Mariana Costa, Visão on line,

Noutro dia, enquanto assistia a um programa na televisão onde se insinuava, subtil e não tão subtilmente, a sonegação de descobertas científicas com potencial de salvar vidas por interesses económicos de farmacêuticas e médicos, dei por mim a pensar no vínculo de parentesco próximo que une a fraude à usura.

Ambas as práticas surgem, habitualmente, associadas ao desejo de obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às custas de outrem. É este último elemento - às custas de outrem - que justifica que sobre elas impenda um forte juízo de censura legal e/ou ético.

No caso da fraude, o sujeito procura obter uma vantagem enganando; ele pratica o ato intencionalmente (aceitemos o elemento da intencionalidade, para este efeito, sem problematizar) com logro, visando obter vantagens indevidas e, em regra, gerando danos para aquele que dele é vítima. O logro é, assim, o elemento que caracteriza a conduta fraudulenta, distinguindo-a de outras condutas direcionadas à obtenção indevida de benefícios e vantagens.

No caso da usura, o sujeito procura obter uma vantagem explorando; ele pratica o ato intencionalmente, aproveitando-se da situação de "necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem" (artigo 282.º, n.º 1 do Código Civil), com vista à obtenção de benefícios excessivos ou injustificados. A prática de usura, nos termos do Código Civil, resulta, assim, do preenchimento de dois requisitos: o requisito subjetivo, que corresponde à exploração da situação de fragilidade da outra parte e também o requisito objetivo, que se consubstancia na obtenção, pelo usurário, de benefícios excessivos ou injustificados (neste sentido, o Acórdão do STJ de 08-07-2003, processo 03A2192 e o Acórdão da Relação do Porto de 15-03-2005, processo 0520658, ambos in ).

Entre a fraude e a usura, como diz a sabedoria popular, "venha o diabo e escolha".

Quer a conduta fraudulenta, quer o comportamento usurário assentam no aproveitamento de situações de fragilidade, ignorância e inexperiência alheias e ambas geram frequentemente sentimentos de vergonha na vítima, que a levam a optar pelo silêncio. Daí que tantas vezes escapem ao crivo da censura social.

A fraude constitui um conceito mais amplo, de roupagens mais variadas e dotado de um vasto leque de potenciais consequências ao nível sancionatório; a usura parece ser um conceito jurídico delimitado com maior rigor, quer ao nível dos comportamentos nele abrangidos, quer ao nível das consequências sancionatórias por eles geradas.

A fraude será, porventura, mais difícil de provar; a usura mais difícil de consciencializar.

Porém, se a prática de atos fraudulentos ou usurários deve ser repudiada pela sociedade, igualmente repudiável, num Estado de Direito, é a alegação não fundamentada, isto é, desacompanhada de elementos de prova, da sua prática por instituição, indivíduo ou classe. E, se mais não for, deve ser repudiada, porque é ofensiva da honra daqueles que são dela acusados e da gratidão daqueles que por estes são cuidados, sem fraude e sem usura, quantas vezes para além do cumprimento diligente de um dever profissional.