Oscar Afonso, Visão on line,

Os recursos económicos introduzidos na Economia Portuguesa no pós adesão à então Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986, enfeitiçaram os políticos e a população portuguesa, de modo que, em termos relativos, se acumulou uma das maiores dívidas externas do mundo, que, provavelmente, nunca será paga e para estancar a sua trajectória tem sido seguida uma política de austeridade com enormes custos sociais.

Tal é, de facto, o resultado do péssimo desempenho dos políticos, motivados essencialmente pela manutenção do fascinante poder, da expansão da economia paralela e das dificuldades de adaptação ao novo contexto imposto pela entrada na União Europeia (UE), potenciadas pelo alargamento de 2004-2007 (com a entrada de países do ex-Bloco de Leste) e pela penetração no mercado europeu de países low-cost ou de "baixo rendimento" (nomeadamente a China).

De 1986 a 2011, a economia paralela passou de 17,3% do produto para 25,4%. Ou seja, de, respectivamente, 4.839 milhões de euros para a brutalidade de 43.387 milhões de euros. Tal significa que aumentou a ineficiência na afectação de recursos, que houve menor cobrança de impostos e, consequentemente, mais défice, mais dívida, menos investimento e menor crescimento económico.

A política de rendimentos deveria ter impedido o aumento dos custos unitários de trabalho acima do ocorrido nos parceiros comerciais, dado o crescimento insuficiente da produtividade, a impossibilidade de usar a taxa de câmbio e o acréscimo de concorrência por parte dos referidos países low-cost. Contudo, os custos unitários de trabalho continuaram a crescer acima dos parceiros da UE, determinando a elevação da taxa de câmbio real e, como tal, uma relevante perda de competitividade.

A política orçamental deveria ter sido conduzida de forma a, em períodos bons, conseguir margem de manobra para intervenção em períodos difíceis, permitindo a sua utilização como instrumento de combate aos efeitos negativos decorrentes de eventuais choques específicos. No entanto, estupidamente, a política orçamental no período pós-1995 - início da preparação para a moeda única - foi erradamente pró-cíclica: a descida da taxa de juro foi aproveitada para aumentar a despesa pública, resultando num descontrolo orçamental que obrigou e obriga ao uso de políticas restritivas em recessão.

Também os agentes económicos privados elevaram o seu nível de endividamento, face à descida das taxas de juro. Como consequência, o peso da poupança privada no produto decresceu, alcançando os níveis mais baixos da nossa história recente.

A conjugação da redução do nível de poupança da nação com a perda de competitividade comercial determinou uma deterioração profunda das contas externas, em particular do saldo da balança corrente que foi sistematicamente negativo após 1995.

Neste contexto, a dívida externa líquida teve uma evolução explosiva após 1995, passando de valores inferiores a 10% do produto naquela altura para cerca de 130% do produto na actualidade. Como a persistência de elevados défices correntes não é possível no longo prazo, mais tarde ou mais cedo a situação obrigaria a um ajustamento doloroso. Essa necessidade foi sendo adiada pelo acesso fácil ao crédito nos mercados internacionais. Contudo, a crise financeira em 2008 e as concomitantes restrições de quantidade e custo de crédito acabaram por precipitar a correcção dos desequilíbrios macroeconómicos portugueses, no quadro do recurso à assistência financeira externa, proporcionada pelas instituições europeias e pelo Fundo Monetário Internacional.

O programa de ajustamento, em curso desde meados de 2011, combina políticas restritivas ao nível orçamental e de rendimentos, incluindo forte contenção salarial, queda do rendimento disponível, elevação de impostos e redução da despesa pública, com a necessidade de adopção de "reformas estruturais" em diversas áreas, como a saúde, a educação, a justiça e os mercados imobiliário e de trabalho. Dado o seu peso, estranha-se a relativa fraca incidência de medidas de combate à economia paralela.

O objectivo é a redução das necessidades de financiamento da economia. As políticas restritivas diminuem o rendimento disponível e, portanto, as importações, enquanto a redução dos níveis do défice (e supostamente da dívida) pública deverão permitir ao Estado regressar aos mercados financeiros internacionais. Por fim, espera-se que as políticas estruturais elevem a competitividade, estimulando as exportações e reduzindo as importações, exercendo o mesmo papel que uma desvalorização cambial.

As medidas em curso têm provocado custos sociais muito significativos. As previsões apontam para que o produto real continue a decrescer em 2013, que permaneça o processo de divergência real face à média da zona euro e que a taxa de desemprego aumente. Neste contexto, admite-se que o programa de ajustamento seja revisto, de modo a possibilitar um eventual regresso do Estado aos mercados financeiros internacionais em 2014.