Aurora Teixeira, Visão on line,

What is a cynic? A man who knows the price of everything and the value of nothing (Oscar Wilde, Lady Windermere's Fan, 1892, Act III)
Como habitualmente, neste sábado (de Agosto), iniciei o meu dia tomando o pequeno-almoço acompanhado da leitura de um semanário. Neste constava com um artigo sobre o crescimento e uso generalizado da compra de dissertações de mestrado no seio da academia portuguesa.
A compra (e venda, claro está!) de dissertações e teses constitui um dos muitos (e mais sérios) tipos de fraude ou desonestidade académica. Não é (infelizmente) um fenómeno novo. Sempre existiu, mas a difusão das tecnologias de informação, nomeadamente da Internet, 'democratizou-o', tornando-o mais acessível, fácil e rápido.
Sempre me questionei como é que é possível, do ponto de vista legal, a existência 'à descarada', à distância de um clique, de negócios de compra e venda de dissertações cujos retornos observam crescimentos exponenciais inversamente relacionados com a crise económica mas directamente relacionado com a crise de valores que nos assola e que teima em se tornar um fenómeno estrutural da sociedade portuguesa …
Arriscamo-nos vertiginosamente a nos tornar (se já não o somos) numa sociedade à la Huxley (este autor publicou em 1932 a obra 'Admirável Mundo Novo', que descreve uma sociedade futura em que as pessoas seriam condicionadas em termos genéticos e psicológicos, a fim de se conformarem com as regras sociais dominantes), mas 'velha', onde a 'não-inscrição' é o traço dominante na psicologia nacional (ver José Gil, 'Portugal, Hoje - O Medo de Existir', publicado pela 1ª vez em 2004). As coisas passam mas não mexem verdadeiramente com as pessoas, não se inscrevem, resultando daí uma inacção, uma falta de afirmação e também de responsabilização.
Possivelmente mais do que na sociedade em geral, o mundo 'velho' da academia portuguesa está, a meu ver, inexoravelmente conspurcado da 'não-inscrição'. Os fenómenos de fraude académica no seu seio são recorrentes (embora 'abafados'), quer nas suas formas, supostamente mais 'brandas', de 'copianços' nos exames, de assinar por outros em sala de aulas, quer nas suas formas mais 'ousadas' e dispendiosas, como o plágio de trabalhos e a compra/venda de ensaios, dissertações e teses. Não obstante, na sua generalidade, as escolas de ensino superior e os seus principais actores - estudantes, corpo docente e órgãos de gestão - teimam em persistir no imobilismo na falta de reflexão, no refúgio defensivo e 'legalista' de que o plágio (e a fraude académica) é algo difícil de definir, cujas fronteiras não são facilmente determinadas, e de que nada se pode fazer (à luz dos 'regulamentos') a não ser, por exemplo, que o(s) autor(es) vitima(s) de plágio iniciem uma acção legal contra o perpetrador…
É (tristemente) célebre o caso, magnificamente relatado por Carlos Cabral-Cardoso e publicado, em 2004, no Journal of Business Ethics, de plágio numa dissertação de mestrado em que os incentivos pessoais de alguns membros do júri, a estrutura e cultura extremamente hierárquica do sistema universitário, e os mecanismos institucionais (in)disponíveis para lidar com casos de comportamentos não éticos ditaram o 'arquivamento' do processo e a consequente não revogação da inicial decisão de atribuição do grau de mestre ao plagiador.
É necessário de uma vez por todas que os actores envolvidos reconheçam as suas responsabilidades.
Os princípios da integridade exigem que os estudantes nos seus ensaios escritos (artigos, dissertações, teses): 1) iniciem a sua investigação e escrita atempadamente e de forma gradual assegurando que realizam o seu melhor no tempo estipulado; 2) entreguem um trabalho que é da sua autoria e não efectuado por outrem ou 'reciclado' de um trabalho anterior; 3) atribuam os créditos devidos às fontes utilizadas; 4) reúnam, procurem conselhos e aprendam com o seu orientador, discutindo ideias e clarificando argumentos.
Relativamente aos orientadores, os princípios da integridade académica exigem que: 1) seja, desde o inicio, perfeitamente clarificado o que é esperado do estudante em termos de quantidade/qualidade de trabalho a desenvolver, quais os critérios de avaliação associados, bem como os comportamentos éticos expectáveis; 2) sejam mantidas, ao longo do desenvolvimento dos ensaios, reuniões regulares de discussão (efectiva) do trabalho em curso, co-adjuvadas de entrega de várias versões por parte do estudante e concomitantes entregas de comentários a essas mesmas versões por parte dos orientadores; 3) sempre que suspeite que uma versão do trabalho foi plagiada ou que não é da autoria do estudante, o orientador deve confrontar este último e tentar sensibilizá-lo(a) para corrigir o seu comportamento; 4) no caso de reincidência e persistência de comportamentos de desonestidade académica, deve comunicar aos órgãos adequados (Director do Curso, Director da Escola).
Por último, os princípios da integridade exigem que os Orgãos de Gestão das Escolas: 1) sejam pró-activos, recusando uma abordagem 'legalista' ao problema, substituindo sistemas disciplinares meramente administrativos e 'códigos de silêncio' por códigos de honra, onde se articulem claramente as expectativas por parte da Escola relativamente a estudantes e corpo docente, visando estabelecer e manter os mais elevados padrões de qualidade e rigor do trabalho académico; 2) devem adequadamente reconhecer o trabalho de orientação como serviço docente efectivo, não menosprezando ou desvalorizando a sua importância para o processo de formação e aprendizagem dos estudantes; 3) devem evitar que as hierarquias e a 'cultura do medo' se entranhem na organização, promovendo e estimulando discussões abertas e transparentes no seio da comunidade académica.
A integridade académica, como muitas mais coisas na vida, envolvem um sistema de direitos e responsabilidade interligados que reflectem a nossa mútua dependência. O sucesso dos nossos esforços individuais está, neste contexto, intimamente dependente em cada um de nós exercer tais direitos e assumir tais responsabilidades de forma séria e consciente.