Carlos Pimenta, Jornal i

Admitamos que o banco central não tem qualquer intervenção directa sobre o mercado cambial e as ofertas e procuras funcionam ao sabor das transacções realizadas
...

Consideramos que uma afirmação é verdadeira quando ela corresponde à realidade, com a qual lidamos na prática e pretendemos conhecer e interpretar utilizando as nossas capacidades para pensar e agir. O que dizemos é verdadeiro se tem uma correspondência com a realidade.

Não é essa a postura de vários economistas actuais. Como refere Ludwing von Mises (1881-1993, “escola austríaca”) quando a ciência económica constrói um modelo explicativo de uma determinada situação, e se constata que esta não corresponde à explicação que foi elaborada, deve-se ver se o modelo está bem elaborado. Mas se este é logicamente coerente, não há razão para o abandonar. Por outras palavras, devemos manter a explicação e se formos procurar a verdade ela está mais na explicação dada do que na realidade (não) explicada.

A lógica aconselharia exactamente o contrário, abandonar a teoria, mas esses economistas não o fazem. Há muitos subterfúgios para manterem a postura anteriormente referida: “a explicação considera apenas alguns aspectos e admitiu-se que a infinidade dos restantes se manteriam constante, mas tal não aconteceu”; “pode não conseguir explicar, até porque algumas das hipóteses são irrealistas, mas se conseguir prever, tudo bem”; “qualquer cidadão deveria pensar racionalmente (como os deuses), se assim não acontece ele é que não está certo”.

E assim se justificam tantas anedotas sobre os economistas: a procura da solução passa por inicialmente se admitir que nada do que pretendemos solucionar aconteceu. Claro, a realidade é que está errada, o economista é que está certo.

Se estas tontarias não tivessem consequências limitar-nos-íamos a rir e a reconhecer que, se tais análises têm algo de científico, estão essencialmente reféns da ideologia. Contudo, esta capa de cientificidade ideológica é profundamente manipuladora da realidade e as políticas económicas que lhe estão associadas são muito perigosas para todos aqueles que não se comportam como os modelos consideram.

2. Fugindo a situações com que todos os cidadãos europeus estão hoje confrontados, tomemos um exemplo com algum distanciamento temporal.

Num livro de 1977 Macedo define câmbios fixos como aqueles “em que não ocorrem alterações da taxa de câmbios”, exigindo uma política do banco central comprando e vendendo divisas para compensar as flutuações das compras e vendas. De seguida define câmbios flutuantes e, quando seria de esperar que fossem definidos por negação da afirmação anterior, afirma que são “aquele[s] em que não ocorrem alterações do equilíbrio da balança de pagamentos” (pág. 131). Ora esta última definição é um mero modelo, inspirado por um conjunto de pressupostos sobre o funcionamento da economia.

Admitamos que o banco central não tem qualquer intervenção directa sobre o mercado cambial e as ofertas e procuras funcionam ao sabor das transacções realizadas. Segundo o modelo seria de esperar o equilíbrio da balança de pagamentos. Entretanto tal não acontece.

Será de refazer o modelo? Não! Será de alterar a realidade para que tal aconteça: diminui-se a regulação do banco central; diminui-se a sua função de financiador em última instância. Como alguns economistas defenderam, numa paixão neoliberal, propõe-se a privatização do banco central.

3. Quando se considera que a realidade é mentirosa campeia a discricionariedade, a ditadura dos mercados, o aniquilamento do social pelo económico. A sociedade (leia-se o homem) pode ir mal para que a economia (os “mercados) vá bem!