Nuno Moreira, Visão on line,

O leque de empresas supostamente envolvidas na teia de negócios do processo 'Face Oculta' não parou de aumentar. E são empresas com departamentos de Auditoria Interna, sujeitas também a Auditoria Externa /Revisão Oficial de Contas e até empresas cotadas, sujeitas a supervisão pela CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários).
Temos "filtros" para todos os gostos mas, reconheçamos, pouco eficazes a detectar a Fraude.
Porquê que a rotina habitual do trabalho de Auditoria (Interna e Externa), habitualmente, não detecta a fraude? Porquê que a Auditoria só chega a conclusões acerca da avaliação do risco de fraude ou acerca de situações de fraude efectiva, em trabalhos de carácter extraordinário, "contratados" para o efeito?
A grande maioria não percebe, e é indispensável explicar, sob pena de a nossa sociedade se permitir duvidar do valor da função de Auditoria.
É benéfico a sociedade estar atenta, pressionar e "puxar" pela função de Auditoria, contribuindo para a sua evolução mas o gap entre o que a sociedade crê que são as responsabilidades dos Auditores e a responsabilidade efectiva e actual da função de Auditoria não pode ser excessivo, sob pena desta importante função sair descredibilizada.
A Auditoria "Tradicional" que conhecemos tem limitações no confronto directo com a Fraude, desde logo, pelo facto dos seus standards não lhe atribuírem actualmente uma responsabilidade primária no seu combate. Mas também, limitações que decorrem da sua própria metodologia e pressupostos, nomeadamente, por ser governada pela "Materialidade" e recorrer a técnicas de amostragem; aliás, assumido na "segurança razoável" (reasonable assurance) das suas conclusões.
Mas então, porquê pedir uma 2ª vez a estes Auditores para realizarem, agora, uma Auditoria diferente, "Milagrosa", perspectivando mesmo concluir, com "segurança "absoluta", acerca de situações de Fraude? Será que da primeira vez não atenderam à Fraude?
Não tenho qualquer dúvida que temos em Portugal, de uma maneira geral, excelentes profissionais, excelentes Auditores. O problema prende-se, sobretudo, com o objecto e objectivo de uma Auditoria "Tradicional" e os de uma Auditoria da Fraude (proactiva e reactiva), os quais são bem distintos e que, no segundo caso, implicam uma abordagem específica e competências pessoais significativamente mais abrangentes.
A propósito do processo "Face Oculta", temos vindo a assistir a solicitações de trabalho a que podemos denominar de Auditorias da Fraude, neste caso reactivas, mas que se insistiu em pedi-las aos Auditores "Tradicionais". Não creio que sejam tão eficazes como o desejado!
Não porque os respectivos profissionais não sejam competentes, mas porque estão "formatados" e vocacionados para outro tipo de Auditoria, a qual faz parte do seu dia-a-dia e onde têm muito mais experiência.
Os nossos Auditores não podem querer ser "Super-Homens" e ao ter delegado, desde início do século passado, a responsabilidade (primária) pela prevenção e detecção da fraude ao Órgão de Gestão das Empresas, indicia claramente a consciência e o reconhecimento dessa limitação.
Assim, colocam-se necessariamente 2 alternativas à Auditoria "Tradicional", cuja opção terá que ser rapidamente tomada:
1. Está disposta a recuperar uma responsabilidade primária no combate à Fraude, a qual já assumiu até finais do século XIX ?
2. Entende que esta responsabilidade deve permanecer no Órgão de Gestão das Empresas ?
Na primeira alternativa, pelo referido anteriormente, urge tomar uma decisão adicional. Olhando a algumas boas experiências no contexto internacional, em Portugal, ou a função de Auditoria cria uma especialização dedicada especificamente ao fenómeno da fraude ou teremos de criar uma classe profissional autónoma e preparada para o efeito, cujos alicerces não deixarão de se sustentar parcialmente na Auditoria.
A maior associação profissional mundial (ACFE - Association of Certified Fraud Examiners), sedeada nos EUA, desenvolve-o autonomamente. A especialização também é uma opção válida; se os Médicos se especializam, se os Juristas também e se até os Técnicos Oficiais de Contas, falam já em formar "colégios de especialidade", porquê que a Auditoria há-de resistir?
Sobretudo, urge tomar uma decisão e avançar rapidamente num combate efectivo à Fraude e não com soluções de compromisso!
Na segunda alternativa, caso a Auditoria não queira formal e publicamente assumir uma responsabilidade primária no combate à fraude, então, inevitavelmente, a gestão de topo das nossas empresas vai ter que assumir de uma vez por todas uma responsabilidade que já é sua, por delegação da função de Auditoria.
Não tenham receio em criar departamentos internos de "Gestão de Fraude" e formar adequadamente a respectiva equipa. Se recearem denominá-los desta forma, chamem-lhe "Gestão de Risco" ou "Auditoria Interna e Gestão de Risco" mas não descurem nunca uma responsabilidade primária no que respeita ao fenómeno da Fraude. A relação custo /benefício destas "equipas", que se desejam multidisciplinares, será certamente favorável às empresas e, sobretudo, à nossa sociedade. Desde logo, por uma questão de responsabilidade social!
Temos desde 2008 em Portugal, sendo também inédito a nível europeu, uma formação especializada em "Gestão de Fraude" pela Universidade do Porto, a qual prepara inclusive para a certificação pelos EUA como Certified Fraud Examiner, bem como, um Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF), o qual, naturalmente, tem estado atento a esta e a outras questões, em especial, no desejo de contribuir e ser parte activa na busca de alternativas válidas no combate à fraude em Portugal. Assim queiram os decisores deste país e, em menor escala, os responsáveis pela gestão das nossas empresas!