António João Maia, Visão on line,

Foi recentemente tornado público o relatório preliminar da Comissão Parlamentar de Inquérito à Contratualização, Renegociação e Gestão de Todas as Parceiras Público-Privadas do Sector Rodoviário e Ferroviário em Portugal. (1)

Pela sua natureza, sobretudo pelo objecto tratado por esta Comissão Parlamentar, o documento tem suscitado os mais díspares comentários públicos e opiniões políticas, na sua grande maioria com nuances argumentativas mais ou menos associadas às cores partidárias que se pretendem defender, mas invariavelmente todas a deixar a opinião pública e os cidadãos muito pouco esclarecidos acerca do que verdadeira e objectivamente possa estar em causa. Importaria, por exemplo, que aos cidadãos fosse disponibilizada informação mais precisa do que sejam os contratos de Parceria Público-Privada (PPP); da forma como esses contratos foram sendo desenhados em associação com os programas e com os projectos dos sucessivos governos ao longo dos últimos anos; da importância e relevância estratégica desses projectos para o futuro do país e das pessoas; dos custos directos e indirectos e da forma de os suportar; do maior ou menor grau de transparência na elaboração e execução de tais contratos; isto sem referir naturalmente questões de natureza mais técnica, cujo conhecimento, pelo menos nos seus principais contornos, seria também interessante.

Porém a dispersão argumentativa que tem sido invocada não consegue escapar a um elemento de fundo de grande importância - provavelmente o mais importante de todos! - relativamente ao qual parece não existirem grandes argumentos de fuga. Trata-se, como todos bem sabemos e temos vindo a sentir nas nossas bolsas, das questões associadas aos custos que o Estado tem de suportar por força dos contratos celebrados.

Apesar de ter ainda um carácter preliminar, o relatório em causa contém todavia alguns elementos objectivos que importa reter. Aliás, a grande maioria destes elementos não se podem dizer verdadeiramente novos, uma vez que constam já de outros documentos anteriores, como sejam a nota informativa de 20 de Setembro de 2012 do Banco Europeu de Investimento, relativa às tendências recentes dos financiamentos das PPP no contexto dos países europeus (2) o livro dos Professores Carlos Oliveira Cruz e Rui Cunha Marques, O Estado e as Parcerias Público-Privadas, editado em 2012 pela editora Sílabo, ou o Relatório Anual 2012 de acompanhamento das Parcerias Público Privadas, da Direção-Geral do Tesouro e Finanças (3).

Os elementos objectivos que importa reter nesta breve reflexão são essencialmente os seguintes:

-    A opção pelo modelo de contrato em Parceria Público-Privada como forma de financiamento de infraestruturas de interesse público, não é a opção predominante na grande maioria dos países da União Europeia;

-    Todavia, existe um conjunto de países (Portugal, Reino Unido, Espanha e Grécia) onde a utilização deste modelo de financiamento de infraestruturas de interesse público foi mais recorrente. No seu conjunto, o valor total dos contratos de PPP´s destes 4 países representa aproximadamente 90% do valor global deste tipo de contratos em todos os países da Europa;

-    A grande maioria dos contratos PPP celebrados por Portugal relaciona-se com a edificação de infraestruturas rodoviária e ferroviária;

-    O valor dos encargos líquidos dos contratos PPP celebrados por Portugal apresentou um crescimento muito forte entre os anos de 2008 a 2011. Em 2008 esse valor foi de 475 milhões de Euros, em 2009 de 909 milhões, em 2010 de 1126 milhões e em 2011 de 1823 milhões. Estima-se que em 2017 esse valor possa vir a ultrapassar os 2000 milhões de Euros. Correspondentemente, em 2008 os encargos com as PPP representaram cerca de 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) e em 2011 representavam já 1,1% (embora esta comparação evolutiva possa ser um pouco falaciosa uma vez que, como se sabe, o valor do PIB apresenta variações de ano para ano e relaciona-se muito com a melhor ou pior pujança da economia de um país).

Este conjunto de elementos deixa evidenciar, pelo menos, que aqueles que geriram os destinos políticos em Portugal optaram por este modelo de financiamento para edificação de infraestruturas de interesse público, porque - de outra forma não seria racional a opção por esta via - o Estado não era possuidor no imediato das verbas necessárias para suportar os custos correspondentes.

Assim e em parceria - e esta é sucintamente a lógica do contrato de Parceria Público-Privado - foi contratualizado com grupos privados a edificação de diversos projectos que foram considerados estratégicos para o desenvolvimento do país - e esta questão dos projectos estratégicos é por si só uma das questões fundamentais que, pelo menos em relação a alguns projectos, carece de melhor explicação. Por seu turno, os privados edificaram e assumiram os custos das obras correspondentes a tais projectos, enquanto o Estado se comprometeu a pagar uma espécie de renda pela utilização de tais infraestruturas, durante o período de tempo estabelecido no próprio contrato, mas que compreende sempre vários anos.

Entretanto, como todos vamos tendo oportunidade de verificar, o país (e o próprio continente europeu), mergulhou numa profunda crise económica, tendo tido necessidade de recorrer ao apoio externo concedido pela Troika para fazer face a uma gestão mais adequada do valor do défice e da dívida pública. Sabemos, porque todos os dias isso é referido na comunicação social, que uma das parcelas dessa dívida resulta precisamente destes contratos de PPP, sobretudo do peso das rendas que lhes estão associadas.

Parece-nos que depois de tanto argumento já esgrimido em torno desta questão, que urge clarificar as questões enunciadas anteriormente de modo a que de uma forma mais clara os portugueses tenham a noção da verdadeira razão de ser (pelo menos de uma parte) do esforço que lhes vai sendo pedido.

Esta clarificação seria igualmente importante e necessária como forma de evitar a tentação de cairmos num discurso, e depois numa ideia, que tenda injustamente a caracterizar tudo e todos de igual forma, com um rótulo de desconfiança generalizado sobre as reais intenções das pessoas (políticos, governantes, funcionários e representantes das entidades privadas) que estiveram associadas a estes contratos e à sua execução.

Julgo que, para bem de todos e para salvaguarda do bom-nome a que todos temos direito, também este processo de discussão pública das PPP e dos custos que lhes estão associados carece de mais e melhor transparência...

NOTAS:

(1) Este documento pode ser consultado através de http://downloadsexpresso.aeiou.pt/expressoonline/Word/RelatorioPPP.doc .

(2) Documento acessível em http://www.eib.org/attachments/efs/econ_note_2012_ppp_and_financing_in_europe_en.pdf .

(3) O documento encontra-se disponível através de http://www.dgtf.pt/ResourcesUser/PPP/Documentos/Relatorios/2012/Relatorio_Anual_PPP_2012.pdf