Nuno Gonçalves, Visão on line,

Um dos subprodutos da actual crise económica e financeira mundial é o maior despertar para o tema da evasão fiscal. Esta atenção crescente, dada pelos meios de comunicação social, pela sociedade civil e organizações não governamentais e, também, por governos um pouco por todo mundo, espelha diversas motivações que concordam num ponto: no combate à fuga às obrigações fiscais.

Nesta conjuntura extraordinária, que vive de medidas económicas extraordinárias, muitos governos não têm outra condição senão a de aumentar a carga tributária das famílias e empresas de modo a fazerem face às suas despesas e às dívidas públicas. Floresce assim a motivação para a fuga ao fisco mas também para o seu combate. Sedentos por receitas públicas e sem margem para aumentarem a carga fiscal, a evasão fiscal penaliza a execução orçamental dos governos ao criar a erosão da base tributária. O combate a este fenómeno torna-se assim viável como fonte de receita.

O aumento dos impostos levanta também questões sobre quem o suporta, ou seja, de que forma é distribuída a carga fiscal pela sociedade. Sem um combate efectivo à evasão fiscal, os indivíduos e entidades com maiores recursos conseguem mover-se (por vezes dentro da legalidade) entre praças financeiras e assim, usando paraísos fiscais, anulam ou amortecem a carga fiscal inerente por sistema. O sistema fiscal progressivo pressupõe que quem aufere maiores rendimentos ou gera maiores lucros terá uma maior contribuição fiscal. Na presença de evasão, existe claramente uma distorção na distribuição da carga fiscal pela sociedade.

A motivação política para a temática ficou explicitada na declaração final da reunião do G20 no México (Junho de 2012) - reiterada na reunião de ministros das finanças do G20 (Novembro de 2012) - como "a necessidade de prevenir a erosão da base tributária e a transferência de lucros". Na tentativa de combater estas problemáticas, o Secretário-geral da OCDE anunciou em Julho de 2013 um plano de esforço conjunto dos seus membros (dos quais Portugal faz parte). Entre as principais medidas salientam-se: (i) o desenvolvimento de regras internacionais de tributação de modo a colmatar lacunas entre diferentes sistemas fiscais e assim neutralizar qualquer tipo de arbitragem; (ii) a revisão das regras existentes sobre tratados fiscais e preços de transferência de forma a eliminar falhas observadas; e (iii) o aumento da transparência, estabelecido através do reporte das empresas às respectivas administrações fiscais sobre a alocação dos seus lucros pelas suas redes de sucursais a nível internacional, e maior dialogo entre governos sobre as regras e benefícios fiscais aplicados.

O panorama geral sobre a evasão fiscal é normalmente deduzido através de um indicador denominado por tax gap. Este indicador pode ser estimado para os diversos tipos de impostos, e é obtido confrontando o valor teórico do imposto (processado através da compilação das contas nacionais) com o imposto efectivamente cobrado. Existem algumas reservas quanto à leitura deste indicador uma vez que o gap pode traduzir não só evasão fiscal mas também atrasos no pagamento de impostos, efeitos da alteração da legislação fiscal e erros no cálculo do imposto teórico. O tax gap, em muitas administrações fiscais, trata-se de uma série estatística envolta em secretismo e pouca transparência. Para Portugal os valores existentes são relativos ao gap do IVA. Segundo o INE, para o período 2006-2010, o gap médio anual de IVA foi 1.752 milhões de euros, representando 11,4% do IVA cobrado, tendo em 2009 observado o valor mais elevado neste período (18,7%), em contraste com o valor mínimo registado em 2007 (7,9%). Apesar do IVA ser o imposto com maior peso na receita fiscal, os rendimentos de pessoas singulares e colectivas são os mais sujeitos à evasão fiscal. Daí seria útil o conhecimento da série do gap para o IRS e IRC.

A problemática da evasão fiscal nem sempre beneficia da atenção merecida. Quando o ciclo económico é de expansão raramente se ouvem preocupações neste sentido, quer do círculo político quer da imprensa. Parece assim poder dizer-se que o tema "evasão fiscal" é uma moda, desvanecendo em expansão até ao próximo período de grande restrição orçamental. A conjuntura actual parece albergar as condições necessárias para uma mudança estrutural nas políticas de combate à evasão fiscal. Contudo, apesar da aparente motivação a nível internacional, subsiste o paradoxo de que grande parte dos países envolvidos neste esforço alberga dentro dos seus territórios nacionais paraísos fiscais.