Carlos Pimenta, Visão on line,
1. Lopes da Mota foi considerado culpado pelo Conselho Superior do Ministério Público e foi obrigado (por decisão voluntaria do mesmo, como sempre acontece no mundo do faz de conta) a demitir-se da Presidência do Eurojust.
Considerarão muitos dos portugueses que a suspensão por trinta dias é pena demasiado leve. Quem assim pensa, não está a ter em conta um conjunto de factores relevantes: Lopes da Mota apresenta-se frequentemente de colarinho branco, apenas colaborou num tipo de fraude que contribui para a redução do crescimento económico e para o desprestígio internacional do nosso país, e a ética nem nos saldos é procurada.
Considerarão outros que a suspensão por tantos dias foi uma penalização demasiado severa para quem apenas pretendeu transmitir um conselho amigo: não incomodem o Sócrates porque ele já pertence à história (grega). Também estes não se deverão preocupar porque durante muito tempo andará de recurso em recurso, porque há muitos lugares disponíveis (e se não os há criam-se!) para ele vir a desempenhar, onde talvez falte o brilho da ribalta mas não deixarão de acontecer chuvas de pó de ouro (fenómeno meteorológico não muito raro mas que nunca acontece aos milhões de desfavorecidos deste país). E tudo isto se passará sob a suave brisa do rodopiar das portas giratórias dos que sucessivamente (quiçá em movimentos pendulares quotidianos) rodopiam, ou poderão vir a rodopiar, entre o interesse colectivo (será também meu?) e o plutocrático interesse individual.
Já tivemos ocasião de em crónicas anteriores chamar a atenção para os grandes perigos da corrupção (ver as crónicas de 30/04/2009, 02/07/2009 e 12/11/2009) de que recordaríamos os seus elevados níveis de contágio destruindo quase todos os guardiões da ética, da cooperação e da concorrência leal e a degradação das condições de vida da maioria dos portugueses, com agravamento das desigualdades sociais. Neste momento em que tanto se discute o pomposamente designado Plano de Estabilidade e Crescimento e em que a credibilidade externa do País, nomeadamente junto dos credores, é tão badalada, convém recordar o que também já foi referido em crónica de Costa Lima (18/02/2010): segundo a prestigiada Transparency International e o seu Índice de Percepção da Corrupção (elemento objectivo de avaliação do país!), Portugal afastou-se dos países com menor corrupção perceptível, sendo esse movimento particularmente vincado a partir de 2006:
Esta degradação da transparência e da integridade dos "portugueses" (aqui impõe-se reafirmar o que o leitor já sabe, que há "portugueses" - íntegros - e "portugueses" - corruptores e corruptos) em quanto fez aumentar as taxas de juros dos empréstimos a Portugal? Em quanto fez regredir os investimentos, em quanto torpedeou a imagem do nosso país?
2. É desnecessário insistir na imperiosidade cívica e democrática, em nome da ética e dos mercados, de combater a fraude, prevenir a sua ocorrência. Será tema para outras conversas com o leitor três pontos que reputamos essenciais:
Uma política anti-corrupção não pode ser constituída por medidas avulsas de curto prazo, mais ou menos ao sabor do calendário mediático e político. Exige-se uma leitura e prática sistémica,
A corrupção tem manhas e procedimentos que ultrapassam o conflito de interesses (desde a personalidade individual do corruptor e do corrompido até à criminalidade organizada), mas é ao nível do conflito de interesses que se deve iniciar a política anti-corrupção.
Se a corrupção é um fenómeno velho quanto a humanidade, a sua intensificação é recente, apresentando a juventude de poucas décadas. O combate a este agravamento, indissoluvelmente associado à estrutura da sociedade contemporânea também passa por reinventar a democracia (com a promoção e a valorização de um comportamento político irrepreensivelmente ético) e por uma educação sem facilitismos, rigorosa cientificamente, com um funcionamento institucional irrepreensível, com a forte valorização do respeito mútuo, contando com a força do exemplo e o sistemático confronto de todos com dilemas éticos.
3. Contudo é necessário alertar para que a atenção dada à corrupção não faça todos nós esquecermos todas as outras fraudes que pululam pela nossa sociedade. Dos crimes em que a violência impera certamente não nos esqueceremos, mas será que acontece o mesmo com as fraudes e evasões fiscais, com as manipulações sub-reptícias com a saúde pública, com as manobras das empresas contra os clientes e destes contra aquelas? Estaremos mesmo atentos? Saberemos na altura oportuna fazer adequadamente as nossas escolhas?