José António Moreira, Visão on line,
Lê-se e não se acredita. O Jornal de Negócios de 2/7/2009 referia: "O Ministério Público está a investigar um caso de fraude no qual uma empresa fictícia prometia lucros de 1% ao dia, avança o "i". Estima-se que tenham sido enganados mais de 200 portugueses, que investiram montantes superiores a um milhão de euros. Uma empresa com morada fictícia na Suíça prometia juros de 36% ao mês e comissões por cada investidor angariado. Dez mil euros poderiam converter-se em 640 mil no espaço de um ano. Em poucos meses, a empresa que operava através da internet desapareceu …".
Cá estão, em todo o seu esplendor, os ingredientes tradicionais de uma fraude simples mas eficiente: promessa de altas remunerações sem menção ao risco subjacente; a sugestão de que se trata de uma oportunidade a que só poucos "eleitos" conseguem aceder ("Os pormenores do negócio passavam sempre de amigo para amigo. E a gente ia na onda", resume em poucas palavras F. N., empresária lesada em 26 mil euros). Basta adicionar a dose q.b. de ganância e está pronto a servir.
Foi assim com a D. Branca, a "banqueira do povo", mais recentemente com a fraude de Robert Madoff (acabado de condenar a 150 anos de cadeia) ou com as "cartas da Nigéria" que chegam via e-mail e retratam as mágoas de uma viúva que tem uma fortuna para deixar e não possui herdeiros. Casos aparentemente diversos mas que mais não são do que versões modernas, mais ou menos sofisticadas, da célebre fraude do "embrulho de notas" que alguém encontrava caído na rua e pedia a um incauto transeunte para guardar por momentos, que ainda por cima tinha de entregar uma garantia em como não fugiria com as "notas". É claro que, demasiado tarde, esse incauto vinha a verificar tratar-se de um mero embrulho de papéis de jornal.
É terreno fértil o deste tipo de fraudes. Há sempre "voluntários" prontos a encarnarem no papel das incautas vítimas. É como se a memória não retivesse a informação de casos anteriores, é como se ela fosse muito curta para reter as notícias desagradáveis. Dizem os tratados de psiquiatria que a capacidade de esquecer o que de mau vai acontecendo é sinal de uma mente humana sã. Talvez seja. Mas que isso provoca situações caricatas, e penosas, provoca. Como dizia um pensador, de quem não retive o nome: quão mais feliz seria a Humanidade se cada um aprendesse com os erros dos outros.
Mas a mente humana, e a sua incapacidade para reter a informação do passado, poderá não ser a única culpada do sucesso deste tipo de fraudes. Talvez a principal seja a ganância, traduzida no desejo do ser humano em querer ganhar muito sem esforço. Tende a funcionar como uma espécie de película opaca que impede o sujeito de se aperceber da realidade em toda a sua plenitude. E se esse sentimento se conjugar no tempo com a sensação de que se está a ter uma vantagem relativamente aos outros cidadãos - a sensação de que se trata de uma oportunidade única só acessível a uns poucos -, então a opacidade provocada pela ganância é maximizada.
Mas chega sempre o fim da "festa", a dura realidade de se ter sido vítima de mais um esquema fraudulento. E ao impacto financeiro, nem sempre modesto - pois as "oportunidades únicas" são de aproveitar em toda a sua plenitude -, junta-se a vergonha social de ter sido trapaceado. Evita-se dar a cara, procura-se arranjar um ou mais culpados para a situação.
Os organismos de supervisão, bem como as forças policiais, têm por obrigação, em termos gerais, proteger os cidadãos dos perigos a que estão sujeitos. O que não podem é andar com cada cidadão pela mão. A sua actuação faz-se sentir por via das frequentes campanhas de sensibilização que patrocinam. Relembrem-se, por exemplo, as regulares chamadas de atenção das autoridades financeiras para as cautelas a ter face a propostas de investimentos em que são oferecidas remunerações acima da média que se consegue obter nas instituições financeiras da praça. Enfatizam o facto dessa remuneração trazer associada um elevado risco de perda do capital investido ou, então, de se tratar de esquema fraudulento destinado a "aliviar" os incautos das suas poupanças.
É claro que a autonomia de cada cidadão adulto é um dos pilares das sociedades livres ocidentais, um valor inestimável. Tem subjacente, necessariamente, que cada um é responsável pelos seus actos e pelos resultados deles derivados. Para o bem, quando esse resultado é vantajoso, e para o mal, quando é prejudicial. Não faz sentido, portanto, em tal contexto sócio-legal, procurar alijar-se a responsabilidade do sujeito quando é defraudado por ter decidido, por sua conta e risco, lançar-se em investimentos e ou aplicações que, à partida, deixariam entender, a um cidadão menos dominado pela ganância, um desfecho indesejado.
Infelizmente, em Portugal o papel paternalista desempenhado pelo Estado tende a favorecer um comportamento individual de tipo desresponsabilizante. Quando a "coisa" corre bem, o cidadão embolsa e regozija-se do seu sucesso; quando corre mal, ai Jesus que a culpa é do Estado ou, numa versão mais suave, que este tem de ajudar a compor as coisas, reembolsando os defraudados dos prejuízos incorridos. Este comportamento, que é transversal a todas as classes sociais e actividades profissionais, poderia ser ilustrado com alguns exemplos recentes.
Não me admirarei nada, portanto, se dentro de algum tempo constatar que as "Vítimas da fraude dos 36% ao mês" - o nome é da minha autoria, mas não foi registado e por isso pode ser utilizado por eventuais interessados - se transformaram em grupo de pressão e reclamam do Estado, isto é, de todos nós contribuintes, o ressarcimento dos prejuízos que sofreram. Estou a falar a sério. Ficarei muito menos admirado do que fiquei ao tomar conhecimento de que essas "vítimas" se deixaram levar num "conto do vigário" tão … infantil.