Miguel Viegas, Jornal i online

A cada segundo, um montante de 1.585 euros desaparece, roubado diretamente dos cofres públicos

“O valor é chocante, a escala é global e o impacto é real. Dezenas de milhares de milhões de euros desaparecem todos os anos dos cofres da União Europeia, e a forma mais comum de o fazerem é através de um esquema complexo e silencioso: a fraude carrossel do IVA. Apesar da dimensão do problema e dos meios técnicos para o combater, a falta de vontade política para o resolver de forma definitiva tem permitido que este assalto silencioso continue impune, ano após ano.”

Cinquenta mil milhões de euros: é este o valor colossal que a União Europeia perde, em média, todos os anos devido à fraude transfronteiriça do IVA, um esquema complexo e silencioso conhecido como "fraude carrossel". A cada segundo, um montante de 1.585 euros desaparece, roubado diretamente dos cofres públicos. Neste verão, no âmbito de uma investigação dirigida pela Procuradoria Europeia (EPPO) em Lisboa (Portugal), com o nome de código “Ambrósia”, 30 arguidos, incluindo 17 indivíduos e 13 empresas, foram acusados de operar uma associação criminosa responsável por fraude ao IVA ascendendo a 35 milhões de euros, relacionada com produtos alimentares essenciais (designadamente azeite, óleo e açúcar). Ou seja, apesar desta fraude estar bem identificada, as soluções tardam e as populações pagam com os impostos mais do que seria necessário caso as autoridades quisessem alocar os meios e as soluções para resolver um problema velho, mas que parece estar aí para durar…

A natureza insidiosa desta fraude reside na sua aparente legitimidade. O esquema funciona como um circuito de pagamentos fictícios que permite aos criminosos pedir devoluções de IVA que nunca foi efetivamente pago. Na sua forma mais comum, uma empresa-fantasma ("missing trader") compra bens isentos de IVA noutro país da UE, vende-os internamente e desaparece sem pagar o imposto devido ao Estado. Uma terceira empresa, que comprou os bens à primeira, pede o reembolso do IVA às autoridades fiscais, lucrando com a fraude. A mercadoria e o dinheiro circulam num carrossel infinito, enquanto o Estado fica a ver navios. Apesar de ser um problema global, a fraude carrossel tem um impacto muito concreto na vida dos cidadãos. O impacto da fraude do IVA é duplo, afetando diretamente os cidadãos ao comprometer as receitas nacionais e, indiretamente, o financiamento da União Europeia. O IVA é não só o imposto mais significativo para as finanças públicas nacionais, mas também uma das principais fontes de recursos próprios da UE. Desta forma, a fraude não só limita os meios para financiar serviços e investimento público em Portugal, como também afeta as contribuições de Portugal para o orçamento da União Europeia através deste recurso próprio, que é calculado com base no “IVA harmonizado” que representa o montante potencial de cobrança.

O Tribunal de Contas Europeu tem vindo a criticar sucessivamente os mecanismos para combater a fraude ao IVA, destacando falhas graves no controlo por parte dos Estados-Membros e uma cooperação deficiente entre as autoridades aduaneiras e fiscais. Há muitos que são conhecidas e até aplicadas parcialmente as medidas destinadas a combater a fraude ao IVA. Algumas como a autoliquidação do IVA revelaram-se mais complexas na sua aplicação. Contudo trata-se de um caminho para aprofundar. A digitalização dos processos, designadamente ao nível da faturação representa outro passo decisivo, implicado também a interoperabilidade entre as diferentes autoridades tributárias, verdadeira chave mestra para uma verdadeira cooperação internacional. Finalmente é fundamental investir em “data mining” e na inteligência artificial permitindo assim tratado enormes quantidade de dados contabilísticos, fiscais e aduaneiros e detetar em tempo útil movimentos suspeitos, incoerências no IVA intracomunitário e empresas de fachada. Só em Portugal, de acordo com dados da Comissão Europeia, o “gap do IVA” (diferença entre o que deveria ser cobrado e as receitas reais de IVA) ascende a 1,5 mil milhões de euros. Isto deveria fazer pensar os nossos governantes, até porque os excedentes orçamentais não irão durar para sempre.