Oscar Afonso, Jornal i
Um dos assuntos mais quentes do debate político é a relação entre crescimento económico e bem-estar social. É o crescimento económico contraditório com bem-estar social e por isso há que escolher entre uma coisa e outra? Esta questão tem sido bastante debatida e está subjacente nas discussões recentes sobre os desafios estratégicos de longo prazo dos países em geral e de Portugal em particular. O argumento é que é preciso cortar gastos sociais para expandir o crescimento económico, pois o bem- -estar social requer impostos para promover transferências sociais e ambos são desincentivadores do trabalho. Supostamente os contribuintes tendem a questionar-se sobre o porquê de trabalhar para beneficiar outros, e os beneficiários tendem a questionar--se sobre o porquê de trabalhar quando recebem dinheiro do Estado. Assim, teoricamente, os programas sociais estimulariam o lazer e penalizariam o crescimento económico.
Tal poderá ter algum fundamento, mas é igualmente verdade que, na prática e ao contrário de crenças tradicionais, os gastos sociais têm também contribuído para o crescimento económico porque a questão está na divisão entre boa e má despesa pública. A primeira gera um ciclo virtuoso (boa despesa pública gera mais crescimento e este permite mais despesa pública no período seguinte) e a segunda um ciclo vicioso (má despesa pública penaliza o crescimento e assim a despesa pública no período seguinte).
Ninguém duvidará dos benefícios da despesa pública, por exemplo, em investimento produtivo, na saúde, na educação, no apoio à infância e na manutenção da lei e da ordem. Todos questionamos a despesa pública em submarinos, estádios de futebol, rendas excessivas, benefícios a grandes empresas, festas, rotundas, parque automóvel, auto-estradas desnecessárias, estudos duvidosos, viagens, concursos fraudulentos...
Efectivamente, se a diferença não estivesse na boa e má despesa pública, o crescimento económico dos países do Norte da Europa seria marginal, e o crescimento económico dos países desenvolvidos da OCDE não teria sido significativo entre a Segunda Guerra Mundial e o ano 2000, quando os gastos públicos aumentaram de modo tão relevante. A boa despesa pública contribui pois para mais crescimento e assim potencia a criação de riqueza disponível para consumo, despesa pública e investimento. Neste caso há ainda que assegurar que o crescimento económico é transformado em bem-estar para todos, associando-o ao desenvolvimento social e ampliando a capacidade das pessoas de construírem o seu próprio futuro. De modo geral, além de mais rendimento, tal implica mais educação e oportunidades de emprego mais igualitárias, maior igualdade entre sexos, mais saúde e melhor nutrição, um meio ambiente mais limpo e sustentável, um sistema jurídico e judiciário mais imparcial, liberdades civis e políticas mais amplas, uma vida cultural mais rica. Ao invés, a má despesa pública penaliza o crescimento e a riqueza disponível para consumo, despesa pública e investimento, acabando por gerar um estado desigual.
Por outro lado, no financiamento do Estado social, os países devem controlar os desincentivos ao trabalho via impostos universais que minimizem ou eliminem qualquer dano ao crescimento e sejam mais pró-crescimento. Acresce referir a necessidade de fiscalização estatal, pois a carga fiscal potencia a denominada economia paralela, dado o maior incentivo a operar fora do âmbito oficial.