António João Maia, Visão on line,

Falar da crise é já de certa forma um lugar comum. Efectivamente nos últimos meses tudo o que se tem dito e escrito em termos de opinião pública tem tido sempre como denominador comum o problema da crise económica que o mundo vive no presente.
Esta crise que é ainda só económica, mas que ameaça poder vir a ser também social, corresponde ao desenlace natural e incontornável do processo de globalização que se iniciou nas duas últimas décadas do século passado. Ela corresponde, no essencial, à ruptura dos modelos económico e social - e porventura cultural - tal qual os conhecemos, sendo ao mesmo tempo a ponte para novos arranjos geométricos na orgânica e no funcionamento das referidas estruturas. Arriscamos mesmo a antecipar que as novas geometrias económica, social e cultural que parecem desenhar-se funcionarão numa lógica de "vasos comunicantes", em que tudo encontra uma correspondência directa com tudo, num sistema uno e global, que estará permanentemente em processo de reequilíbrio, em resultado das acções naturais que passarão a ser exercidas sobre cada uma das suas componentes. Digamos que o novo modelo que se avizinha encontra uma correspondência directa com os conceitos de "mundo plano", de que fala Friedman (ver Thomas L. Friedman, 2005, "O Mundo é Plano - Uma Breve História do Século XXI", Edição Actual Editora, Lisboa), de "sociedade em rede", de que fala Castells (ver Manuel Castells, 2002, "A Sociedade em Rede - a Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura - Vol.1", Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa), e de "cidadão com consciência planetária" ou "condição planetária" de que fala Edgar Morin (ver Edgar Morin "Os sete Saberes Necessários à Educação do Futuro", in http://www.agal-gz.org/portugaliza/num07/setesaberes.pdf).
Enquanto território de mudança, que nos leva de um modelo em final de vida para uma nova ordem, a crise é interpretada de formas distintas: Primeiramente e em som mais audível, surgem os profetas da desgraça, que, agarrados à segurança natural proporcionada pelo conhecimento que possuem do modelo ainda vigente, pintam com as cores mais negras o horizonte, que verdadeiramente desconhecem, mas que, por anunciar alterações, instala nos espíritos naturais níveis de dúvida, de incerteza e até de ansiedade. Fazem-no porventura numa tentativa última de evitar o inevitável rumo dos acontecimentos. Outros porém são capazes de ver estes mesmos momentos de crise como janelas de oportunidade para a inovação. Estes, cujas vozes se vão tornando gradualmente mais fortes, são os que percebem que o processo evolutivo é incontornável, e que aqueles que se mostrarem preparados para participar e aceitar as mudanças serão provavelmente os que em melhores condições ficarão para singrar na nova ordem emergente.
Relativamente ao modelo cujo fim parece agora anunciar-se, esta crise tem revelado que muitas das suas formas de funcionamento não eram afinal tão claras como se apresentavam ou como se fazia crer. Efectivamente e em relação ao funcionamento da economia, a crise tem posto a nu todo um conjunto de situações mais ou menos fraudulentas que, em condições de funcionamento normal, não se revelaram nunca. Em termos nacionais e internacionais, a crise tem vindo a revelar que algumas das mais prestigiadas instituições da alta finança funcionavam ao mais alto nível com algumas facetas menos claras e que, a confirmarem-se, em nada prestigiam os respectivos corpos gerentes e, por consequência directa, as próprias instituições em causa. A este nível recordemos apenas a grande situação fraudulenta que mais recentemente veio ao conhecimento da opinião pública mundial - o denominado caso Madoff, que tem tido repercussões um pouco por todo o sistema económico - à qual poderão vir a juntar-se outras, que o anunciado aprofundamento da crise poderá entretanto vir a revelar . . .
É evidente, a história tem-no demonstrado, que não existem formas de organização económica, social e cultural perfeitas (O que é uma economia perfeita?; O que é uma sociedade perfeita?; O que é uma cultura perfeita?). É o próprio processo evolutivo dos modelos económico e social que tem permitido por a nu essas ditas "imperfeições", que só ganham esta dimensão e este epíteto, como lhes temos vindo a chamar, a partir do momento em que um novo paradigma organizacional emerge e passa a ser comparado com os que o antecederam.
Em nosso entender, o simples facto de a crise estar a revelar algumas "imperfeições" em zonas até agora insuspeitas no quadro de funcionamento do modelo económico que ainda julgamos existir, corresponde na prática a uma forte evidência de que o modelo está já em processo de alteração.
Sem sabermos ainda exactamente qual será a geometria que os modelos económico e social em gestação revelarão, alguns conceitos começam já a ganhar alguma importância nesses futuros quadros. Um desses conceitos é o de "Qualidade Total", de que fala Cristina Mendonça (ver Maria Cristina Mendonça, 2000, "A Reforma e a Qualidade nos Serviços Públicos", in "Forum 2000 - Reformar a Administração Pública: Um Imperativo", ISCSP, Lisboa, 113 - 117), referindo precisamente que a "qualidade" é uma necessidade imprescindível nas sociedades actuais, não nos termos como tem sido tradicionalmente equacionada - criação e sustentação de uma imagem institucional que, as mais das vezes por questões concorrenciais, se passa estrategicamente para o mercado, independentemente de corresponder à realidade interna da própria instituição -, mas agora numa perspectiva totalmente inovadora e "global". A "Qualidade Global" deve nascer no seio da instituição, no seu todo, devendo ser um dos factores da cultura organizacional e por isso deverá envolver todas as pessoas que exercem funções na organização. Só em contextos organizacionais em que todos os funcionários se sintam verdadeiramente envolvidos num trabalho de qualidade que é prestado pela organização (pública ou privada) de que fazem parte, permite criar condições para que os serviços prestados por essa instituição tenham efectivamente a qualidade requerida e necessária para poder entrar nos mercados (globais) de uma forma verdadeiramente concorrencial. Só através de elevados índices de "qualidade global" parece ser possível ganhar a necessária e imprescindível confiança dos mercados.
Quem não conseguir entender esta premência, nomeadamente na economia global de "vasos comunicantes", como lhes chamamos, dificilmente conseguirá sobreviver no modelo económico que agora emerge. E é por isso que é importante que as instituições (públicas ou privadas) constituam mecanismos internos que por um lado lhes permitam garantir elevados índices de "qualidade global" e, por outro lado, lhes permitam despistar eventuais problemas de fraude que possam ainda assim eclodir no seu interior.
As universidades, na sua função de cadinho das tendências vanguardistas do desenvolvimento tecnológico e humano, parecem ter já percebido as necessidades de mudança e os rumos que essa mudança seguirá. É neste contexto que parece muito positiva a tendência que actualmente se tem registado no mundo académico no sentido de criar cursos de formação específica destinados a profissionais que se dediquem ao conhecimento, ao estudo e à detecção de eventuais situações de fraude. Importa agora que os responsáveis pelas instituições verdadeiramente interessadas em posicionar-se em concordância com os contextos económicos e sociais emergentes consigam alcançar a importância que possa revestir a aposta na "qualidade global" dos serviços que prestam, potenciando assim o aumento dos índices de confiança que os seus futuros potenciais clientes necessitam sentir existir.
Para finalizar e apesar dos discursos sombrios acerca do evoluir do cenário de crise para o ano já em curso, a todos se deseja um excelente 2009 e que, no que depender de cada um de nós, olhemos para a crise como uma janela de novas oportunidades!