Rui Henrique Alves, Visão on line,
Junto com outras coisas bem menos agradáveis (como os impostos ou a morte), ouvir falar de PIB (ou Produto Interno Bruto) é um dos elementos (quase) inescapáveis na vida. De facto, na televisão, na rádio ou até no café, a cada passo se ouve que o défice público vai situar-se em x% do PIB, que o PIB vai crescer (nos últimos tempos reduzir-se) em y%, ou que o endividamento externo já passou os z% do PIB.
Não admira. O PIB é a medida mais frequentemente usada no mundo da economia (e, por consequência, também fora dela) para a indicação do valor da produção de um dado país. O PIB corresponde ao valor de mercado de todos os bens e serviços finais produzidos para o mercado, num determinado território e durante um determinado período de tempo. Assim, o conjunto dos valores acrescentados por todas as actividades mercantis da economia ao longo de um ano (ou de um trimestre) acumulam-se neste agregado.
Por conseguinte, o PIB e a sua evolução são usados para lidar com a grande maioria das questões económicas. No curto prazo, a preocupação centra-se em saber se o nível de produto está próximo ou afastado de um outro conceito, este algo mais esotérico, o produto potencial (aquilo que a economia produziria usando todos os recursos disponíveis em condições "normais"): caso se encontra acima, a inflação tende a acelerar; caso se encontre abaixo, pode haver um grave problema de desemprego.
Já no longo prazo, a preocupação centra-se no nível de vida das populações. E, para o medir, lá volta o PIB, agora na versão per capita, permitindo avaliar, em média, quanto de bens e serviços cabe a cada habitante do país. Assumindo que a uma maior quantidade de bens e serviços corresponde, tudo o resto constante, uma melhor qualidade de vida, o importante será, então, promover o crescimento do PIB per capita.
Ora, tanto num como no outro caso, a utilização do PIB deixa algo a desejar, sendo certo, contudo, que, por enquanto, não se conseguiu arranjar um indicador alternativo melhor. De facto, o valor absoluto do PIB apresenta algumas limitações, quer enquanto medida das "condições de saúde" da economia, quer enquanto avaliador do nível de bem-estar das pessoas.
Em primeiro lugar, porque exclui as transacções feitas fora do mercado, nomeadamente os serviços domésticos em proveito próprio: cozinhar; tomar conta dos filhos; fazer reparações caseiras; etc. Estas actividades seriam incluídas no valor do PIB caso se contratasse alguém para as fazer (e fossem devida e legalmente registadas). Esta situação origina, aliás, distorções caricatas: por ex., é possível que o PIB diminua quando um(a) residente casa com o seu personal trainer...
Em segundo lugar, porque exclui (ou subestima) as transacções correspondentes à economia informal e paralela. Ou seja, transacções que não são registadas (por ex., para "fugir" ao pagamento de impostos), que resultam de trocas recíprocas (por ex., "pinto a tua casa e reparas o meu carro") ou que são fruto de actividades ilegais (tráfico de droga, branqueamento de capitais, prostituição, etc.), não são incluídas (ou são habitualmente subestimadas) no valor referido a cada ano (ou trimestre) para o PIB.
Note-se, aliás, que o impacto pode ser elevado. John Marthinsen (Managing in a Global Economy: Demystifying International Macroeconomics, John E. Marthinsen, Cengage South-Western, 2008) refere como bom exemplo a Grécia: em 2006, este país alterou as suas contas relativas ao rendimento nacional para "melhor medir" o sector dos serviços; como resultado, segmentos da economia subterrânea passaram a ser incluídos (prostituição, lavagem de dinheiro, etc.) e o PIB aumentou algo como 25%... Claro que até deu jeito, para poder verificar o critério do peso do défice público no produto...
Em terceiro lugar, porque exclui a melhoria da qualidade que não tenha reflexo em variações de quantidade e/ou preço, exclui o valor do lazer, não distingue na contabilização entre "bens" e "males", etc., ou seja, não mede verdadeiramente a qualidade de vida.
Tudo isto, mas sobretudo os dois primeiros aspectos, permite concluir que, em boa verdade, o valor absoluto do PIB não interessa demasiado. Até porque só por coincidência alguma vez ele corresponderá ao verdadeiro valor da produção do país e ao seu reflexo na qualidade de vida. O que interessa mesmo, para além de uma discussão sobre indicadores alternativos, é a evolução relativa do seu valor, a qual acaba por tornar bem menos relevantes algumas das limitações acima referidas.
Há uns anos, ficou famosa a gaffe do então nosso Primeiro-Ministro, por não saber a quanto equivalia uma dada percentagem do PIB. Afinal de contas, o valor em si talvez não tivesse demasiada importância…