Óscar Afonso, Jornal i,
Há que adoptar uma abordagem de vida equilibrada, entre indivíduos e sociedade. Como indivíduos, somos felizes quando nos é permitido satisfazer necessidades básicas
Embora o mundo disponha de uma riqueza total sem precedentes, vivemos num tempo de grande ansiedade, de ampla insegurança, de muita agitação, de insatisfação, de pessimismo, de desigualdade e, claro, de significativa corrupção. Somos reféns da "cultura do consumismo", temos crise de alimentação, crise de energia, crise climática e crise financeira. A raiz de tudo isso só pode naturalmente ser o sistema económico de acumulação do supérfluo, de criação de necessidades desnecessárias, de ganância ilimitada e de máximo lucro. Na verdade e em linha com Shakespeare, podemos afirmar que essa riqueza foi capaz de transformar o negro em branco e a corrupção em virtude, de honrar o ladrão, e de dar importância e influência ao corrupto. Assim se compreende que, apesar da riqueza existente, na maioria dos países ditos desenvolvidos os seus habitantes não parecem acreditar que se vá "no caminho certo".
Neste contexto, será que não chegou a hora de reconsiderar os objectivos económicos? Dito de outro modo, em lugar da maximização do lucro e da utilidade (baseada no consumo) que nos tem conduzido ao cenário descrito, não haverá antes que maximizar a felicidade, a satisfação na vida e o estar bem? É certo que o progresso económico é crucial e pode melhorar a qualidade de vida, mas não será de experimentar uma abordagem alternativa e holística de desenvolvimento, que enfatiza o crescimento da economia, mas também a vida humana, o emprego, a cultura, a saúde mental, a verdade, a honestidade, a competência, a verdadeira liberdade e a comunidade?
Se acreditamos que sim, como alcançar então a felicidade no mundo actual? Acredito que passa por colocar o observado progresso económico ao serviço de todos, evitando o sofrimento de alguns e, em particular, a fome, a pobreza, a degradação ambiental e outras necessidades básicas, como água potável, atendimento médico e educação, e empregos dignos. No fundo, há que adoptar uma abordagem de vida equilibrada, entre indivíduos e sociedade. Como indivíduos, somos felizes quando nos é permitido satisfazer as necessidades básicas materiais e valorizar a família, os amigos, a comunidade e o equilíbrio interno. Como sociedade, as políticas económicas devem ser capazes de manter padrões de vida em alta, sem subordinar todos os valores da sociedade à busca do lucro.
Será isso uma utopia? Provavelmente sim. Mas acredito que tudo passa por governos compostos por indivíduos competentes e honestos, que colocam o bem comum acima do interesse particular, que previligiam a felicidade de todos à acumulação particular. Conseguir esse país imaginário em que tudo estaria organizado de uma forma superior parece ser de facto uma missão impossível, mas não pode ser.
A propósito de Portugal, interrogo-me como é possível que, havendo portugueses tão qualificados e incomparáveis em todas as áreas a nível mundial, seja a nobre actividade política dominada pela mentira, o interesse próprio, a incompetência, e por duvidosos e desonestos doutores e engenheiros. Como é possível a "má moeda" expulse sempre a "boa moeda" e que, como há dias ouvi de um conterrâneo meu, reine a lógica "para os amigos tudo, para os inimigos nada e para os outros cumpra-se a lei."?