Óscar Afonso,  ECO Magazine

Na imigração, Portugal não pode ceder nem ao fechamento egoísta, nem à permissividade desordenada.

Neste artigo falo de uma ‘Economia da Misericórdia’ não como conceito técnico, mas como uma forma de designar uma economia inspirada pela Doutrina Social da Igreja, que une justiça e caridade, acolhimento e prudência, dignidade e solidariedade, aspetos que desenvolverei abaixo em torno do tema da imigração.

A imigração tornou-se um dos debates mais intensos do nosso tempo. Em Portugal e na Europa, a questão divide opiniões entre quem privilegia o controlo e quem reconhece a necessidade de mão-de-obra estrangeira para sustentar a economia, mas as duas vertentes são conciliáveis conforme já mostrei em crónicas anteriores.

Como economista, vejo que Portugal precisa de uma política migratória regulada, que tenha em conta as necessidades da economia — com ‘portas abertas’, mas não ‘escancaradas’. E como católico, sei que só assim se pode acolher com dignidade quem entra no país, em linha com a Doutrina da Igreja e com as palavras recentes da Conferência Episcopal Portuguesa, que lembrou não se poder considerar verdadeiramente católico quem alimenta discursos xenófobos ou rejeita o migrante.

A Doutrina da Igreja e os migrantes

Desde a Encíclica Rerum Novarum, promulgada em 1891 pelo Papa Leão XIII, até encíclicas mais recentes como Caritas in Veritate (Papa Bento XVI, 2009), Evangelii Gaudium, Laudato Si’ e Fratelli Tutti (Papa Francisco, 2013, 2015 e 2020, respetivamente), a Igreja Católica tem defendido que a economia deve estar ao serviço da dignidade humana. Os migrantes são parte integrante desse horizonte.

Não se trata apenas de fluxos estatísticos, mas de pessoas concretas, famílias, vidas que procuram dignidade e futuro. Por trás de cada chegada há sempre uma história de coragem e de perda: quem abandona a sua terra fá-lo, em geral, porque busca melhores condições de vida ou porque foge da guerra, da perseguição política ou religiosa, da anarquia ou da simples ausência de perspetivas de futuro. Cada migrante carrega consigo não apenas uma mala, mas também a esperança de reconstruir a vida em paz.

O mandamento evangélico de acolher o estrangeiro é claro: “era estrangeiro e acolhestes-me” (Evangelho segundo São Mateus, capítulo 25, versículo 35), pelo que este preceito está impregnado na Doutrina Católica.

Como lembrou insistentemente o Papa Francisco, a imigração não pode ser reduzida a uma abstração ou a uma questão administrativa: cada migrante tem rosto, nome e história. É essa “cultura do encontro”, tantas vezes defendida pelo Papa, que deve orientar a nossa política migratória. A verdadeira integração nasce do reconhecimento da dignidade concreta de cada pessoa, mas um acolhimento digno também requer condições de acolhimento pelo país de destino.

Nesse sentido, a Doutrina Social da Igreja Católica sempre conciliou dois princípios: o acolhimento e a prudência. Por um lado, a dignidade do migrante é inviolável; por outro, os países têm o direito de gerir as suas fronteiras e avaliar a sua capacidade de integração. A caridade, como lembrou o Papa Bento XVI, não é um sentimentalismo sem critérios, exige racionalidade e justiça.

O novo Papa Leão XIV e a Economia da Misericórdia

O novo Papa Leão XIV, na sua primeira homilia, no dia 18 de maio de 2025, deixou clara a orientação do seu pontificado: rejeitar o “ódio” e o “preconceito”, e condenar um modelo económico que marginaliza os pobres e esgota os recursos da Terra. Numa linha de continuidade com a “Economia de Francisco”, Leão XIV fala de uma economia humanista, que constrói pontes e não muros, que integra em vez de excluir. Muitos interpretam essa orientação como uma verdadeira ‘Economia da Misericórdia’.

Ao mesmo tempo, Leão XIV não ignora os desafios da integração. Reconhece que os Estados têm o direito e o dever de gerir os fluxos migratórios, mas insiste que isso deve ser feito com humanidade. Não se trata de abrir fronteiras sem critério, mas de garantir que ninguém é reduzido à condição de descartável.

Ambos convergem na mesma mensagem: o migrante não é um problema a rejeitar, mas um irmão a acolher com justiça e prudência. Esta visão partilhada mostra que a Doutrina da Igreja não oscila ao sabor das circunstâncias, mas permanece firme na defesa da dignidade humana. Há aqui uma linha de continuidade clara com o pontificado anterior.

A Igreja em Portugal e a advertência recente da Conferência Episcopal

Recentemente, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) deixou uma advertência moral que reforça este sentido cristão de acolhimento: não se pode considerar verdadeiramente católico quem alimenta discursos de xenofobia ou rejeição do migrante. Este é um alerta importante para que os portugueses, maioritariamente católicos, não se deixem levar por esse tipo de discursos no atual contexto, indo de encontro à Doutrina Social da Igreja e às palavras do novo Papa Leão XIV, ao condenar o preconceito e o ódio como contrários ao Evangelho. Esta chamada de atenção da Igreja nacional sublinha que a fé não se coaduna com atitudes que neguem dignidade humana ou criem muros de exclusão.

Não se trata de um desafio apenas político, mas também cultural e humano: a forma como acolhemos o migrante diz muito sobre quem somos enquanto sociedade, até porque Portugal tem uma longa tradição de emigração — infelizmente uma inevitabilidade, na grande maioria das saídas, devido ao baixo nível de vida em Portugal e a uma economia pouco desenvolvida e que gera poucas oportunidades, em resultado de décadas seguidas de políticas públicas de reduzida qualidade.

A indiferença desumaniza, o acolhimento enriquece. Ao abrir a porta a quem chega, não estamos a perder identidade — estamos a fortalecê-la com novas histórias, novas mãos e novos sonhos.

A Economia e a Imigração em Portugal: o equilíbrio necessário

Nos últimos anos, o debate sobre a imigração em Portugal oscilou entre a necessidade económica e, mais recentemente, o imperativo do controlo. Como é conhecido, o país enfrenta uma escassez de mão-de-obra em setores-chave, nomeadamente na construção, agricultura e turismo. A imigração é uma resposta inevitável ao fatídico envelhecimento populacional e à falta de trabalhadores associada. Sem imigrantes, a economia portuguesa corre o risco de perder competitividade e dinamismo, e até de colapsar.

Em crónicas recentes que publiquei neste espaço de opinião (“Portugal tem de ser mais competitivo e regular imigração” e “Imigração: entre o imperativo do controlo e a economia”), defendi, com base em trabalhos do gabinete de estudos da Faculdade de Economia do Porto (FEP), uma imigração regulada em função das necessidades da economia, cujo perfil de especialização deve evoluir para maior intensidade em conhecimento e tecnologia, através de reformas estruturais (como as que tenho vindo a propor).

Porém, até hoje — e infelizmente poderá passar ainda muito mais tempo — não se registou qualquer reforma digna desse qualificativo. E é precisamente essa ausência que vai corroendo a esperança coletiva: frustra os nacionais que anseiam por um país mais competitivo e justo, e impõe uma dupla penalização aos imigrantes — por um lado, dificulta a sua integração num projeto de futuro que tarda em materializar-se; por outro, impede que a economia ganhe a escala necessária para absorver a mão-de-obra de que tanto carece.

Uma política de ‘portas escancaradas’, sem planeamento e sem ligação às necessidades da economia, como tivemos desde 2017 em resultado do regime de manifestação de interesse (RMI), não só pressiona os serviços públicos — saúde, habitação, educação — como gera alarme social e mina a própria integração dos imigrantes, pois ficam mais expostos às redes de imigração e exploração ilegais, alojamento precário e dificuldades de integração social.

Uma política de ‘portas escancaradas’, sem planeamento e sem ligação às necessidades da economia, como tivemos desde 2017 em resultado do regime de manifestação de interesse (RMI), não só pressiona os serviços públicos — saúde, habitação, educação — como gera alarme social e mina a própria integração dos imigrantes, pois ficam mais expostos às redes de imigração e exploração ilegais, alojamento precário e dificuldades de integração social. Estes efeitos negativos comprometem tanto a dignidade dos migrantes quanto a harmonia social, contrariando os princípios que a Igreja Católica sustenta como centrais.

A entrada massiva de imigrantes, ainda não totalmente refletida nas estatísticas do INE e do Eurostat, significa ainda que o nosso nível de vida está sobrestimado nos dados oficiais, como alertei recentemente, e que muito provavelmente uma boa parte dos que entraram estará inserido na economia paralela, impedindo uma integração adequada e reduzindo o impacto na economia e nas receitas públicas.

Quanto ao que já foi feito, entretanto, em matéria de regulação, se foi positivo o anterior governo AD terminar o regime de manifestação de interesse (RMI) — que levou a uma entrada acentuada de estrangeiros em poucos anos — e criar a Via Verde da imigração, pela exigência de contrato de trabalho prévio, é preciso confirmar se este mecanismo dá uma resposta capaz às necessidades da economia.

No que se refere ao Pacote de Imigração (Lei de Estrangeiros e Lei da Nacionalidade) promovido pelo atual governo AD com apoio do Chega (após o entendimento alcançado), se a maioria das alterações parece justificável, há vários aspetos que foram longe demais, alguns dos quais considerados mesmo inconstitucionais, pelo que se espera um ajustamento por parte do governo.

Na Lei de Estrangeiros, faz sentido, por exemplo, a criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF), a nova unidade especializada da Polícia de Segurança Pública (PSP), suprindo uma lacuna deixada após a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), pois só parte das suas atribuições passou para Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA).

A nível económico, a alteração mais estranha nesse diploma, a meu ver, é a limitação de vistos de trabalho a trabalhadores altamente qualificados, o que não se coaduna com as necessidades da economia atual — não com a economia real que temos, mas apenas com a que alguns governantes gostariam que já existisse, sem, contudo, terem feito nada de substancial para a tornar possível.

É uma ilusão pensar que, num ‘passe de mágica’, as empresas vão substituir rapidamente mão-de-obra não qualificada, que deixariam de obter por via da imigração, por maquinaria, como, entretanto, ouvi de alguns governantes com responsabilidades na matéria, mas prefiro a expressão inglesa wishful thinking – mesmo as autoridades do Japão, país com maior uso de tecnologia e robótica a nível mundial, admitem que tal não chega para contrariar os efeitos do envelhecimento da população na economia, precisando de mais imigração, que têm limitado por razões culturais.

Do meu ponto de vista, o foco dos vistos de trabalho deve ser antes os trabalhadores especializados – com experiência e formação nas respetivas profissões, exigindo mais ou menos habilitações académicas – considerados necessários nos vários setores de atividade, em articulação com as confederações patronais.

Em matéria de controlo da imigração e uma regulação alinhada com as necessidades da economia e a integração humana e cristã dos imigrantes, há medidas positivas em curso, outras que foram consideradas inconstitucionais e terão de ser corrigidas, mas persistem erros económicos graves, verdadeiros erros de conceção e de execução, que ainda podem ser revertidos — designadamente na política de vistos de trabalho e de naturalização.

Quanto às inconstitucionalidades da Lei de Estrangeiros proposta pelo governo, destaco a rejeição de algumas normas que poderiam conduzir à “desagregação da família nuclear do cidadão estrangeiro” ou colocar em causa a “proteção constitucionalmente devida à família”. Tal não só prejudicaria a integração dos imigrantes, mas seria, a meu ver, pouco humano e contrário à Doutrina Cristã, tendo em conta o já exposto. Contudo, como essas normas foram consideradas inconstitucionais, o problema já não se coloca, uma vez que o governo terá de corrigir o diploma em consonância.

No que se refere à Lei de Nacionalidade – que, à data em que escrevo estas linhas, ainda estava a ser debatida na Comissão de Assuntos Constitucionais do Parlamento, para minorar riscos de inconstitucionalidade e favorecer a aprovação quando for submetida à votação –, não percebo que as mexidas visem tornar o regime de naturalização português um dos mais restritivos da União Europeia (UE), conflituando com o objetivo de captar trabalhadores altamente qualificados do próprio governo.

De um modo mais geral, a economia continuará a precisar um fluxo regular de imigrantes – embora abaixo do ritmo elevado e descontrolado dos últimos anos – e tal poderá ser colocado em causa com uma naturalização demasiado restritiva, pelo que seria avisado adotar mexidas mais graduais nesse sentido.

Em suma, em matéria de controlo da imigração e uma regulação alinhada com as necessidades da economia e a integração humana e cristã dos imigrantes, há medidas positivas em curso, outras que foram consideradas inconstitucionais e terão de ser corrigidas, mas persistem erros económicos graves, verdadeiros erros de conceção e de execução, que ainda podem ser revertidos — designadamente na política de vistos de trabalho e de naturalização.

Alguns receiam que uma política mais regulada signifique fechamento. Não é esse o caso se as medidas forem equilibradas: regular não é rejeitar, é organizar para acolher melhor. Se não houver regulação, o resultado é precisamente o contrário do que a Igreja propõe: exclusão, precariedade e marginalização.

Outros receiam o impacto económico ou cultural, mas a resposta passa pela regulação das entradas em função das necessidades reais da economia e por uma integração inteligente, assente em políticas públicas bem concebidas e sustentadas pelo acréscimo de receita fiscal e contributiva que os imigrantes proporcionam.

Conclusão

A “Economia da Misericórdia” não significa ingenuidade nem permissividade. Significa conjugar acolhimento com justiça, integração com dignidade, prosperidade com solidariedade. Rejeita tanto o fechamento egoísta como a exploração desumana.

O Papa Leão XIV desafia-nos a ver na imigração não um problema a temer, mas uma oportunidade para praticar a fraternidade e construir um futuro comum. Ou seja, além de fluxos migratórios e equilíbrios económicos, estamos a falar de pessoas concretas que ‘batem à nossa porta’. A questão essencial é se queremos ser uma sociedade que ergue muros de medo ou uma comunidade que estende a mão com justiça e solidariedade, com a prudência necessária.

As posições que tenho defendido, no ECO, caminham nesse mesmo sentido: Uma política migratória ao serviço da dignidade humana, mas também da sustentabilidade económica e social.

Como economista e católico, acredito que manter ‘portas abertas’, mas não ‘escancaradas’, é a forma de acolher com dignidade, garantir integração e respeitar a justiça. É esta mesma lógica que sustenta a posição que tenho defendido: uma política migratória regulada, capaz de responder às necessidades da economia, mas sempre ancorada na dignidade e no respeito por quem chega.

Portugal não pode ceder nem ao fechamento egoísta, nem à permissividade desordenada. Tal como recordam os últimos dois Papas (Francisco e Leão XIV), acolher com justiça e prudência é a única via que garante coesão social e fidelidade ao Evangelho. Só assim estaremos a ser fiéis ao Evangelho e à voz da Igreja — nacional e universal — que nos recorda que não há lugar para a xenofobia no coração cristão.