Óscar Afonso,  ECO Magazine

O “orçamento de fim de festa” é o retrato distópico de um Governo dissonante que esgota a margem financeira sem criar margem futura através de reformas no Estado e na economia.

á uma semana, antecipei aqui um Orçamento do Estado de 2026 (OE2026) com pouca margem, o que se confirma e condicionará não só o exercício desse ano como também dos seguintes. Conhecidos os números da proposta, torna-se evidente que se esgotou a margem para distribuição de ‘benesses’ e a partir daqui qualquer espaço orçamental para apoiar famílias e empresas terá de ser conquistado com esforço, via reforma do Estado – da qual, para já, apenas se vê mais despesa no novo Ministério com esse nome, sem que sejam apresentadas quaisquer poupanças a curto e médio prazo.

A estratégia negocial e política do Governo para o OE2026 é simples: com um excedente orçamental previsto de apenas 0,1% do PIB, qualquer adição de despesa ou redução de receita promovida pela oposição no Parlamento, à revelia do Governo, levará facilmente a um défice orçamental a ela imputado.

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Na parte final desta crónica analiso ainda um tema importante suscitado na conferência de imprensa de apresentação do OE2026, em que, na parte de perguntas e respostas, o Ministro de Estado e das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, apresentou uma versão bem diferente da do Ministro da Presidência, António Leitão Amaro, sobre o que é um imigrante “qualificado” para o Governo – desta interpretação poderá resultar mais ou menos crescimento económico a médio prazo, como explicarei abaixo.

Se a interpretação de Miranda Sarmento é mais favorável ao crescimento económico, não segue a noção habitual do conceito, a meu ver, mas mais importante, parece ir contra o que estipulam as recentes regras do pacote de imigração da responsabilidade de Leitão Amaro, que está com essa pasta e, por isso, saberá melhor o que ele contém. Surge, por isso, a dúvida sobre se Sarmento e Amaro falam entre si e articulam posições, no que parece mais um caso de falta de comunicação dentro do Estado, agora entre ministros.

O Orçamento de ‘fim de festa’ e a sobrestimação do crescimento para as contas baterem certo

Procurando não maçar os eleitores com muitos números do relatório da proposta de OE2026, pois serão sempre uma minúscula parte de um documento necessariamente detalhado e extenso, centro-me nalguns que me parecem relevantes, ao evidenciarem o estreitamento da margem orçamental e a necessidade, a partir daqui, de medidas decisivas do Governo para promover o aumento da eficiência da despesa pública e do crescimento potencial da economia, algo que, infelizmente, não vislumbro.

Começo pela previsão de crescimento económico em 2026, que influencia as estimativas de receita para acomodar as de despesa. O valor de 2,3% projetado pelo Governo é bastante otimista, pois situa-se 0,3 pontos percentuais (p.p.) acima da média de projeções de outras instituições no parecer do Conselho de Finanças Públicas (CFP), que “endossa as previsões (…), com a reserva de uma possível sobrestimação” desse valor, tornando assim o excedente orçamental de 0,1% do PIB um ‘ato de fé’, como já afirmei noutro espaço de opinião.

Mesmo assim, os 2,3% de crescimento são uma clara revisão em baixa face aos 2,6% apontados no programa eleitoral da AD de 2025 e 2,7% no de 2024, denunciando a incapacidade deste Governo para reformar o país e elevar o potencial de crescimento como tinha sido prometido, pois também o crescimento esperado em 2025 fica bastante aquém (2,0% face a 2,4% no programa eleitoral de 2025 e 2,5% no de 2024).

A sobrestimação do crescimento previsto em 2026 é, assim, o primeiro indicador de falta de espaço orçamental, caso contrário não seria preciso recorrer a este expediente para manter um excedente orçamental, cuja dimensão ínfima pré-anuncia um tempo de ‘vacas magras’.

Com efeito, manda o princípio da prudência que a previsão de crescimento seja contida, funcionando como almofada para mitigar eventuais derrapagens orçamentais, caso a atividade económica evolua abaixo do previsto, para mais sendo vários os riscos das previsões, como aponta o CFP no seu parecer.

Os riscos comerciais agravaram-se na passada sexta-feira. Uma nova escalada de protecionismo entre a China – que anunciou controlos na exportação de terras raras – e os EUA, com Trump a adicionar uma tarifa de 100% às importações daquele país a partir de novembro, ameaça o comércio global, incluindo a União Europeia (UE) e Portugal. Por isso, os riscos para a otimista previsão de crescimento do Governo em 2026 são agora maiores – será preciso acompanhar a relação EUA-China com atenção, bem como a reação da UE, que arrisca uma invasão de produtos chineses não vendidos nos EUA.

Outro sinal bastante evidente do menor espaço orçamental é a menor magnitude financeira das medidas de política no OE2026 por comparação com o OE2025 (também da autoria de um Governo AD):

(i) Medidas com impacto na receita: 336 milhões de euros (M€) em 2026, após -973 M€ em 2025.

(ii) Medidas com impacto na despesa: 1 031 M€ em 2026, após 1 711 em 2025;

(i)+(ii) = Total de medidas (impacto no saldo): -695 M€ em 2026, após -2 684M€ em 2025.

A Tabela 1 mostra que, ao contrário de 2025, a receita sobe em 2026 com a reversão da isenção de ISP (Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos), aproveitando a recomendação da Comissão Europeia, e do SIFIDE indireto (benefício fiscal à I&D em sede de IRC via fundos de investimento), mas sobretudo com o impacto do aumento de salários na cobrança de IRS e de contribuições sociais, mais do que compensando a baixa do IRS e IRC. Perante a espera evolução do ISP, dos salários e da atualização dos escalões de IRS, as famílias saem inevitavelmente como as grandes perdedoras deste jogo fiscal. Além disso, a despesa sobe menos.

Tabela 1. Principais medidas de política orçamental com impacto em 2026

Fonte: Ministério das Finanças (Quadro 3.2 do relatório do OE2026, out-25).

Não se percebe que não apareça nessa tabela o aumento de 772 M€ da verba com Defesa no OE2026 (o que perfaz uma subida percentual inédita de 25%) para atingir o compromisso de 2% do PIB, sendo positiva a intenção de “promover” a economia da defesa, mas sem perceber bem como e qual o impacto.

Naturalmente, o sinal mais óbvio de compressão do espaço orçamental é a redução do saldo orçamental para 0,1% do PIB (figura 1), após um pico de 1,3% em 2023, um valor explicado, em larga medida, pelo efeito da inflação – que, entretanto, se esgotou (em 2026, o Governo prevê uma baixa da inflação para 2,1%) –, além dos efeitos do PRR e da retoma do turismo pós-pandemia, todos eles temporários.

Figura 1. Saldo orçamental (% do PIB)

Fonte: Comissão Europeia (AMECO, mai-25), anos 2010-2021; INE (2ª notificação de 2025 do Procedimento dos Défices Excessivos, PDE, set-25), anos 2022-2024; Governo (relatório OE2026, out-25), 2025-2026. Notas: P= previsão; ótica do PDE.

Precisamente porque o saldo é influenciado por efeitos cíclicos e medidas extraordinárias, é importante analisar ainda o saldo estrutural (neste caso, medido em rácio do PIB potencial), que os expurga.

A figura 2 mostra que, em maio, a Comissão Europeia estimava, com a informação da altura, que em 2026 o saldo estrutural de Portugal já estaria em terreno negativo, em -0,8% do PIB potencial, mas o Governo prevê no OE2026 um valor de 0,2%. O parecer do CFP não analisa o saldo estrutural, mas aponta para uma sobrestimação do PIB potencial (abaixo apresento mais informação a este respeito), que poderá justificar parte do desfasamento observado, do lado do denominador.

Esse desfasamento de números do saldo estrutural é tanto mais estranho quanto, do lado do numerador, a maioria das medidas com impacto orçamental decididas desde maio, seja no Parlamento (como a redução do IRC) seja no OE2026 (como o aumento do Complemento Solidário para Idosos), vão no sentido da deterioração do saldo orçamental, não da sua melhoria.

Impõe-se, por isso, uma explicação do Governo para um saldo estrutural que, tudo aponta, deveria ser negativo, não positivo. Gostaria ainda de compreender como é que o CFP, usando dados do Ministério das Finanças, calcula um crescimento do produto potencial de 2,1% em 2026, que é inferior ao valor oficial de 2,4% indicado pelo mesmo Ministério das Finanças no relatório do OE2026.

Igualmente surpreendente é o desfasamento nos números do hiato do produto (i.e., a diferença entre o PIB efetivo e o PIB potencial expressa em % do PIB potencial), que o CFP estima se alargue de 0,2% em 2025 para 0,4% em 2026 e o OE2026 espera se deteriore de -0,1% para -0,2%. Faço notar que o hiato do produto negativo em 2025 e 2026 apontado pelo Governo significa que já estamos em recessão ligeira neste ano, o que não faz sentido, e tal se prolongaria em 2026. Tal reforça as dúvidas quanto à previsão de aceleração do PIB real de 2,0% para 2,3% em 2026, segundo o CFP. Aguardo, por isso, uma justificação convincente do Governo para as várias inconsistências de números encontradas pelo CFP e uma eventual correção dos números.

Felizmente, desde 2011 contamos com uma entidade orçamental independente, o CFP, que permite desmontar exercidos de ‘contabilidade criativa’ nos orçamentos, como parece ser o caso do OE2026.

Figura 2. Saldo orçamental estrutural (% do PIB potencial)

Fonte: Comissão Europeia (base de dados AMECO, mai-25) e Governo (relatório OE2026, out-25). Notas: P=previsão; o saldo orçamental estrutural expurga o efeito do ciclo económico e de medidas extraordinárias.

Para encerrar esta secção, no OE2026 ficamos ainda a saber que a recomendação do Conselho Europeu para o indicador de despesa líquida financiada a nível nacional (taxa de crescimento) em 2026, de 5,1%, será ultrapassada pelo Governo (5,6%), mas será preciso mais informação para saber o grau de risco associado, pois são permitidos desvios ao longo de um período mais amplo.

De qualquer forma, este é mais um sinal de que o Governo já atingiu os limites do que pode distribuir sem reformas para comprimir a despesa do Estado e alargar ‘o bolo’ via elevação do crescimento potencial da economia – não basta escrevê-lo ‘no papel’ para que se torne realidade, com contas ‘pouco certas’, como se depreende do parecer do CFP, e sem medidas consonantes. A insuficiência de reformas é preocupante.

Não se encontram poupanças da Reforma do Estado, mas apenas mais despesa do novo Ministério

O exercício de revisão de despesa do OE2026 reduz apenas 237 M€ nesse ano, o equivalente a 0,2% da despesa corrente, sem qualquer menção a poupanças decorrentes do processo de reforma do Estado. Acresce que mais de metade desse valor é conseguido de forma relativamente ‘fácil’, com a reversão já referida do SIFIDE indireto (124 M€), mas será precisa uma revisão muito mais extensa do elevado montante de benefícios fiscais para conseguir aumentar a margem orçamental (nomeadamente para baixar mais as taxas de IRC e de IRS), só que tal irá requerer coragem para enfrentar os grupos de interesse.

Olhando para o orçamento do Programa orçamental do Ministério da Reforma do Estado, percebe-se o porquê da ausência de poupanças com esse processo, pois não existem objetivos ou indicadores nesse sentido entre os muitos que são apresentados. Todo o enfoque recai na melhoria da qualidade dos serviços públicos, por via da simplificação e da digitalização, exigindo a capacitação dos funcionários, a modernização de infraestruturas e sistemas TIC, a adoção de Inteligência Artificial e a promoção de competências digitais, além da necessária revisão de licenciamentos e legislação, bem como da orgânica do Estado – nesse âmbito, nem o indicador de eliminação de estruturas redundantes ou obsoletas está orientado para poupanças.

Mesmo que o processo de reforma orçamental encetado, centrado na desburocratização, seja muito importante para a melhoria e simplificação dos serviços públicos, beneficiando a vida de cidadãos e empresas, bem como a economia, parece claro que da digitalização prevista não se esperam poupanças significativas, sendo assim uma oportunidade perdida a esse nível.

O gasto de 140 M€ do ministério em 2026 não é significativo no conjunto da despesa do Estado, até porque a maior parte (93 M€) é financiado pela UE, o problema é que não abre qualquer margem orçamental no futuro. Tal é preocupante pois, conforme evidenciado na secção anterior, já não parece haver margem para baixar a carga fiscal de forma mais significativa e sustentada, nem para elevar a componente nacional de investimento público sequer para compensar a baixa dos fundos da UE.

Reitero que a reforma do Estado deveria permitir uma redução de funcionários via digitalização e melhor gestão, com um rácio de entradas por cada saída significativamente abaixo de 1, que evita despedimentos. É urgente definir esse objetivo e conhecer a informação associada, decorrente de um processo de reforma efetivo – relação entre o fluxo esperado de trabalhadores a contratar no futuro, necessariamente menor se o processo de reforma for bem-sucedido, e os que se irão reformar nos próximos anos –, não bastando a abordagem atual de desburocratização, que parece desaproveitar o potencial de poupança dos dois vetores transformadores referidos.

O país precisa ainda, nomeadamente, de uma reforma administrativa territorial e de repensar as funções do Estado, como tenho apontado, o que, infelizmente, não está nos planos do Governo.

O desencontro de visões dentro do Governo sobre o perfil de imigração que o país precisa

Para mim, a principal novidade que emerge do contexto do OE2026 é a visão do Ministro Miranda Sarmento, na conferência de imprensa de apresentação dos números do orçamento, sobre um perfil de imigração diverso que responda às efetivas necessidades da economia, como tenho defendido nas minhas crónicas, bem diferente do que a restrição dos vistos de trabalho a trabalhadores “altamente qualificados”, confirmada no Parlamento, aponta.

Vejamos as declarações exatas do Ministro quando um dos jornalistas presentes o interpelou sobre os alertas das agências de rating quanto a um possível impacto negativo no crescimento económico de algumas medidas restritivas no pacote de imigração.

(i) Ministro de Estado e das Finanças, 9-out de 2025

Após apontar a correção necessária do descontrolo da imigração, gerado pelo regime de Manifestação de Interesse e pelo fim do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras),decididos pelos governos do PS, Miranda Sarmento afirmou que “precisamos de mão-de-obra para todos os setores de atividade, toda ela qualificada, o que não significa necessariamente um grau académico de licenciatura ou superior. Um bom eletricista, um bom mecânico ou um bom carpinteiro tem qualificações importantes para áreas onde precisamos muito de mão-de-obra. Temos de ter este equilíbrio entre as necessidades de mão-de-obra que a economia portuguesa tem e o emprego, que continua a crescer (quase 3% no 1º semestre deste ano), assim como os salários (quase 7% até julho, em termos homólogos), num mercado de trabalho a responder, assim, de forma muito positiva. Precisamos de pessoas e de equilibrar, garantindo que aqueles que vêm para trabalhar e melhorar a sua vida (99,9% dos casos) tenham as condições para nos ajudar a fazer um país melhor.

Embora acompanhe a visão do ministro de uma imigração regulada pelas necessidades da economia e com capacidade de acolher e integrar, não posso deixar de corrigir a sua interpretação de trabalho “qualificado” em geral e no âmbito do pacote de imigração.

A Classificação Internacional Normalizada da Educação, conhecida pela sigla inglesa ISCED (International Standard Classification of Education), faz uma correspondência entre profissões e nível de educação, considerando três níveis de qualificação profissional:

  • Baixa qualificação (ISCED 0-2, entre o ensino pré-primário e o ensino secundário inferior);
  • Média qualificação (ISCED 3-4, entre o ensino secundário superior e o pós-secundário não superior); e
  • Alta qualificação (ISCED 5-8, correspondendo aos vários ciclos de ensino superior).

As profissões referidas por Miranda Sarmento correspondem a qualificações médias (ISCED 3-4, no caso do eletricista e do mecânico) ou médias-baixas (ISCED 2-3, no caso do carpinteiro).

Assim, embora Miranda Sarmento esteja literalmente certo ao dizer que essas profissões são “qualificadas”, pois há conhecimento específico associado, geralmente subentenda-se que a expressão ‘mão-de-obra qualificada’ corresponde a altas qualificações (ou pelo menos, médias-altas).

Mais importante, o contexto da questão aponta, sobretudo, para a restrição dos vistos de trabalho a trabalhadores “altamente qualificados”, sendo esta a principal via de entrada de imigrantes no novo enquadramento – o mecanismo de “via verde da imigração”, que prevê contrato de trabalho prévio sem restrições de qualificação dos trabalhadores, que eu saiba, parece ter pouca execução, segundo os números que têm vindo a público, pelo que não estará acessível à generalidade das empresas nacionais.

Por isso mesmo, para não haver confusão de conceitos, tenho afirmado que a economia precisa de trabalhadores especializados – com experiência e formação nas respetivas profissões, exigindo mais ou menos habilitações académicas – nos vários setores, em função de metas a definir em articulação com as entidades representativas das empresas, que melhor conhecem as suas necessidades, e à luz dos dados.

Considero, assim, errada a restrição dos vistos de trabalho a trabalhadores altamente qualificados, bem como tornar as regras de naturalização das mais apertadas da UE, medidas que já despertaram a atenção das agências de rating, podendo vir a penalizar o crescimento e a notação da dívida soberana no futuro.

A sensação que dá é que o ministro das Finanças ainda não se apercebeu bem das implicações do pacote de imigração, ou então não fala com o seu colega Leitão Amaro, que tem essa pasta, ou simplesmente não esteve atento às suas declarações (que apresento abaixo). Parece que estamos perante um novo exemplo de problemas de comunicação dentro do Estado, agora entre Ministros, mas que é um sintoma do que sucede nos serviços públicos, como o polémico desfasamento dos números oficiais da população estrangeira residente do INE e da AIMA (Agência para a Integração, Migrações e Asilo), que já abordei.

(ii) Ministro da Presidência (com a pasta da imigração), 23-jun de 2025

Vejamos agora declarações contrastantes do ministro Leitão Amaro pouco antes do pacote de imigração ter sido inicialmente enviado ao Parlamento, na sequência do Conselho de Ministros de 23-jun, cujo comunicado já destacava a referida medida dos vistos, ao assinalar a aprovação de “uma Proposta de Lei que altera a Lei de Estrangeiros, para regular e limitar os fluxos migratórios, designadamente restringindo o visto para procura de trabalho a atividades altamente qualificadas (…).”

Interpelado pelos jornalistas sobre a restrição destes vistos a trabalhadores “altamente qualificados”, Leitão Amaro afirmou que “a economia tem de se habituar ao ajustamento e à sua transformação para trabalho mais qualificado e mais bem pago (…). As empresas vão ter de se ajustar. Se não se quiserem ajustar, não existe provavelmente a necessidade deste trabalho identificado ou então pretendem insistir em práticas que nós entendemos que não são adequadas no país”, declarou o Ministro. Segundo Leitão Amaro, há medidas adicionais para a economia que, na sua visão, vão permitir a subida dos salários e tornar Portugal um país atrativo para também os altamente qualificados: “temos tido várias: a redução de impostos é uma das boas maneiras de deixar mais dinheiro no bolso das pessoas”.

Ou seja, a ideia do ministro parece ser a de que, sem acesso a imigrantes pouco qualificados, as empresas vão ter, à força, de investir em máquinas para os substituir, geridas por trabalhadores muito qualificados. Reitero que, como qualquer economista sabe, esta abordagem é absolutamente errada, por estar desfasada do perfil de especialização atual da economia portuguesa, que deve progredir, mas tal acontece de forma gradual, com reformas estruturais que demoram algum tempo a ter efeito e que estão, a meu ver, perigosamente aquém do necessário e do que foi prometido – incluindo ao nível dos impostos, mencionados por Amaro, pois a redução do IRC é menor do que a apalavrada e falta eliminar a derrama estadual, que trava a atração de investimento estruturante –, como tenho vindo a denunciar.

Serão sempre precisos imigrantes, mais e menos qualificados. Como já apontei numa crónica anterior, veja-se o caso do Japão, o país com maior uso de tecnologia e robótica a nível mundial, mas que não chega para contrariar os efeitos do envelhecimento da população na economia, precisando de mais imigração, que tem limitado por razões culturais – segundo um think tank estatal japonês, em 2040 o país precisará de mais um milhão de estrangeiros se o Governo quiser atingir as metas de crescimento.

Conclusão

O OE2026 confirma o fim de um ciclo de distribuição de ‘benesses’ pelo esgotamento de margem orçamental ‘fácil’, levando o Governo a apresentar projeções de crescimento otimistas para manter a promessa de um excedente simbólico, que depende da fé nessas previsões e de a oposição não aprovar novas medidas penalizadoras do saldo no Parlamento, o que seria usado pelo Governo como estratégia de ‘passa-culpas’ de um regresso a défices.

Mais importante, a reforma do Estado parece cada vez mais uma oportunidade perdida para gerar espaço orçamental a curto e médio prazo, o que, a par com a insuficiência de reformas para elevar o crescimento económico potencial, indicia um ‘tempo de vacas magras’ à medida que se vai esgotando o impulso temporário associado ao PRR e ao boom turístico pós-pandemia.

Pelo contrário, a política de imigração foi longe demais e as agências de rating já apontam riscos para o crescimento económico de algumas medidas demasiado restritivas, com realce para a limitação dos vistos de trabalho a mão-de-obra “altamente qualificada” promovida pelo Ministro da Presidência, detentor da pasta de imigração. O Ministro das Finanças parece estar ‘noutra página’ e defende uma imigração com diferentes qualificações, revelando uma inquietante dissonância entre Ministros que se deviam articular.

Sarmento, economista, considera necessários, por exemplo, imigrantes carpinteiros, mecânicos e eletricistas, que Amaro, jurista, parece rejeitar, insistindo que só são precisos os muito qualificados na sua visão de uma economia ideal, descolada da realidade, que quer criar à força da lei.

O “orçamento de fim de festa” é, assim, o retrato distópico de um Governo dissonante que esgota a margem financeira sem criar margem futura através de reformas decisivas no Estado e na economia. Passados poucos dias da apresentação dos números pelo Ministro das Finanças, a narrativa orçamental não convence os observadores externos: a agência de notação Fitch, por exemplo, antecipa para 2026 um défice de 0,7% do PIB, em vez do excedente de 0,1% projetado pelo Governo.