Carlos Pimenta, Visão on line,

Hoje inicia-se em Jacarta o sexto encontro do Fórum Global para a Transparência e a Troca de Informações em Assuntos Fiscais.

1. Todos sabemos o que são os paraísos fiscais e judiciários, independentemente do nome que assumam (praça financeira, entreposto, etc.), vulgarmente designados de offshores.

De uma forma ou de outra, em maior ou menor grau, esses paraísos (para uma restrita elite económico-financeira) obedecem às regras seguintes:

  • impostos reduzidos ou mesmo nulos para não residentes;
  • segredo bancário inviolável ou quase;
  • segredo profissional em torno da estrutura e actividade dos negócios aí instalados e realizados (o que pode tornar inviável identificar os proprietários das "empresas" e as actividades realizadas);
  • uma grande facilidade de constituição de uma sociedade, que muitas vezes mais não é que um fantasma (isto é, empresa exclusivamente para manobras contabilísticas, domiciliada numa caixa de correio ou similar);
  • liberdade de movimentos de capitais e rapidez das operações (quase sempre estamos a falar de capital-dinheiro, não de capital produtivo, com uma volatilidade que permite limpar rapidamente qualquer pista da sua actividade);
  • concentração de empresas de advogados, consultadoria, auditoria e gestão de fortunas; vulgarmente estão presentes as grandes empresas internacionais nessas áreas e bancos de diversos países.

Obviamente que têm de estar instalados em regiões que usufruam estabilidade política e que transmitam aos "investidores" confiança.

Se há alguns offshores que se mantêm reticentes a colaborarem com as autoridades dos diversos países, a grande maioria estabelece diversos acordos bilaterais ou multilaterais. Aliás tais procedimentos ajudam a atrair capitais, reforçam o ambiente de confiança, ajudam a operações financeiras envolvendo diversos paraísos fiscais.

São esses acordos que permitem ao paraíso fiscal saírem da "lista negra" criada por algumas instituições (vide OCDE - Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento) e torná-lo uma instituição aceite alegremente pela comunidade internacional.

Por meio dessas listas dos "bem ou mal comportados" se designa a opacidade por "transparência" e a concorrência desenfreada por "cooperação". Na sequência desta lógica, neste mesmo dia (21 de Novembro) se inicia em Jacarta o sexto encontro do Fórum Global para a Transparência e a Troca de Informações em Assuntos Fiscais. Como diz a OCDE "é a continuidade de um fórum que foi criado no início de 2000, no contexto do trabalho da OCDE para enfrentar os riscos de cumprimento das obrigações fiscais que os paraísos fiscais representam". Fórum cujas regras sofreram alterações em 2009, na sequência de propostas do G20 (a reunião dos 20 países mais ricos do mundo).

2. Qualquer cidadão ou instituição pode colocar, legal ou ilegalmente, dinheiro nesses paraísos fiscais, mas as regras estão estabelecidas (capital mínimo, aceitação por parte do poder político local, etc.) de forma que sejam um espaço para as grandes fortunas, para uma elite de grandes empresas.

São eles que representam a enormíssima percentagem dos pelo menos 21.000.000.000.000 dólares (entre 21 e 32 biliões de dólares, em 2010), como referimos numa crónica neste mesmo local em 2012-09-13.

Seria impossível em poucas palavras descrever todas as fraudes, legais ou ilegais, que os paraísos fiscais permitem. Alguns exemplos:

  • Criar empresas que não empregam nenhum trabalhador mas que permitem a realização de operações contabilísticas, ou outras, capazes de evitar o pagamento de impostos nos países em que efectivamente labutam.
  • O dinheiro obtido na produção e comercialização de droga pode passar pelas instituições aí domiciliadas, no seu processo de branqueamento (vulgo, lavagem), permitindo aparecer posteriormente como dinheiro legitimamente ganho, parceiro em qualquer negócio legal.
  • Montar empresas que praticam a fraude contra os consumidores ou que promovem a burla através da utilização das redes informáticas internacionais.
  • Encobrir um acto de corrupção política sob a capa de um negócio realizado de acordo com as normas comerciais*.

Até permite que os defraudadores fiscais em diversos países, nomeadamente nos que não usufruem autonomia financeira, contribuam para a derrocada das contas públicas e, simultaneamente, sejam idóneos responsáveis pelo "funcionamento dos mercados" da dívida pública.

3. Não sendo de subestimar a redução aparente da concorrência fiscal e a troca de informação entre Estados e polícias de diferentes países, é preciso ter bem presente que esta lógica de "transparência e cooperação" é uma forma velada de reconhecer a impossibilidade de acabar com os paraísos fiscais e judiciários, situados dominantemente em países centrais da economia mundial. O que era essencial não é feito e só se fala do muito pouco que é feito.

Chegado aqui há muitas perguntas a que não sabemos responder, limitando-nos a colocá-las ao leitor:

  • É possível a globalização - assente na mundialização do sistema social, na financiarização da economia, no agravamento das desigualdades sociais - existir sem essas "placas giratórias" entre as actividades legais e ilegais?
  • Acabar com a globalização poderá fazer renascer um capitalismo mais humano, mais ético, mais respeitador das regras da concorrência em igualdade de circunstâncias para todos os participantes?
  • Poderemos reencontrar neste "autêntico desafio civilizacional", uma sociedade "com menos ganhos e dispêndios de alguns em contraste com a imerecida penúria de muitos; com outra organização do trabalho face às profundas mudanças tecnológicas, que tantas vezes o reduzem ou dispensam; face ainda às exigências irrecusáveis de populações inteiras que, na Europa ou batendo à sua porta, pretendem basicamente trabalhar e viver, senão mesmo sobreviver", como alertou D. Manuel Clemente muito recentemente?

 

 

NOTA:

* Ver neste mesmo local, como exemplo, a crónica de 8/6/2011.