José António Moreira, OBEGEF

Há organizações “viciadas” na utilização de estagiários como mão-de-obra barata, substituída ciclicamente, no final do contrato. Outras não dispõem de recursos humanos capazes de orientar os jovens, que acabam por ser deixados à sua sorte.

Por mais que os docentes se esforcem por trazer para a sala de aula o mundo das organizações — através do estudo de casos ou de aplicações práticas baseadas em situações reais —, a verdade é que essa aproximação raramente produz os resultados desejados. Basta pensar na diversidade intrínseca das organizações (empresariais ou outras) e na heterogeneidade dos seus circuitos documentais e processos para se compreender que, no final da formação académica, muitos recém-formados se sentem perdidos ao entrar no mundo profissional.

É neste contexto que os estágios profissionais fazem sentido: um tempo de transição, em que os jovens, orientados por monitores devidamente preparados, constroem a ponte entre o conhecimento académico e a sua aplicação prática. É também neste enquadramento que se justifica o investimento público, nomeadamente através do IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional, que comparticipa os custos suportados pelas organizações que acolhem estagiários.

Contudo, a realidade está longe de ser ideal. Veja-se um caso concreto.

A C. é uma jovem com mestrado em Gestão, formada numa universidade de prestígio. Concorreu a um estágio profissional numa empresa e foi aceite. Os seis meses que se seguiram podem resumir-se em poucas palavras. No início, foi-lhe pedido pelo diretor que desenvolvesse uma aplicação informática para apoiar o controlo de encomendas. No entanto, não havia ninguém na empresa que a pudesse orientar na tarefa de programação — área que não dominava —, nem lhe foi permitido aceder ao computador central da empresa-mãe, onde se encontravam as bases de dados necessárias. A tarefa foi rapidamente retirada, e os dias tornaram-se ainda mais vazios, pontuados apenas por tarefas de arquivamento e, ocasionalmente, por pedidos de tradução de mensagens para inglês. O desânimo instalou-se, partilhado por outros colegas de estágio em situações semelhantes. No final, a empresa propôs-lhe a renovação do estágio por mais seis meses. Recusou. Explicou ao responsável que sentia que nada aprendera e que desperdiçara meio ano da sua vida. Partiu, aliviada.

Este caso ilustra bem o ambiente que, infelizmente, caracteriza muitos dos estágios profissionais em que os nossos jovens se veem envolvidos. Há organizações “viciadas” na utilização de estagiários como mão-de-obra barata, substituída ciclicamente, no final do contrato. Outras não dispõem de recursos humanos capazes de orientar os jovens, que acabam por ser deixados à sua sorte, muitas vezes a matar o tempo nas redes sociais. Há ainda aquelas que nem sequer têm condições logísticas para os acolher, dispensando-os até do treino mais básico: o cumprimento de um horário de trabalho.

As organizações, genericamente consideradas, aproveitam-se de um sistema sem controlo e sacrificam, no altar dos seus interesses imediatos, as aspirações profissionais dos estagiários. Muitos destes, entregues a si próprios, nem se apercebem de que estão a desperdiçar tempo de vida sem proveito nem glória. E se há uma proposta de emprego no final do estágio, a remuneração raramente se afasta do valor do subsídio atribuído no decurso daquele.

O Estado, por seu lado, produz programas públicos de última geração de incentivos à oferta de estágios, que consomem grande volume dos seus recursos financeiros e humanos. Mas falta, sempre, o essencial: controlo e responsabilização na aplicação desses programas. As estatísticas que publica raramente refletem a realidade, mas servem para tranquilizar quem engana e quem é enganado. Cria-se a ilusão de progresso, todos dormem embalados por esse falso movimento, mas, na verdade, não se sai do mesmo lugar. Tudo não passa de uma farsa.

Honra às organizações que não se reveem neste retrato. Honra aos jovens que, sentindo-se defraudados, têm a coragem de denunciar as situações vividas.