Oscar Afonso, Visão on line,
O estudo e a reflexão académica da problemática da economia não-registada (vulgo economia sombra ou subterrânea) têm sido claramente descorados por parte dos investigadores e dos políticos portugueses. Com este procedimento, desconsidera-se injustificadamente a importância da produção ilegal e da produção oculta (subdeclarada ou subterrânea), sobretudo, mas também da produção informal, da produção para uso próprio (autoconsumo) e da produção subcoberta por deficiências da estatística. Em termos económicos, trata-se de aceitar como consistente a informação estatística (oficial, legal) quando, de acordo com sólidos estudos existentes, se reconhece que essa economia oculta representa 18% do Produto Interno Bruto oficial. Trata-se, em suma, de aceitar que se avalie a actividade económica de forma deficiente, se ignore e se faça ignorar uma parte da realidade social que a todos atinge, com obvias implicações na orientação política.
Para além dos mantos diáfanos do "pudor social", para tal terá contribuído o reduzido número de investigadores portugueses, a complexidade do objecto de estudo, a escassez de fontes de dados e o (artificialmente) longo período de não recessão da actividade económica.
Será de esperar alguma alteração a este nível?
O número de investigadores portugueses não aumentou significativamente, alguns trabalhos divulgados pretensamente sobre a nossa realidade ainda carecem de rigor, o objecto de estudo não se simplificou e também não tem havido alterações significativas ao nível das fontes. Por conseguinte, por estas razões, não serão de esperar alterações relevantes.
Há, contudo, dois novos factores que, suponho, conduzirão ao fortalecimento do estudo e reflexão académica da problemática da economia não-registada em Portugal. Por um lado, o cenário macroeconómico actual e, por outro lado, a intenção e a motivação recente de alguns investigadores, docentes e gestores.
Comecemos pela conjuntura macroeconómica. Portugal é uma pequena economia periférica, muito aberta ao exterior e com uma estrutura produtiva onde escasseia a qualificação. Por esse motivo, a inversão do ciclo económico será profundamente sentida em Portugal. Na ausência esperada de uma resposta global, e da reduzida capacidade de intervenção do nosso país, haverá adaptações mais ou menos individuais às manifestações da crise. Em muitos casos, essas adaptações consistirão em actividades que se processam na economia não-registada. Ora a intensificação do fenómeno não deixará certamente de motivar, sobretudo, a generalidade dos economistas e sociólogos. Como não deixará de aumentar a argúcia de criminologistas, juristas e políticos: ilegalidade e fraude são aspectos correlacionados.
Por outro lado, a crescente sensibilidade pública a estas realidades, a formação em gestão de fraude e a criação de instituições preocupadas com estas problemáticas, como é o caso do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF), podem criar alertas sobre esta situação. O Observatório, apostando em saberes diversificados - economistas, gestores, engenheiros, matemáticos, juristas e outros - visa, "promover a investigação interdisciplinar sobre a economia não-registada e a fraude em Portugal", acolhendo todos quantos de forma científica estejam interessados em desbravar este vasto terreno. Aqui deixamos o convite.
No imediato, mas não imediatamente pelas razões acima expostas (complexidade do objecto e dos indicadores, custos), o Observatório propõe-se estimar o peso sectorial, regional e global da economia não-registada em Portugal. Consolidado esse objectivo visa caminhar para uma análise mais detalhada das suas causas e consequências, da sua estrutura o peso económico e social, da relação entre a economia não-registada e a corrupção, do impacto desta no produto, no investimento, nas despesas governamentais e nos fluxos internacionais de bens e factores, no desenvolvimento e nas nossas condições de vida.
É um projecto tão aliciante quanto difícil. Por esse motivo insistimos: estamos disponíveis para acomodar todos os contributos.