Óscar Afonso, ECO Magazine
Os indicadores apresentados em áreas fundamentais como a Saúde, Educação e Justiça revelam um Estado incapaz de assegurar serviços públicos de qualidade, mas célere e eficaz a cobrar impostos.
Numa altura em que prossegue a preparação da proposta de Orçamento de Estado de 2026, que será apresentada no início de outubro, nesta crónica mostro indicadores a melhorar em alguns dos ministérios que mais impactam na vida dos cidadãos – Saúde, Educação e Justiça. Os problemas observados contrastam com a facilidade com que o Estado cobra impostos, estando a carga fiscal ainda perto de um máximo histórico nos dados mais recentes, o que denota ineficiência na utilização dos recursos públicos.
Ministério da Saúde
Trata-se de uma das pastas mais exigentes para qualquer governo, não apenas em Portugal. As Figuras 1 e 2 ilustram alguns dos indicadores mais preocupantes.
De acordo com a Entidade Reguladora da Saúde (ERS), o número de utentes em espera para a primeira consulta de especialidade hospitalar atingiu 902 814 no final de 2024, o que corresponde a um aumento homólogo de 15,9%.
Já no que respeita aos utentes em lista de espera para cirurgia nos hospitais públicos, o total ascendeu a 190 607 no final do mesmo ano, traduzindo uma variação homóloga de 2,6%.
Figura 1. Utentes em espera para consulta de especialidade e para cirurgia em hospitais públicos no final de 2024

Fonte: Entidade Reguladora da Saúde, ERS, Informação de monitorização sobre tempos de espera no SNS (2º Semestre 2024).
Outro indicador relevante, mais a montante, neste caso com uma evolução favorável recente, é o número de utentes sem médico de família nas unidades de cuidados de saúde primários (CSP), que registou uma queda homóloga de 8,5% em julho, para 1 508 415, o que traduz o mínimo da série iniciada em jan-24.
De notar que o mês de julho marcou uma inversão da tendência, depois do número de utentes sem médico de família nas unidades de CSP ter atingido um máximo de 1 669 695 em junho e uma variação homóloga de 4,0%.
A melhoria em julho é ainda mais notória porque o número de inscritos no SNS manteve uma tendência ascendente nesse mês, registando um máximo de 10 634 690 na curta série disponível.
Conjugando as duas séries, conclui-se que a percentagem de utentes sem médico de família face ao total de inscritos no Serviço Nacional de Saúde (SNS) baixou para 14,2% em julho de 2025, após 15,7% no mês anterior e 15,9% em julho de 2024.
De qualquer forma, estamos ainda a falar de uma fatia expressiva de pessoas sem médico de família, pelo que há ainda muito a progredir neste domínio. Embora seja possível ter consultas nos centros de saúde sem médico de família, os dados mostram que a taxa de utilização é sempre menor (nalguns casos muito menor), possivelmente porque sem médico de família não há um acompanhamento adequado.
Figura 2. Utentes sem médico de família

Fonte: Portal da Transparência do SNS.
Ministério da Educação e Ensino Superior
No domínio da Educação, em outubro de 2024, o governo anunciou que “um mês depois do arranque do ano letivo, há 720 horários por preencher nas escolas públicas, o que resulta em 54 060 alunos que ficaram sem aulas a uma disciplina em algum momento durante este período, dos quais há 23 357 alunos que estão sem aulas desde o início do ano letivo a uma disciplina”.
Contudo, pouco tempo depois, após alguma polémica sobre os números e na sequência de uma auditoria externa, o Ministro da Educação e Ensino Superior decidiu suspender a divulgação pública desses indicadores até o sistema ser reformulado, por não estar a produzir informação completa e harmonizada (entre escolas), impedindo a estimação rigorosa nos anos letivos de 2023/24 e 2024/25.
Ou seja, embora o número de alunos sem aulas deva ser bastante expressivo, os números conhecidos, divulgados pelo próprio governo, não são precisos e, por isso, não devem ser usados, conforme explicado.
Por isso, ao contrário dos restantes indicadores aqui apresentados, não apresento um gráfico neste caso.
No que se refere ao Ensino Superior (ver Figura 3), realço a queda de 12,1% (para 43 899) do número de colocados de 1ª fase no ano letivo começado em 2025, que é anormalmente elevada e, segundo o Ministro da pasta “é preocupante” e está relacionada com “a mudança das regras dos exames” (nova exigência de três provas nacionais para concluir o secundário e um mínimo de duas para acesso ao ensino superior), mas – na minha opinião bem – considera que “não faz sentido mudar as regras novamente”.
Figura 3. Primeira Fase do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior, 2024/25 e 2025/26

Fonte: Comunicado do governo (dados de 2025); Direção-geral do Ensino Superior (dados de 2024).
De notar que a diminuição do número de candidatos foi ainda maior (17,1%, para um número aproximando de 48 723, pois foi calculado e pode haver diferença de arredondamento), explicando o aumento da taxa de colocação de 85,0% para 90,1%.
Já muito se escreveu sobre estes dados preocupantes, por isso deixo apenas alguns apontamentos.
A subida da taxa de colocação revela uma melhor preparação do candidato médio, pelo que a queda das colocações não se deveu à alteração do número mínimo de exames de acesso ao ensino superior.
A queda das colocações deve-se, isso sim, à redução do número dos candidatos, que terá resultado de um conjunto variado de fatores. Desde logo, a exigência de três provas nacionais para concluir o secundário, conjugada com a provável perda de aprendizagens dos alunos mais vulneráveis na pandemia, terá conduzido a um maior número de reprovações, mas precisaria de dados para o confirmar.
Sou a favor de uma maior exigência, para aumentar a qualidade da educação, por isso percebo a manutenção dos exames no secundário. Terá até produzido um efeito de seleção que elevou a qualidade média dos colocados na 1ª fase, como referido.
Outros fatores mais preocupantes poderão ter contribuído para a redução brusca do número de candidatos, mas teriam de ser também confirmados com base em dados fiáveis, como o impacto da demografia, que poderá explicar uma eventual diminuição do número de alunos no 12º ano (não consegui encontrar esses dados) se houver um menor número de jovens a estudar.
Seria ainda importante avaliar se o acesso ao IRS Jovem, muito mais generoso, sem a exigência de conclusão do 12º ano (na prática fazendo da escolaridade mínima letra morte, como já afirmei) não estará também a contribuir para um menor interesse na prossecução dos estudos. A eliminação da exigência do 12º ano de escolaridade como critério de acesso foi um erro que não tenho visto mais ninguém referir no espaço público. O próprio modelo do IRS Jovem é muito custoso, produz injustiças e não gera incentivos adequados, sendo muito duvidoso que contribua para a retenção de talento como o próprio FMI afirmou (mesmo que relativamente à proposta inicial do Governo, mas a argumentação é válida na mesma) devendo ser substituído por um regime unificado de atração e retenção e Talento, como defendo.
Caso não tenha ocorrido uma diminuição de alunos no 12º ano, conviria avaliar se a queda dos candidatos ao Ensino Superior não estará associada ao problema dos custos associados, desde logo com alojamento, bem como a possíveis alterações nas preferências, como uma maior procura de percursos profissionalizantes, de cursos no estrangeiro e de opções como gap year (ano sabático) ou emprego.
Ministério da Justiça
No que se refere à Justiça, apresento apenas um indicador que revela a falta de eficácia do sistema.
Em 2024, a taxa de resolução média de processos (na 1º instância e tribunais superiores) foi de 92,5%, significando que entraram mais processos do que aqueles que foram finalizados (Figura 4). Tal significa que, a manter-se o nível de recursos e a produtividade, o número de processos no sistema e o tempo de espera tenderão a agravar-se.
O problema é relativamente maior nos tribunais administrativos e fiscais, onde a taxa de resolução é de apenas 51%, penalizando cidadãos e empresas.
Apenas as execuções cíveis revelam uma taxa acima de 100% (103,2%), que deveria ser a regra num sistema eficiente.
Figura 4. Taxa de resolução por tipo de processo (finalizados em % dos entrados) em 2024

Fonte: Estatísticas da Justiça. Nota: valores médios (1ª instância e tribunais superiores).
Ministério das Finanças
Por fim, apresento os dados da carga fiscal (sem contribuições sociais imputadas) em percentagem do PIB, que se terá situado em 35,8% em 2024 (dados do Conselho de Finanças Públicas com base no Orçamento de Estado de 2025), perto do máximo de 35,9% registado em 2022, usando a série disponível da Comissão Europeia (base de dados AMECO). A projeção para 2025 do Orçamento de Estado aponta para uma redução de duas décimas, para 35,6%, que apenas igualaria o valor em 2023, tendo ainda de ser confirmada (teremos informação a este respeito em outubro, na proposta de Orçamento de 2016).
Estamos, por isso, ainda perto de um máximo histórico de carga fiscal, após várias descidas no IRS em anos recentes (relembro que o impacto da baixa do IRC só ocorre em 2026).
A Figura 5 mostra que, em 2009, antes do pedido de ajuda externa e intervenção da Troika, a carga fiscal era de 29,8% do PIB, pouco acima do mínimo de 29,2% registado no primeiro ano da série, em 1995.
A voracidade fiscal de um Estado cada vez maior e ineficiente, que consome cada vez mais recursos e apresenta poucos resultados, como vimos, é ainda gritante se considerarmos o montante elevado de apoios europeus dedicados a alimentar a máquina pública (despesa de investimento e até corrente). Relembro que 90% do investimento público ente 2014 e 2020 foi financiado por fundos europeus, segundo o Tribunal de Contas Europeus, e o Estado é o maior beneficiário do Portugal 2020.
Face à redução esperada dos fundos europeus a partir de 2027, só reformando a máquina do Estado será possível apresentar melhores resultados com menos dinheiro europeu e se a ideia é reduzir a carga fiscal.
Figura 5. Carga fiscal em Portugal (% do PIB)

Fonte: Comissão Europeia (AMECO; dados até 2023) e Conselho de Finanças Públicas, Análise da Proposta de Orçamento de Estado para 2025 (valores de 2024 e 2025). Notas: P= previsão; carga fiscal (e parafiscal) sem as contribuições sociais imputadas.
Conclusão
Em suma, os indicadores apresentados em áreas fundamentais como a Saúde, Educação e Justiça revelam um Estado incapaz de assegurar serviços públicos de qualidade, mas sempre célere e eficaz quando se trata de cobrar impostos.
Esta assimetria traduz-se numa carga fiscal ainda historicamente elevada, que não encontra correspondência na eficiência e nos resultados da Administração Pública.
O contraste torna-se ainda mais preocupante quando uma boa parte do investimento público foi, na última década, financiado por fundos europeus. Com a inevitável redução desses apoios a partir de 2027, será insustentável manter um Estado pesado, voraz e ineficaz.
Portugal precisa, urgentemente, de reformar a sua máquina pública, tornando-a mais leve, produtiva e orientada para os cidadãos e empresas. Só assim será possível compatibilizar serviços públicos de qualidade com uma carga fiscal mais justa e competitiva.