Oscar Afonso, Visão on line,

Na crónica de hoje procurarei explorar as consequências da Economia Não Registada na economia oficial. Em particular, as consequências ao nível do sistema fiscal e na sua estrutura, na alocação de recursos, nas medidas redistributivas do Estado e na estabilização da economia.

Uma maneira simples de tratar do assunto consiste em assumir que a Economia Não Registada leva a distorções significativas na medição de varáveis macroeconómicas e que, por isso, políticas económicas baseadas em tais estatísticas podem, no melhor dos cenários, não ser eficazes. Do ponto de vista de política económica há, no entanto, que considerar quatro tipos de efeitos da Economia Não Registada na economia oficial: efeito alocação, efeito distribuição, efeito estabilização e impacto nas receitas públicas.
O efeito alocação está sobretudo relacionado com o crescimento económico. É certo que a Economia Não Registada distorce a concorrência, pois as empresas (e os indivíduos) que operam na economia oficial suportam impostos e contribuições para a segurança social e têm, por isso, um custo (operacional) superior. Assim, sempre que as empresas na economia oficial não conseguem oferecer bens e serviços a preços comparáveis com os da Economia Não Registada são confrontadas com prejuízos, acabando por abandonar o mercado. A alocação de recursos não é pois eficiente: a oferta da Economia Não Registada aumenta, com o prejuízo da economia oficial.
Há, no entanto, quem considere que, se, por um lado, a redução na procura de bens e serviços produzidos na economia oficial for compensada com um aumento equivalente da procura desses bens e serviços produzidos na Economia Não Registada e se, por outro lado, a Economia Não Registada utilizar os mesmos factores para produzir os bens e serviços que a economia oficial, então o impacto na actividade económica em termos globais não será negativo. Para além da observação dos "se", este ponto de vista será certamente apenas válido no curto prazo.
Poderá ainda considerar-se que, face à diferença de preços, a deslocação da procura da economia oficial para a Não Registada leva ao aumento do rendimento disponível dos agentes económicos. Tal aumento, se poupado levará a um aumento do stock de capital na economia; se consumido originará a um aumento da procura de bens e serviços. O valor acrescentado gerado na Economia Não Registada poderá pois ser reintroduzido na economia oficial, diluindo o efeito da transferência de recursos da economia oficial para a Não Registada. Nesta perspectiva, o efeito positivo ou negativo da Economia Não Registada no crescimento da economia oficial dependerá então da percentagem de rendimento reintroduzida.
O efeito distribuição está associado à evasão fiscal. A evasão fiscal tem efeitos sobre a distribuição do rendimento ao distorcer a função redistribuição do Estado. Face à redução das receitas fiscais, o Estado terá de reduzir os gastos públicos ao nível do pagamento de benefícios sociais. Deste modo, Economia Não Registada tende a aumentar a distribuição desigual do rendimento. Contudo, nem todo o impacto da Economia Não Registada na distribuição do rendimento é negativo. Famílias de baixo rendimento podem obter rendimentos adicionais e assim melhorar o seu nível de vida operando na Economia Não Registada. Não creio que seja esta a situação desejada, mas efectivamente a Economia Não Registada poderá, por esta via, ter efeitos positivos na distribuição do rendimento.
No efeito estabilização é questionado se a Economia Não Registada fortalece a actividade económica ou se pelo contrário a desestabiliza, introduzindo volatilidade à economia. Como as actividades da Economia Não Registada não são tidas em conta nas estatísticas e indicadores económicos oficiais, o cálculo destes indicadores é enviesado, influenciando decisões de política económica que se podem tornar inadequadas.
É normalmente assumido que o crescimento da Economia Não Registada reduz as receitas públicas e, por conseguinte, a eficiência no fornecimento de bens e serviços públicos. Tal é verdade no curto prazo e quando as actividades da Economia Não Registada substituem completamente as mesmas da economia oficial. Assim, o impacto da Economia Não Registada nas receitas públicas, no curto prazo, depende da complementaridade e substituibilidade entre economia oficial e Não Registada.
Alguns autores alertam para o facto do aumento da produção induzida pela Economia Não Registada poder limitar a redução das receitas públicas: a Economia Não Registada necessita de inputs de bens e serviços que, quando adquiridos na economia oficial, contribuem para o aumento das receitas fiscais. De igual modo, se os rendimentos gerados na Economia Não Registada forem gastos na economia oficial haverá aumento de rendimento de empresas na economia oficial que, ao serem tributadas, gerarão uma maior receita fiscal.
Para finalizar, gostaria de referir que a literatura existente sobre o assunto em análise tende a considerar que consequências da Economia Não Registada dependem da economia em análise: apenas nos países desenvolvidos (e em transição) um aumento da Economia Não Registada provoca um crescimento da economia oficial.
Nos países desenvolvidos (e em transição), a Economia Não Registada responde sobretudo à procura de certos serviços urbanos e de bens produzidos em pequena escala, e o valor acrescentado gerado na Economia Não Registada é maioritariamente gasto na economia oficial. Nestas economias, é a sobrecarga de impostos e regulação que motiva o crescimento da Economia Não Registada. Esse crescimento ao providenciar dinamismo à economia e espírito empreendedor leva também ao crescimento da economia oficial.
Nos países em subdesenvolvimento o crescimento da Economia Não Registada conduz a uma erosão das receitas fiscais, originando uma menor provisão de infra-estruturas públicas e de serviços públicos básicos como é o caso de um sistema judicial eficaz. A consequência última do crescimento da Economia Não Registada é o crescimento negativo da economia oficial.