Mário Tavares da Silva, Jornal i online
A ausência de uma estratégia nacional anticorrupção atualizada e que, em nosso entender, deve constituir-se como uma estratégia única que contemple, também, a relevante dimensão de risco associada à área dos financiamentos oriundos de fundos europeus, em particular os que vierem a ser alocados a Portugal no próximo QFP 2028/2034”.
O recente relatório de acompanhamento do Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECO) sobre Portugal, publicado no passado dia 2 setembro 2025, conclui que Portugal implementou 18 das 28 recomendações emitidas no âmbito do 5.º ciclo de avaliação (2023), subsistindo ainda 10 por implementar.
Na realidade, e apesar de reconhecer alguns progressos, o GRECO continuar a exigir uma ação mais vigorosa e determinada a Portugal, fixando, para o efeito, o novo prazo de 30 de setembro do próximo ano, para a apresentação de um reporte adicional sobre o estado de implementação das recomendações em aberto.
Neste importante relatório, o GRECO destaca a existência de avanços significativos ao nível das funções executivas de topo, em particular a efetiva operacionalidade do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) e da Entidade para a Transparência (EpT). Também como aspetos positivos, salienta o GRECO a aprovação do Código de Conduta do novo Governo, a existência de briefings e formações organizadas para membros do Governo e a possibilidade de aconselhamento confidencial disponível para todos os titulares de funções executivas de topo (persons with top executive functions ou «PTEF»).
Subsistem, ainda assim, temas críticos por resolver, tais como o relativo à necessidade de aprovação da Estratégia Nacional Anticorrupção (2025-2028) e do Plano de Prevenção de Riscos para PTEF. Para lá desses objetivos de maior criticidade, é igualmente premente tornar mais eficientes os mecanismos de acesso à informação, bem como regular o lobbying e aumentar a sua transparência, clarificar as regras sobre ofertas e, sobretudo, publicá-las atempadamente no registo central de ofertas, de forma a permitir o seu escrutínio permanente, alargar obrigações de declaração patrimonial e de pós-emprego a PTEFs e tornar todas as declarações de interesses, ativos e passivos dos PTEFs efetivamente acessíveis ao público, criando uma efetiva cultura de transparência e de accountability.
Complementarmente, foi dado um sinal positivo pelo GRECO às medidas adotadas no universo das Forças de Segurança (PSP e GNR), destacando-se a adoção do novo Código de Conduta da PSP e, ainda, a conclusão, para breve, do Código da GNR, em fase final de preparação.
Divisam-se, ainda, outros pontos na agenda, que não devem ser perdidos de vista, tais como, a necessidade de fornecer orientações práticas para aplicação dos códigos, a premência em melhorar o equilíbrio de género, a importância de criar e operacionalizar um sistema de aconselhamento confidencial e de vetting regular como duas relevantes medidas preventivas para reforçar a integridade e confiança nas instituições públicas (em particular a GNR e a PSP), proceder a uma revisão do regime disciplinar e dos procedimentos de nomeação e de promoção de cargos superiores, implementar salvaguardas contra conflitos de interesse, assegurar transparência em donativos e patrocínios, proceder à adoção de estratégias anticorrupção dedicadas (PSP e GNR) e empreender um reforço dos recursos humanos da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI).
De tudo e em síntese, Portugal avançou um pouco mais, sobretudo ao nível institucional com a operacionalidade efetiva do MENAC e da Entidade para a Transparência, códigos de conduta, e plataformas digitais, subsistindo, ainda assim, lacunas significativas, tais como a insuficiente regulação do lobbying, as fragilidades na prevenção de riscos em funções executivas e forças de segurança, a ausência de uma estratégia nacional anticorrupção atualizada e que, em nosso entender, deve constituir-se como uma estratégia única que contemple, também, a relevante dimensão de risco associada à área dos financiamentos oriundos de fundos europeus, em particular os que vierem a ser alocados a Portugal no próximo QFP 2028/2034.
Num momento em que nos aproximamos da discussão do próximo Orçamento de Estado, afigura-se crítico que todos os atores políticos relevantes e demais entidades públicas, possam dar o seu contributo para a superação dos desafios colocados pelo GRECO, em prol de um ecossistema público mais ético e mais transparente.