social de auferir. Ora, assiste-se a reformas mais ou menos cíclicas das regras contributivas para a segurança social, que embora se compreendam pelas alterações demográficas e pela qualidade/quantidade de vida, deveriam ser implementadas com muito menor frequência. Se aceitarmos os argumentos contra os sistemas de repartição serem esquemas de Ponzi, então o Estado pode com alguma precisão, prever o número de contribuintes que constituem a base tributária e o número de beneficiários. Pode até cobrir o risco decorrente de crises financeiras ou de acontecimentos improváveis segurando-se e/ou investindo, parte, nos mercados financeiros. Há capacidade pois para prever as flutuações e reflectir com algum distanciamento e de forma justa as mudanças nas fórmulas de cálculo, preservando assim em grande parte as expectativas dos contribuintes, e evitando que estes sejam vítimas directas da arbitrariedade das políticas adoptadas, claramente dependentes da volatilidade do sistema económico e "da política barata" (quem vier depois que feche a porta). Carreiras contributivas mais longas são em geral penalizadas. Carreiras contributivas longas, são agora tornadas mais longas e menos premiadas, provocando desilusão aos actuais contribuintes e precipitando os mais velhos para pensões antecipadas e de menor valor. As pensões são controladas pelos governos que alteram as regras sempre que entendem, tornando os sistemas de segurança social em esquemas de risco. Sendo as contribuições obrigatórias, diríamos que de elevado risco. Será que algum dia assinaríamos um contrato em que o contratualizador alterasse as regras do jogo sempre que lhe apetecesse? Como defendem alguns reputados economistas, nada envolve mais risco do que depender de políticos.
Todos aqueles que para além da sua obrigação podem dispor de algum dinheiro para capitalizar em fundos privados de pensões, arriscam, com a não regulamentação e arbitrariedade do mercado financeiro actual também perder nos montantes investidos e imobilizados por dezenas de anos. Embora os planos privados sejam obrigados por contrato a entregar no prazo de expiração os valores acordados, se o fundo falir como se cumpre o contrato? Tribunal com o problema, e ... isto daria para outra crónica ...
A relevância desta temática é universal, relevante para a percepção dos actuais pensionistas, relevante para os trabalhadores que para eles descontam e relevante para as crianças e para todos aqueles que atrás delas irão surgir!
Estamos tramados... desde trabalhadores longamente contributivos e responsáveis a pensionistas incessantemente enganados nas suas expectativas. Crianças, aproveitem o legado de conhecimento que herdam, 20 séculos de experiências, e reinventem uma nova sociedade, com melhores actores, e em particular, com políticos não no sentido figurado de finório nem de cortês, mas no sentido de estadistas, que é o que deles se exige. Não deveria ser político quem quer mas quem tem aptidão e estrutura para o ser.
Os que vos escrevem esta crónica podem representar o caro leitor. Ele, com metade da sua vida contributiva cumprida e outra metade por cumprir, e na incerteza das alterações que se seguirão. Ela, a entrar agora no mercado de trabalho, e a pasmar com a degradação do modelo de sociedade. Se o caro leitor for pensionista, valorize o que recebe porque certamente o merece e porque nós estamos a trabalhar afincadamente para que as suas legítimas expectativas sejam cumpridas.