Carlos Pimenta, Jornal i

 

Como afirmou Black (2005), a melhor forma de roubar um banco é ter um. A experiência portuguesa também o comprova

29 de Outubro de 1929. Declara-se  a então mais destruidora e prolongada crise do capitalismo. Quatro anos de quebra nos negócios, seguida de seis de estagnação, apenas superada pela Guerra Mundial (1939/45). O Presidente Roosevelt dos EUA percebeu a incapacidade dos mercados e promoveu uma política económica activa (1933/37). Esta foi validada pela obra de Keynes (1936), que mudou a nossa leitura da sociedade. Entretanto o Relatório do Banco de Portugal (1930) vangloriava-se de Salazar ser um exemplo europeu ao promover o equilíbrio orçamental contra a crise. Na Europa associou-se fascismo e austeridade, uma bomba explosiva de conflitos sociais e de crimes.

A história parece repetir-se em ondas cíclicas de olvido e estupidez, expressão do domínio económico dos senhores do dinheiro, do poder e das ideias. O keynesianismo mostrou a sua capacidade para controlar, fiscalizar e gerir. A experiência anterior foi demasiado sangrenta e inumana para ser esquecida; as instituições internacionais e a tecnologia criaram novas vias de cooperação, embora também de concorrência. Roosevelt alertava para as semelhanças entre os capitalistas organizados e as máfias e hoje sabemos que liberdade de circulação de capitais e democracia são dinâmicas em conflito.

A presente crise “só” tem sete anos. Outros existirão ainda de amargura e surpresas se se continuar a trilhar estes caminhos europeus da ignomínia intelectual e política. A situação económica contemporânea é mais grave do que nos anos trinta. A produção foi transferida dos países capitalistas centrais, que guardaram para si a actividade financeira de apropriação de renda, para a China e outros mais. O capital fictício é maior que nunca, goza de uma permissão de movimentação mundial, está fortemente concentrado e agrava as desigualdades sociais. O “ódio de classe é hoje dos ricos contra os pobres”, dos que mandam contra os que sobrevivem, arrasando o humanismo e a justiça, gerando ideologias com arrasadora capacidade de divulgação. Na confluência entre a redução da carga fiscal, para os mais ricos e as grandes empresas mundiais, com a degradação ética e o individualismo exacerbado, entre a lucratividade sem responsabilidade social e o crime organizado, estão os paraísos fiscais e judiciários, numa nuvem mundial liderada por Londres, os Estados Unidos e outros países “bem comportados”.

O resultado é simples: as desigualdades económicas aumentam, a ideologia neoliberal expande-se, os impostos são gravosamente pagos pelas pequenas e médias empresas e pelos trabalhadores por conta de outrem.

Como afirmou Black (2005) a melhor forma de roubar um banco é possuir um. A experiência portuguesa também o comprova, apesar das declarações peremptórias de ministros e governadores, desde o início desta crise, de que os bancos portugueses não praticaram os desvarios ianques e são sólidos. São muitas as “excepções”, mas as nossas “coroas de glória” são indubitavelmente o BPN e o BES.

O Banco Central Europeu não confia nos Estados e a manipulação do mercado monetário e da dívida é feita pelos impolutos bancos. Mas quando tão talentosos engenheiros financeiros, doutores honoris causa pelo seu empreendedorismo, defraudam e roubam é o Estado que intervém, que garante a validade das medidas adoptadas, porque só ele tem a capacidade jurídica de fazer que tais crimes sejam pagos pelos cidadãos honestos.

A procissão do Espírito Santo saiu do átrio. Aguardemos com temor pelas revelações demoníacas no seu percurso.