João Pedro Martins, [types field="pub" class="" style=""][/types],
Ninguém gosta de pagar impostos. No entanto, os tributos constituem uma ferramenta imprescindível para a redistribuição da riqueza e permitem que o Estado desempenhe funções de justiça social que nenhum contribuinte tem vocação e predisposição para assegurar.
Os benefícios fiscais devem representar um incentivo aos mais desfavorecidos e um acto de justiça tributária para compensar os contribuintes que realizam um esforço acrescido e anormal para produzir a mesma riqueza que os seus pares (uma pessoa com deficiência, um agregado familiar numeroso ou uma empresa que se instala numa zona interior).
O benefício fiscal que permite a dedução de 15% do IVA no IRS levou mais de 3 milhões de contribuintes a inscreverem o seu número fiscal em cerca de mil milhões de facturas, causando um aumento das receitas públicas.
Esta dedução fiscal, para lá de não respeitar o princípio subjacente ao próprio benefício, põe os contribuintes a desempenhar funções de fiscalização que são da competência da Autoridade Tributária (AT) e que deveriam ser exercidas como contrapartida dos impostos pagos.
Durante meses, sempre que ia ao restaurante ou quando levava o carro à oficina, pedia factura com número de contribuinte. Como o valor do benefício nunca aparecia no Portal das Finanças, fui obrigado a inserir manualmente o montante de cada uma das facturas.
Para minha surpresa, no final de Agosto, a AT descarregou os dados em pacote e fui contemplado com um duplo benefício fiscal. O sistema informático das Finanças não é inteligente e não sabe que a factura com a referência "2013/00003", que introduzi manualmente, é a mesma que a "2013/3" comunicada pelo sistema informático do comerciante.
Fiquei também a saber que nas situações em que aparece informação divergente estou impossibilitado de usufruir do benefício fiscal, como é o caso da factura emitida pelo restaurante Rodrigues & Caiados, L.da, que comunicou o valor sem IVA, quando paguei a factura com IVA incluído.
Depois de ter passado um fim-de- -semana a apagar registos no Portal das Finanças, fazendo o papel que deveria ser desempenhado pela AT, consegui regularizar a minha situação tributária e facilmente cheguei à conclusão de que a fiscalização é inoperante e inexistente.
Enquanto o Estado oferece este rebuçado fiscal para os contribuintes fiscalizarem os pequenos comerciantes, na Zona Franca da Madeira as empresas-fantasma das várias multinacionais que usam o offshore do Funchal para fugir aos impostos foram contempladas com um aumento de benefícios fiscais.
É muito estranho que em tempos de profunda austeridade e de sacrifícios suplementares para os pequenos contribuintes, o governo tenha negociado em segredo um aumento de 36,7% nos limites da matéria colectável, de tributação reduzida, das empresas-fantasma que se escondem na Zona Franca da Madeira.
Ainda mais estranho é o facto de nenhum contribuinte receber benefícios fiscais para inspeccionar e denunciar as centenas de empresas-fantasma que estão a violar a Lei Geral Tributária e criam profundas assimetrias na redistribuição da riqueza, beneficiando quem tem bons advogados e consultores internacionais, e transferindo a carga tributária das grandes empresas para os pequenos contribuintes.
Isto não é uma trapalhada fiscal, é uma burla legal que não passou pelo escrutínio do parlamento nem da opinião pública.
Afinal são sempre os mesmos a pagar a factura.