António João Maia, Jornal i

Os crimes mais expostos são ainda assim os mais violentos, como os assaltos a bombas de gasolina, a supermercados, a bancos, ou a caixas de multibanco

Foi divulgado na semana passada o relatório de segurança interna relativo ao ano de 2013. Através desse documento foram apresentados e analisados os números registados dos crimes que chegaram ao conhecimento das autoridades durante o ano.

De acordo com os dados disponibilizados, assinala-se um decréscimo do número total de crimes registados relativamente a 2012, apesar de nalgumas tipologias de crime, como a violência doméstica ou os crimes ocorridos nas escolas, se ter verificado um acréscimo.

Nesta reflexão procuramos focar o significado dos números do crime e as leituras que deles se podem fazer. É que, perante eles, sobretudo quando se registam decréscimos relativamente a anos anteriores, pode tornar-se tentador a produção de discursos interpretativos que vão no sentido de sustentarem melhorias de eficácia na ação das instâncias formais de controlo, designadamente das forças policiais, dos serviços de segurança e da ação punitiva dos tribunais.

Todavia e sem colocar em causa essa possibilidade explicativa, a verdade é que os números oficiais do crime – as estatísticas criminais, como são vulgarmente conhecidos – não devem ser associados unicamente à eficiência do desempenho daquelas instituições.

Importa ler o crime com cuidado e a partir de outros ângulos.

Para lá de poder ser um sinal revelador da eficácia das instituições de controlo, a dimensão do crime pode indiciar igualmente índices de sentimentos de maior ou menor insegurança na sociedade, mas pode ser também revelador de alguma desconfiança relativamente à eficácia da ação dessas instituições.

Pela natureza de atos marginais, que escapam – por contrariar – às normas e às regras do viver em sociedade, grande parte das práticas criminosas tende a ocorrer em contextos de algum recato, o que as torna socialmente invisíveis. Do ponto de vista do criminoso, o assalto a um automóvel é mais eficaz se ocorrer preferencialmente de noite, em locais mal iluminados ou a recato de olhares indesejados. O assalto a residência oferece menor risco de deteção se for praticado durante o dia, quando ninguém está no seu interior. A violência doméstica ocorre no interior da habitação, apenas entre autores e vítimas. E que dizer do crime económico, como a corrupção ou a fraude, que é conhecido precisamente como o crime de gabinete…

Os crimes mais expostos são ainda assim os mais violentos, como os assaltos a bombas de gasolina, a supermercados, a bancos, ou a caixas de multibanco. E será precisamente por este facto que este tipo de crimes, a par do homicídio, é provavelmente o que apresenta números mais próximos da realidade das ocorrências. Os outros, por não deixarem vítimas diretas da sua ocorrência (por exemplo a corrupção), por não apresentarem testemunhas ou porque simplesmente as vítimas não apresentam denúncia às autoridades (por serem, por exemplo, familiares do autor, por entenderem que o caso não o justifica, ou que lhes pareça impossível a identificação e punição do autor, ou ainda por percepcionarem alguma ineficácia na ação das entidades de controlo e punição) acabam por não aparecer retratados em nenhuma estatística. Pior do que isso, não permitem qualquer tratamento policial de repressão ou controlo, o que se traduz desde logo em perversos sentimentos de impunidade para os seus autores.

Os números do crime escondem sempre uma dimensão de “cifras negras” que não pode, nem deve, ser ignorada quando se faz a interpretação do fenómeno.