Manuel Castelo Branco, Visão on line,

A promiscuidade entre política e negócios é bem conhecida, em particular a existente entre o setor financeiro e o poder político.

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Nas últimas semanas tem-se assistido em Portugal a uma verdadeira novela sobre a sucessão de Ricardo Salgado enquanto presidente executivo do Banco Espírito Santos (BES). A escolha recaiu sobre Vitor Bento, sobre quem, dado o seu perfil público, não vale a pena escrever muito. Tal escolha deu origem a acusações de partidarização do BES e confusão entre negócios e política.

A promiscuidade entre política e negócios é bem conhecida, em particular a existente entre o setor financeiro e o poder político. No caso português, é do domínio público o facto de nas últimas décadas vários dos ministros e dos secretários de Estado que tomaram todas as decisões sobre economia terem passado pelo BCP e pelo grupo Espírito Santo. A entrada no BES de Vítor Bento (para presidente executivo), João Moreira Rato (para administrador financeiro) e Paulo Mota Pinto (para presidente do Conselho de Administração) não contribui em nada para que se deixe de pensar que há de facto promiscuidade entre política e negócios. Como se costuma dizer, à mulher de César não basta ser séria, tem de parece-lo.

Mas este é também um problema sério ao nível europeu. Entre os grandes problemas relacionados com as conexões entre o setor financeiro e o poder político, gostaria de chamar a atenção para os dois seguintes: o fenómeno das chamadas “portas giratórias” e a influência do lóbi daquele setor na tomada de decisão política. Considero-os a ambos ameaças sérias à democracia.

O fenómeno das “portas giratórias”, bem ilustrado pelas situações descritas nos primeiros parágrafos deste texto, é um problema que considero particularmente preocupante. Para nos afastarmos um pouco do caso português, pensemos na passagem de comissários, membros do parlamento europeu e altos funcionários para o setor privado. Quando isto acontece, o setor empresarial obtém conhecimento interno, contactos fundamentais e influência.

Quando sucede o movimento contrário, o da ocupação de lugares de relevo em termos de influência na tomada de decisão política por parte de administradores de grandes grupos económicos, a preocupação não é menor. Relativamente ao caso europeu, já muito se disse e se escreveu sobre estarem ou terem estado recentemente na direção do Banco Central Europeu (BCE) e nos governos de países como a Itália, a Grécia ou a Espanha homens da Goldman Sachs (Mario Draghi e Mario Monti, o grego Lukas Papademus) ou do Lehman Brothers (Luis de Guindos).

Para além de tudo o mais que se possa pensar sobre o assunto, pessoas com este perfil possuem muitas vezes visões muito particulares da realidade, baseadas em teorias cuja validade está restringida pela verificação de pressupostos muito específicos que são convenientemente deixados enterrados nas obras da especialidade e cimentadas pelos muitos anos que passaram nas empresas ocupados com a prossecução de objetivos muito limitados. Faz sentido, a este propósito, a afirmação, atribuída a Mark Twain, de que se o único instrumento de que dispomos é um martelo, tendemos a ver qualquer problema como um prego. Parece haver uma convicção generalizada de que gerir a administração pública é como gerir uma casa ou uma empresa. Porque essa ideia não passa de um mito, muito provavelmente pessoas com o perfil das referidas acima não serão as mais indicadas para os lugares que ocupam (ou ocuparam).

No sentido de mitigar os efeitos do problema abordado seria interessante, no caso da União Europeia, a proibição de comissários, ex-comissários, membros do parlamento e outros altos funcionários passarem para o setor empresarial e prestarem serviços nos domínios em que intervieram enquanto políticos durante um período suficientemente longo. Obviamente, seria de impor regra semelhante no caso de passagens de sentido inverso.

Relativamente à influência do lóbi do setor financeiro na tomada de decisão política, a verdade é que não se sabe muito. Sabe-se, no entanto, que esse lóbi emprega pelo menos 1700 pessoas e gasta mais do que 120 milhões de euros em despesas anuais (1). Além disso, não é pouco comum ouvir-se dizer que certos eleitos que fazem parte da comissão europeia são representantes diretos dos bancos. É certo que há um Registo de Transparência que pretende dar acesso a informação sobre quem está envolvido em atividades cujo objetivo é influenciar o processo de tomada de decisão na União Europeia, mas ele possui um carácter meramente voluntário. Uma solução seria tornar este registo obrigatório, o que levaria à existência de maior transparência. A outra, por mim preferida, seria proibir este tipo de atividades e penalizar fortemente qualquer tentativa daqueles que, apesar da sua ilegalidade, nelas se envolvessem.

(1) http://corporateeurope.org/financial-lobby/2014/04/fire-power-financial-lobby