José Andrade, Visão on line,
Nos casos Enron, Worldcom, Madoff, etc., haverá alguém realmente surpreendido?
Os maiores casos de fraude são aqueles que são levados a cabo à vista de todos, mesmo perante aqueles especializados que, melhor que ninguém, deveriam analisar e questionar o que toda a gente sabe ser impossível no longo prazo - que não há milagres que sempre durem. Mas querem acreditar neles enquanto durarem, anestesiados pela ganância efémera e credibilidade no mercado que os autores de tais façanhas possuem. Para maior conforto, quase nunca são detectados pelos sistemas formalmente instalados mas antes por acaso fortuito. De acordo com o último relatório da ACFE (ACFE Report to the Nation 2008) mais de 60% dos casos foram detectados por dicas (46,2%) ou acidentalmente (20%) em que os casos mais frequentes duravam há mais de 20 meses.
Para maior espanto, descobre-se agora que o caso Madoff foi inicialmente detectado em 1992. Em 1999, Harry Markopolos, um CFE (Certified Fraud Examiner) enviou à SEC (Securities and Exchange Commission) documentação sobre a alegada fraude sobre o Fundo Madoff. Em Novembro de 2005 o mesmo Markopolos detalhou 13 alertas que colocavam em causa a legalidade do fundo achando altamente provável que se tratava do maior esquema Ponzi de sempre. Um esquema fraudulento do tipo Ponzi (ou Dona Branca, em Portugal) baseia-se na entrada de novos para permitir pagar os antigos tornando-se insustentável, a prazo. Este Fundo, para aumentar a sua respeitabilidade, foi admitido na SEC dois anos antes de ter rebentado.
Em 2008 a SEC teve um orçamento de 900 milhões de dólares para controlar casos como este que se estima chegue aos 50 mil milhões de dólares. A regulação não elimina pois o potencial de fraude, apenas o torna mais difícil de detectar pela credibilidade que lhe confere. E será que se pode regular a ganância ou a forma de defraudar que ainda não existe, fruto da própria essência humana?
Existe cada vez mais a dúvida sobre se as melhores decisões de gestão se baseiam na quantificação e em números com base em padrões passados ou naqueles que acham que as melhores decisões acabam por ser sempre aquelas subjectivas baseadas nas previsões futuras (Ver ''Against the Gods: The Remarkable Story of Risk'' - Peter L. Bernstein). Como gosta de dizer Warren Buffet, "só quando a maré vaza é que descobrimos quem nada nu". E a maré é alimentada pela respeitabilidade de quem não é sequer questionado por deferência. O que nos leva a perguntar se não haverá mais casos por aí que a maré venha a destapar pois nos dias de abundância, quando sobe, a maré levanta todos os barcos. Esta maré é ainda mais alimentada por todos os que procuram recompensas constantes, ano após ano, em que a ganância se sobrepõe ao medo e ao cepticismo.
Warren Buffet diz repetidamente que o mercado de derivados é uma bomba de destruição maciça à espera de acontecer. Se o valor do mercado de derivados fosse distribuído por todos os seres humanos daria mais de 100 mil euros a cada um. Ou seja, este mercado virtual que ameaça evaporar-se corresponde a mais de 20 vezes o PIB mundial e mais de 15 vezes o valor de todo o imobiliário do planeta (Ver "The Invisible One Quadrillion Dollar Equation. Asymmetric Leverage and Systemic Risk").
Todos convivemos diariamente com expectativas que um dia serão postas a nu. A história, se não se repete pelo menos rima bastante, ensina-nos que não devemos apostar no que não é auditado, pelo menos. E porque a gestão é feita por humanos é comum dizer-se que em Deus confiamos, em tudo o resto auditamos.
Na reforma todos recebemos um benefício relacionado com os descontos efectuados dando a sensação que investimos nesse direito. Ora, na prática, o que se passa é que é mais um mero instrumento contabilístico de transferência entre gerações, das actuais para as anteriores. E não está claro para todos que não receberão o retorno do seu investimento mas antes serão suportados por outros. Se este desequilíbrio demográfico aumentar fortemente torna-se insustentável nos parâmetros inicialmente expectáveis pelo que sairão um dia defraudadas as expectativas inicialmente criadas. Se o cálculo destes benefícios é composta pelos descontos efectuados porque razão não é esse o factor que garante a sua sustentabilidade? Será a Segurança Social ocidental um imenso esquema Ponzi à vista de todos? Como diz o nosso Presidente, "As ilusões pagam-se caras".