Oscar Afonso, Visão on line,

A Economia Não Registada (ou Economia Sombra) é uma área de difícil abordagem, sendo os estudos sobre a sua medida, em geral, escassos. Estudos específicos sobre o caso Português são, em particular, muito escassos. Basicamente podem referenciar-se os trabalhos sobre um conjunto alargado de países, incluindo Portugal, de Schneider e Enste (2000 - "Shadow Economies: Size, Causes, and Consequences." The Journal of Economic Literature, Vol. 38, No. 1) e de Schneider (2006 - "Shadow Economies and Corruption all over the World: What Do We Really Know?" Discussion Paper No. 2315, IZA, e os trabalhos específicos sobre o caso Português de Dell'Anno (2007 - "The shadow economy in Portugal: an analysis with the mimic approach." Journal of Applied Economics, Vol. 10, No. 2), e de Afonso e Gonçalves (2009).
Nesta crónica gostaria de dar conta dos principais resultados obtidos no último dos trabalhos citados - disponível em http://obegef.pt/images/gf_upload/wp004.pdf.
Nesse trabalho os autores iniciaram a estimação do peso da Economia Não Registada nos últimos anos em Portugal, seguindo, por enquanto, a metodologia dominante nos trabalhos existentes sobre o assunto. No essencial, essa metodologia estima o valor da Economia Não Registada tendo por base variáveis que, por um lado, afectam o tamanho e o crescimento da riqueza produzida no seio da Economia Não Registada e, por outro lado, são o rasto das actividades da Economia Não Registada na economia Registada (ou oficial). Seguindo esta metodologia tende a haver uma subestimação do valor da Economia Não Registada, já que, na realidade, a medição incide principalmente sobre a componente produção subterrânea, ficando, por isso, de fora as componentes produção ilegal, produção informal, produção para auto-consumo e produção subcoberta por deficiências estatísticas.
Especificando um pouco o estudo em causa, refira-se que foram usados dados semestrais da economia Portuguesa desde o primeiro semestre de 1970 até ao segundo semestre de 2008 e que as principais fontes dos dados foram a OCDE, o Fundo Monetário Internacional e o Banco de Portugal. Os resultados semestrais estimados para o período 1977 a 2008 são apresentados em termos médios por diferentes períodos na seguinte tabela (os resultados detalhados por semestre poderão ser consultados no trabalho original):
Tabela - Economia Não Registada (como % do Produto Interno Bruto, PIB, oficial) na Economia Portuguesa, 1977-2008
Período temporal
1977-80 1981-84 1985-88 1989-92 1993-96 1997-00 2001-04 2005-07 2008
16.9% 14.3% 16.0% 17.5% 21.3% 21.5% 21.4% 21.5% 22.8%
Face ao exposto, as estimativas obtidas deverão, por um lado, ser insuficientemente precisas por defeito mas, por outro lado, deverão ser reveladoras da trajectória seguida pela Economia Não Registada em Portugal. Esmiuçando os resultados sumariados na Tabela pode dizer-se que o peso da Economia Não Registada no PIB oficial Português terá evoluído de 19% em 1977 para cerca de 23% em 2008. Efectivamente, os valores obtidos indicam que após a descida verificada no período 1977-1982, a Economia Não Registada revelou uma tendência de subida no período subsequente, tendo estabilizado em torno dos 21%, desde 1994. No entanto, os valores obtidos também indicam que, desde finais de 2007, se tem verificado novamente um padrão de subida, tendo, em 2008, atingido o valor mais alto de todo o período em estudo: cerca de 23% do PIB oficial.
Procedendo à análise das causas, os resultados obtidos sugerem, em particular, que:
(i) O aumento da carga fiscal contribuiu para a evasão fiscal dos agentes económicos e, por conseguinte, para o crescimento do peso da Economia Não Registada na economia oficial.
(ii) As variáveis força de trabalho adjudicada à função pública e consumo do Estado indicam o grau de liberdade económica e a sobrecarga do sector público na economia. A primeira demonstrou-se pouco significativa e com pouco peso na explicação da Economia Não Registada. A segunda apresenta um sinal negativo revelando que o aumento das despesas do Estado tem um efeito redutor no tamanho da Economia Não Registada. Efectivamente, sendo o Estado apenas fornecido por actividades legais, um aumento do peso do consumo público no PIB levará certamente os agentes a decidirem manter a actividade na economia oficial.
(iii) as causas trabalho por conta própria e taxa de desemprego representam o mercado de trabalho. A primeira apresentou sinal positivo, confirmando a suposição de que os rendimentos profissionais dos trabalhadores por conta própria são subdeclarados às autoridades. Por sua vez, a taxa de desemprego apresenta sinal negativo. A explicação pode residir na preferência dos indivíduos (desempregados) por empregos na economia oficial porque, apesar do baixo e muito temporário subsídio de desemprego, desse modo podem beneficiar da segurança social.
Outro resultado interessante relaciona positivamente o crescimento da Economia Não Registada em Portugal com o respectivo crescimento do PIB oficial. No entanto e dada a ambiguidade desta questão na literatura, mais investigação nesta área é necessária.
Em suma e para concluir, os valores obtidos no trabalho citado devem ser lidos como uma aproximação e não como valores exactos pois dependem: (i) das variáveis usadas como causas de uma realidade complexa e em constante desenvolvimento que, em particular, se adapta a alterações nos impostos, a sanções das autoridades fiscais e às atitudes morais em geral; (ii) das limitações impostas pela metodologia utilizada.
Neste sentido, é objectivo dos autores, em investigação futura, desenvolver um novo método de estimação capaz de ultrapassar as limitações da metodologia dominante e de atender à complexidade e mutação da Economia Não Registada.