Óscar Afonso, ECO Magazine
O crescimento económico recente revela uma economia ainda demasiado exposta à conjuntura e a estímulos temporários – alguns deles promovidos pelo governo – que mascaram fragilidades estruturais.
Se o turismo e as tarifas estarão a penalizar a economia a curto prazo, numa fase de grandes oscilações do PIB, não é certo que a baixa reforçada do IRS e os efeitos do PRR sejam suficientes para o Governo atingir a meta de um crescimento económico acima de 2% em 2025. Já as intenções do Governo na reforma administrativa, leis laborais e revisão dos benefícios fiscais parecem ir no sentido certo – com vista a um impacto positivo no PIB a médio e longo prazos –, mas continua a faltar ambição e objetivos condizentes.
Economia precisa de crescer 2% ou mais no 2º semestre para o governo atingir as metas
Os dados mais recentes do PIB apontam para um crescimento homólogo de 1,9% no 2º trimestre, em termos reais, segundo a estimativa rápida — ainda sujeita a revisões. Este resultado sucede a variações de 1,7% no 1º trimestre, 2,8% no 4º trimestre de 2024 e 2,0% no 3º trimestre do mesmo ano.
Como se esperava, houve uma retoma da dinâmica de crescimento homólogo no 2º trimestre, após as oscilações registadas no final de 2024 e início de 2025, mas a tendência recente é ainda de abrandamento – comparando os 2,0% no 3º trimestre de 2024, antes das oscilações, com os 1,9% no 2º trimestre de 2025, esgotada a maior parte dos efeitos temporários associados. Essas oscilações são mais percetíveis nas variações em cadeia (face ao trimestre anterior).
No 4º trimestre de 2024, registou-se uma subida em cadeia de 1,4% (dados ajustados de sazonalidade e de dias úteis), em termos reais, um valor bastante acima do normal que ficou ligado ao aumento extraordinário de pensões e à redução das retenções de IRS no final de 2024, estimulando o rendimento disponível e o consumo das famílias (subida real de 2,8%). Essa forte subida do consumo foi ainda promovida pelas campanhas promocionais dos distribuidores (como ‘Black Friday’ e Natal) para escoamento de stocks de produtos, tendo em conta a queda expressiva da variação de stocks, pela primeira vez desde a pandemia, acompanhada por uma descida significativa das importações de bens, que foi além da redução observada no investimento (FBCF).
Esta explicação é importante para perceber o que se seguiu, com o recuo em cadeia de 0,4% do PIB no 1º trimestre de 2025 (revisto de uma queda de 0,5% na primeira estimativa) a resultar, sobretudo, de uma correção em baixa de 1,1% no consumo das famílias – a rubrica com maior peso no PIB e geralmente a mais estável, com variações trimestrais de pouca magnitude –, esgotados os estímulos temporários ao rendimento disponível das famílias. A queda do consumo em valor absoluto mais do que compensou a subida da FBCF e, mesmo assim, as importações aumentaram de forma acentuada, traduzindo um efeito de reposição de stocks visível na retoma da variação de existências, que é consistente com a antecipação expectável de compras pelos produtores antes da entrada em vigor das tarifas de Trump – e de uma possível guerra comercial entre a União Europeia (UE) e os Estados Unidos da América (EUA), que na altura estava em cima da mesa. Ao mesmo tempo, as exportações totais registaram uma diminuição em cadeia.
Este enquadramento facilita a análise dos dados mais recentes. Segundo a estimativa rápida do INE, no 2º trimestre o PIB aumentou 0,6% em cadeia – e 1,9% em termos homólogos, como já referido –, significando que, após a queda de 0,4% no trimestre anterior, a variação acumulada no ano é de apenas 0,2%. Note-se que estes dados preliminares só têm informação qualitativa sobre as componentes do PIB.
A este respeito, o INE refere que “o contributo da procura externa líquida para a variação em cadeia do PIB foi menos negativo, tendo as exportações de bens e serviços registado um crescimento, após a redução observada no trimestre anterior. No mesmo sentido, o contributo positivo da procura interna aumentou, verificando-se um crescimento do consumo privado”. Isto significa que o consumo já terá uma trajetória positiva de magnitude normal (após a forte correção em baixa no 1º trimestre), que as exportações melhoraram e a variação das importações se terá reduzido.
Importa agora verificar qual a evolução necessária do PIB no 2º semestre para o governo atingir as suas metas de crescimento em 2025, que foram oscilando ao longo dos meses.
Se em outubro do ano passado o Governo apontou uma meta de 2,1%, que suporta as previsões do Orçamento de Estado de 2025, em abril deste ano subiu a fasquia para 2,4% na atualização do plano orçamental de médio prazo enviado a Bruxelas. Isto considerando projeções oficiais, pois, em fevereiro, depois de ter sido conhecida a forte subida do PIB no 4º trimestre, o ministro das Finanças chegou a apontar em público para um valor de 2,5%.
Mais recentemente, tanto o ministro das Finanças como o ministro da Economia e Coesão passaram a adotar uma formulação mais flexível de um “crescimento acima dos 2%”, que é compatível com todas as metas referidas antes e evita comprometerem-se com um valor exato, reduzindo assim o erro de previsão.
Segundo os meus cálculos, para cumprir as diferentes metas orçamentais, o crescimento homólogo do PIB no 2º semestre terá de ser o seguinte:
- 2,0% para atingir a meta anual de 2,1% inscrita no Orçamento do Estado;
- 2,6% para alcançar a meta mais ambiciosa de 2,4%, enviada a Bruxelas, pressupõe uma progressão homóloga de 2,6% no resto do ano;
- 2,8% para chegar à meta ainda mais ambiciosa de 2 5% avançada pelo Ministro das Finanças em fevereiro.
Mesmo um crescimento homólogo de 2,0% no 2º semestre poderá não ser fácil de alcançar, embora nesta altura pareça ainda possível, o que suportará o otimismo do ministro das Finanças. Isto porque a tendência recente, desconsiderando as oscilações referidas, é de abrandamento da economia, mas tal poderá ser contrariado pela redução adicional do IRS (com efeito ainda antes das eleições autárquicas) e pelos efeitos do PRR.
O problema é que o efeito da baixa de IRS sobre o PIB só ocorrerá se as famílias decidirem consumir o acréscimo de rendimento disponível (após as elevadas compras no final de 2024 poderão querer poupar), enquanto a execução do PRR tem sido problemática, mesmo com os esforços do governo para executar tudo até 2026. Mais importante, ainda que esses efeitos positivos se materializem, poderão ser contrariados pelo abrandamento do turismo e pelo impacto das tarifas de Trump na economia nacional.
Turismo em abrandamento poderá travar a dinâmica da economia já em 2025
Os dados da Conta Satélite do Turismo, recentemente atualizados pelo INE, evidenciaram um forte abrandamento da atividade turística em 2024, mas mantendo um peso elevado na economia.
O VAB (Valor Acrescentado Bruto) direto do turismo abrandou de um crescimento nominal de 17,0% em 2023 para 6,5% em 2024, já apenas marginalmente acima da evolução no conjunto da economia (6,2%), permitindo manter o peso no VAB total em 8,1%.
O abrandamento foi ainda maior no VAB direto e indireto (de uma variação de 17,4% para 5,6%) e no PIB direto e indireto (de 17,7% para 5,8%) – o PIB (Produto Interno Bruto) corresponde ao VAB mais os impostos sobre produtos líquidos de subsídios –, cujo peso baixou ligeiramente para 11,9% em 2024, perto do máximo de 12,0% em 2023.
De notar que os efeitos indiretos do turismo se reportam aos impactos noutros setores de atividade, sendo calculados através da matriz simétrica input-output desenvolvida nesta Conta Satélite específica.
Como venho a defender, Portugal precisa de evoluir para uma economia mais diversificada e com um perfil de especialização mais assente em tecnologia e conhecimento – com aposta em indústria e serviços de elevado valor acrescentado –, menos dependente das oscilações do turismo, um setor com produtividade e salários abaixo da média da economia. Este setor deve progredir no valor gerado por turista – desejavelmente com menos turistas, baixando a pressão sobre as infraestruturas, em particular a habitação, e o ambiente –, evoluindo na qualificação e na redução da sazonalidade, nomeadamente.
Regressando à análise de curto prazo, os dados da Conta Satélite mostram o esgotamento do surto de turismo pós-pandemia, como vinha a afirmar, que se confirma nos dados disponíveis de 2025.
As dormidas nos alojamentos turísticos cresceram 2,4% em termos homólogos no 1º semestre de 2025, que compara com 4,7% no mesmo semestre de 2024. Este abrandamento teve origem nos não residentes – crescimento de 1,0% face a 6,0% no 1º semestre de 2024 – e foi apenas parcialmente atenuado pela aceleração das dormidas dos residentes (6,0% face a 1,0%), cujo peso é bastante menor.
É certo que a maior parte da procura turística se concentra no 2º semestre, em particular nos meses de julho e agosto, pelo que será necessário aguardar pelos dados desse período. No entanto, a manter-se a tendência de abrandamento, tal poderá penalizar a evolução do PIB ao longo de 2025, atendendo ao peso significativo — sobretudo direto — do turismo na economia.
Efeito negativo das tarifas sobretudo indireto e ainda difícil de aferir, mesmo após o acordo EUA-UE
Quanto ao impacto das tarifas de Trump na economia portuguesa, ele será certamente globalmente negativo, mesmo com o recente acordo comercial provisório entre os EUA e a UE, que terá ainda de ser discutido em pormenor e ratificado nas instâncias europeias e parlamentos nacionais, até se passar a uma formulação legal determinada e detalhada aceite pelos dois blocos económicos. Por isso, prefiro esperar por mais dados para uma análise mais cabal do impacto do acordo em Portugal.
Nesta fase, refiro apenas que, se os impactos diretos das tarifas serão apenas relevantes em setores específicos não isentos – saliento que várias das isenções conhecidas são muito genéricas ou ambíguas – e com forte exposição ao mercado dos EUA, os impactos indiretos serão globalmente maiores em face da penalização da economia da UE, para onde as nossas empresas vendem mais de 70% dos bens produzidos.
Igualmente relevante poderá ser o desvio de investimento industrial para os EUA – incluindo o da Volkswagen, que a partir dos EUA pode abastecer esse mercado e parte do da UE sem tarifas, o que poderá significar menos investimento na Autoeuropa –, devido ao desequilíbrio do acordo, pois a UE não aplica tarifas aos bens dos EUA e enfrenta uma tarifa geral de 15% nos EUA (50% no aço e alumínio).
Porventura mais importante, falta conhecer também as formulações de outros acordos comerciais dos EUA, em particular com a China (estas negociações foram novamente estendidas), pois a UE será certamente um refúgio dos exportadores de muitos países do resto do mundo para escoarem os produtos que deixarem de vender nos EUA, com a China à cabeça, dependendo dos acordos bilaterais alcançados.
Por outro lado, como muitos outros países terão tarifas acima dos 15% conseguidos pela UE no mercado dos EUA, é possível que, em determinados setores, os exportadores portugueses até consigam ganhos de competitividade via tarifas no mercado norte-americano.
O problema é que, mesmo nessa situação, caso repassem parte ou totalidade das tarifas nos preços, a procura e as vendas poderão ressentir-se, tanto mais quanto menor o poder de mercado. Se não repassarem as tarifas, tal reduzirá automaticamente a sua margem de venda e os resultados.
Assim, a economia deverá ser afetada pelo impacto negativo das tarifas nas exportações nacionais para os EUA – agravada pela depreciação do dólar face ao euro –, requerendo a diversificação de mercados (difícil a curto prazo) e apoios do governo para esse efeito e com foco nos setores mais afetados.
Para mais informação sobre os efeitos estáticos e dinâmicos das tarifas – que no final poderão penalizar sobretudo os EUA, mas todos perdemos, com prejuízo para a globalização e a economia mundial –, poderão consultar uma crónica passada em que abordei o assunto de uma forma geral.
Falta ambição na flexibilização das leis laborais, reforma do Estado e revisão dos benefícios fiscais
Mais importante do que os impactos de curto prazo de algumas medidas e dados recentes, em matéria de crescimento económico, importa sobretudo a evolução de longo prazo, em que se esbatem efeitos temporários e relevam as tendências e medidas estruturais.
Importa, por isso, abordar desenvolvimentos recentes em matérias relevantes a esse respeito.
No que se refere às propostas de alteração da legislação laboral entregues pelo governo para discussão com os parceiros sociais, só faz sentido analisar de forma detalhada quando tiver mais informação (apenas conheço algumas medidas que apareceram na comunicação social) sobre as soluções acordadas.
Se as matérias de outsourcing, banco de horas individual e lei da greve são relevantes em abstrato (sem ter em conta as propostas concretas, que desconheço em todos os seus detalhes), por poderem impactar positivamente a economia, como referi na crónica anterior, confesso não perceber a pertinência de introdução de outros temas sensíveis e que poderão prejudicar entendimentos nas matérias cruciais.Estou a falar, concretamente das alterações ao luto gestacional e limite da licença de amamentação, temas de enorme sensibilidade.
Contudo, posso fazer uma breve análise preliminar intercalar à luz dos desenvolvimentos mais recentes. Se as matérias de outsourcing, banco de horas individual e lei da greve são relevantes em abstrato (sem ter em conta as propostas concretas, que desconheço em todos os seus detalhes), por poderem impactar positivamente a economia, como referi na crónica anterior, confesso não perceber a pertinência de introdução de outros temas sensíveis e que poderão prejudicar entendimentos nas matérias cruciais.
Estou a falar, concretamente das alterações ao luto gestacional e limite da licença de amamentação, temas de enorme sensibilidade. Por melhores que possam ser as intenções do governo, as reações foram muito negativas, pelo que deve abandonar rapidamente essas propostas, a meu ver, concentrando as atenções nas áreas que mais podem promover a competitividade.
A esse respeito, parece que o governo não terá sido suficientemente ambicioso, uma vez que as confederações patronais apontaram outras matérias relevantes que não foram colocadas à discussão e devem ser tidas em conta. Deverá ser ainda considerada a posição das confederações sindicais, de modo a alcançar-se um acordo equilibrado em prol da competitividade e melhoria das condições laborais.
Passo a uma análise breve dos desenvolvimentos recentes em matéria de reforma do Estado, que surgiram logo após a crónica da semana passada, em que critiquei a ausência desse tema crucial no debate do Estado da Nação. A estratégia apresentada parece bem delineada, o que é de saudar, mas peca por falta de ambição e ausência de metas, como refiro abaixo. Por outro lado, e importante a mensagem de que a reforma não é feita contra ninguém, mas alerto que não existem reformas ‘sem dor’ – haverá sempre quem possa ficar numa situação menos favorável em prol de um bem maior.
Por isso, tenho dito que as vozes de contestação são normais se a reforma for mesmo a valer – e houve imediatamente várias –, mas primeiro é preciso saber se vai no sentido certo, o que analiso abaixo.
O Conselho de Ministros de 31 de julho aprovou um conjunto de diplomas que dão início à reforma do Estado. Socorro-me da informação oficial colocada no portal do governo com base na conferência de imprensa que se seguiu.
Segundo o ministro Adjunto e da Reforma do Estado, Gonçalo Matias, a reforma “em alguns casos, já teve início no anterior Governo” do primeiro-ministro Luís Montenegro, nomeadamente “com a fusão das Secretárias-gerais e a criação de serviços transversais ao Governo” e “ganha agora um novo impulso com a criação do Ministério e as linhas orientadoras que o Conselho de Ministros aprovou”.
As linhas orientadoras estão contidas numa resolução onde se define que “todas as medidas têm por objetivo, com isto promovendo a competitividade económica a atração de investimento, a criação de riqueza e o bem-estar dos cidadãos”, o que se concretiza através de mecanismos para reduzir prazos de decisões públicas, dar previsibilidade sobre o tempo das decisões e eliminar pareceres desnecessários.
A reforma do Estado terá dois níveis.
- O primeiro é “olhar para a orgânica dos Ministérios e fazer uma reorganização” dos serviços – começando pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação, cujo redesenho analiso abaixo –, numa fase que “vai decorrer até meados de 2026”.
- O segundo nível é “a revisão dos procedimentos, com prioridade para os que têm maior interação com os cidadãos e as empresas, fazendo um levantamento exaustivo dos processos, dos tempos de decisão, dos estrangulamentos” e, depois, redesenhar estes processos. Tal exigirá, nalguns casos, a alteração da legislação relevante na Assembleia da República, como o Código do procedimento e do processo administrativos, o Código da contratação pública; a organização e funcionamento do Tribunal de Contas e a simplificação dos atos societários e da revisão dos licenciamentos comercial, industrial e urbanístico.
A Agência para a Modernização Administrativa (AMA) será reestruturada e “passará a chamar-se Agência para a Reforma Tecnológica do Estado (ARTE); o seu presidente será também Diretor de Sistemas e Tecnologias de Informação da Administração Pública (CTO na sigla inglesa), uma figura nova em Portugal.
Este diretor terá como função a liderança centralizada na transformação tecnológica do Estado, sendo a referência técnica e institucional, garantindo a interoperabilidade total de sistemas.
A ideia é “simplificar os processos e depois usar toda a tecnologia para acelerar os tempos de decisão”.
Gonçalo Matias referiu que o princípio “Só Uma Vez”, “previsto na Lei há 11 anos”, prevê que os cidadãos não tenham de entregar o mesmo documento mais de uma vez à Administração Pública, mas que “não está cumprido porque a Administração Pública não possui sistemas de informação que comuniquem entre si, que tenham interoperabilidade”.
Como referi, as linhas estratégicas de reforma do Estado parecem ir no sentido correto, começando pela orgânica e depois passando aos processos, a melhorar através da digitalização, mas faltam objetivos de poupança de despesa e, mais importante, falta um terceiro nível de repensar as funções do Estado, que poderá manter a provisão delegando a produção em áreas onde o setor privado seja mais eficiente.
Ao nível das poupanças, já deu para perceber que não haverá despedimentos nem redução de salários, como defendo, presumindo-se que as eventuais poupanças surjam da eliminação de chefias superiores e, sobretudo, da entrada de um menor número de funcionários face aos que se reformam – admitindo que a digitalização permitirá uma redução líquida de funcionários, se for bem feita –, mas faltou assumir isso. Seria, por isso, fundamental definir uma meta global claramente abaixo de um para o rácio de entradas de funcionários por cada um que sai, bem como por ministérios, e divulgar as previsões de quantos se irão reformar em cada um deles nos próximos anos, informação que o Estado deve (ou deveria) possuir.
Ao nível das poupanças, já deu para perceber que não haverá despedimentos nem redução de salários, como defendo, presumindo-se que as eventuais poupanças surjam da eliminação de chefias superiores e, sobretudo, da entrada de um menor número de funcionários face aos que se reformam – admitindo que a digitalização permitirá uma redução líquida de funcionários, se for bem feita –, mas faltou assumir isso.
Seria, por isso, fundamental definir uma meta global claramente abaixo de um para o rácio de entradas de funcionários por cada um que sai, bem como por ministérios, e divulgar as previsões de quantos se irão reformar em cada um deles nos próximos anos, informação que o Estado deve (ou deveria) possuir.
Está também por definir claramente o que está previsto relativamente a processos de mobilidade (dentro da mesma área, bem como realocação a outras áreas do Estado, se necessário com formação para reconversão profissional) para colocar os recursos humanos nas áreas em que fazem mais falta.
Continua a faltar um verdadeiro nível transversal de reforma administrativa territorial do Estado, que inclua a eliminação do nível das freguesias (cujo número até aumentou recentemente, numa direção oposta à racionalização desejada), a fusão de alguns municípios – que absorveriam a gestão das freguesias de forma mais eficiente – e a criação de regiões administrativas com limites claros ao endividamento. Trata-se de uma agenda que venho a defender de forma consistente, para nos aproximarmos das tendências dos países mais avançados da UE, e que permanece adiada. A ser adotada, essa reforma territorial influenciaria os dois níveis de reforma agora apresentados, que se tornam, por isso, incompletos, limitando o potencial de poupança e de libertação de recursos para a economia.
No mesmo Conselho de Ministros, foi aprovada a reforma orgânica do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) – no âmbito do primeiro nível da reforma do Estado –, que foi apresentada pelo Ministro Fernando Alexandre na conferência de imprensa. Os serviços centrais passam de 18 entidades para sete e de 45 para 27 dirigentes superiores.
Na Educação, a estrutura passará a estar centrada em duas entidades – o Instituto de Educação, Qualidade e Avaliação (EduQA) e a Agência para a Gestão do Sistema Educativo (AGSE) –, enquanto o Instituto para o Ensino Superior (IES) será o interlocutor das instituições de Ensino Superior, cuja autonomia será reforçada, segundo o Ministro.
A Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e a Agência Nacional de Inovação (ANI) serão fundidas na Agência para a Investigação e Inovação (AI²), que “liga a ciência à inovação e será fundamental para transformar o investimento científico em melhorias reais para o bem-estar da sociedade e da economia, garantindo um financiamento estável ao longo de quatro anos”.
Precisarei de mais informação para analisar as alterações no MECI, mas já posso deixar algumas notas, além dos reparos acima apontados sobre a reforma do Estado em geral, que também se aplicam à apresentada neste ministério. Na Educação, uma alteração crucial não prevista seria descentralizar a contratação de professores para o nível do município ou mesmo das escolas.
No Ensino Superior, onde posso falar com mais propriedade, sem prejuízo de uma análise mais aprofundada quando estiver disponível informação mais detalhada, saúdo o reforço anunciado da autonomia das universidades, mas será preciso avaliar em que moldes. Quanto ao novo IES, será preciso também esperar por mais dados e futuros contactos para avaliar as melhorias que poderá aportar na relação com as instituições do Ensino Superior.
No Ensino Superior, onde posso falar com mais propriedade, sem prejuízo de uma análise mais aprofundada quando estiver disponível informação mais detalhada, saúdo o reforço anunciado da autonomia das universidades, mas será preciso avaliar em que moldes. Quanto ao novo IES, será preciso também esperar por mais dados e futuros contactos para avaliar as melhorias que poderá aportar na relação com as instituições do Ensino Superior.
Já no que respeita ao reforço preconizado da ligação entre ciência e inovação — que subscrevo inteiramente, dado ser crucial transformar conhecimento científico em valor económico e ganhos de produtividade — importa deixar um alerta: não se pode negligenciar a investigação fundamental, mesmo quando não apresenta aplicação prática imediata, pois é precisamente dela que decorre, a prazo, a investigação aplicada e as inovações tecnológicas e sociais que lhe estão associadas.
Acresce que devemos continuar a apoiar investigação em áreas do saber onde a conversão de conhecimento em valor económico é mais difícil, mas não menos relevante, incentivando abordagens interdisciplinares e novas formas de valorização.
Neste contexto, estranha-se que a recente afetação de recursos às unidades de investigação tenha penalizado, de forma significativa, aquelas que foram classificadas com “Muito Bom” — decisão que parece ignorar o mérito e os resultados já demonstrados. Só por ironia se poderá interpretar tal medida como alinhada com o reforço do sistema científico — a menos que se admita, ainda que com algum espanto, que a eliminação progressiva de unidades de investigação classificadas como “Muito Boas” passou a constituir um novo desígnio de política pública.
Essa abordagem – que considero errada, mudando as regras a meio do jogo – conflitua ainda claramente com a estabilidade do financiamento a quatro anos agora anunciada pelo ministro.
Por fim, no que se refere aos benefícios fiscais (BF), um relatório da U-Tax (Unidade Técnica de Avaliação de Políticas Tributárias e Aduaneiras) de julho, dando cumprimento a um dos marcos do PRR, estimou que a despesa fiscal (DF) subiu 5,7% em 2024, atingindo o valor mais alto de sempre em 2024 (20 395 milhões de euros, o equivalente a 7,2% do PIB) na série disponível, com início em 2015.
Foram avaliados 31 BF, que representam o grosso da despesa fiscal (77%). As recomendações da U-Tax vão no sentido de eliminar alguns BF, modificar outros e eliminar os restantes, representando uma poupança que pode ir até 1 763 milhões de euros, traduzindo 8,6% da DF, 11,3% da DF avaliada no relatório e cerca de 0,6% do PIB. Resta saber o que fará o governo com o relatório e as suas recomendações, depois de ter inscrito a revisão dos BF no seu programa eleitoral e de governo.
Se houver oportunidade, numa ocasião posterior analisarei mais ao detalhe o extenso relatório da U-Tax, que a meu ver peca, em alguns casos, por não avaliar corretamente a falha de mercado em causa, mas globalmente parece bem feito e detalhado (são 484 páginas). Penso que as poupanças poderão ser até superiores numa segunda análise mais refinada das falhas de mercado e cobrindo os demais 23% de DF.
A meu ver, a eliminação de BF injustificados deverá permitir uma redução mais forte das taxas nominais de IRS e IRC – onde a derrama estadual deverá ser também eliminada, para atrairmos investimento estruturante –, após acomodar novos BF que possam ser necessários para colmatar falhas de mercado ainda não atacadas. Contudo, sem uma reforma do Estado ambiciosa, que baixe de forma expressiva o peso da despesa corrente, será difícil prosseguir a redução de IRS e IRC, acomodando ainda um aumento do peso do investimento público – para fazer face à redução de fundos da UE nos próximos anos –, sem ter de subir outros impostos. Falta ver se o governo conseguirá trilhar este rumo desafiante, mas crucial.
Conclusão
O crescimento económico recente revela uma economia ainda demasiado exposta à conjuntura e a estímulos temporários – alguns deles promovidos pelo governo – que mascaram fragilidades estruturais.
A meta de crescimento económico do governo acima de 2% em 2025 poderá estar em causa face ao abrandamento do turismo e ao impacto das tarifas de Trump na economia, que os estímulos previstos poderão não contrariar na totalidade – não é certo que uma nova baixa do IRS volte a impulsionar o consumo das famílias (desta vez poderá ser poupada uma maior fatia, após compras elevadas no 4º trimestre de 2024) e a execução do PRR continua desafiante, apesar dos esforços do governo.
O elevado peso na economia do turismo (quase 12%) – que deve elevar o valor gerado por turista – exige uma aposta na indústria e serviços de alto valor acrescentado, para tornar a economia mais diversificada, resiliente e com um perfil de especialização de maior produtividade que possa pagar maiores salários.
Se nessas áreas falta definir políticas, noutras áreas foram anunciadas algumas reformas, que embora positivas na sua generalidade, são ainda pouco ambiciosas, faltando ainda articular as várias reformas.
Na flexibilização das leis laborais, devem evitar-se áreas sensíveis e focar a atenção nas mais relevantes para a competitividade. Na reforma do Estado, faltam níveis de intervenção – o territorial e a redefinição de funções do Estado – e metas quantificadas de evolução dos funcionários e de poupança de despesa corrente, que é crucial para acomodar a baixa da carga fiscal (de IRS e IRC, e global) e elevar o investimento público. A reforma do MECI terá de ir além da ‘cosmética’ na educação e salvaguardar a investigação fundamental na parte da ciência e inovação. A análise de benefícios fiscais deve ser ampliada e bem usada.
Sem reformas a sério, o eventual crescimento acima de 2% em 2025 será uma exceção, não a regra.
- e o turismo e as tarifas estarão a penalizar a economia a curto prazo, numa fase de grandes oscilações do PIB, não é certo que a baixa reforçada do IRS e os efeitos do PRR sejam suficientes para o Governo atingir a meta de um crescimento económico acima de 2% em 2025. Já as intenções do Governo na reforma administrativa, leis laborais e revisão dos benefícios fiscais parecem ir no sentido certo – com vista a um impacto positivo no PIB a médio e longo prazos –, mas continua a faltar ambição e objetivos condizentes.
Economia precisa de crescer 2% ou mais no 2º semestre para o governo atingir as metas
Os dados mais recentes do PIB apontam para um crescimento homólogo de 1,9% no 2º trimestre, em termos reais, segundo a estimativa rápida — ainda sujeita a revisões. Este resultado sucede a variações de 1,7% no 1º trimestre, 2,8% no 4º trimestre de 2024 e 2,0% no 3º trimestre do mesmo ano.
Como se esperava, houve uma retoma da dinâmica de crescimento homólogo no 2º trimestre, após as oscilações registadas no final de 2024 e início de 2025, mas a tendência recente é ainda de abrandamento – comparando os 2,0% no 3º trimestre de 2024, antes das oscilações, com os 1,9% no 2º trimestre de 2025, esgotada a maior parte dos efeitos temporários associados. Essas oscilações são mais percetíveis nas variações em cadeia (face ao trimestre anterior).
No 4º trimestre de 2024, registou-se uma subida em cadeia de 1,4% (dados ajustados de sazonalidade e de dias úteis), em termos reais, um valor bastante acima do normal que ficou ligado ao aumento extraordinário de pensões e à redução das retenções de IRS no final de 2024, estimulando o rendimento disponível e o consumo das famílias (subida real de 2,8%). Essa forte subida do consumo foi ainda promovida pelas campanhas promocionais dos distribuidores (como ‘Black Friday’ e Natal) para escoamento de stocks de produtos, tendo em conta a queda expressiva da variação de stocks, pela primeira vez desde a pandemia, acompanhada por uma descida significativa das importações de bens, que foi além da redução observada no investimento (FBCF).
Esta explicação é importante para perceber o que se seguiu, com o recuo em cadeia de 0,4% do PIB no 1º trimestre de 2025 (revisto de uma queda de 0,5% na primeira estimativa) a resultar, sobretudo, de uma correção em baixa de 1,1% no consumo das famílias – a rubrica com maior peso no PIB e geralmente a mais estável, com variações trimestrais de pouca magnitude –, esgotados os estímulos temporários ao rendimento disponível das famílias. A queda do consumo em valor absoluto mais do que compensou a subida da FBCF e, mesmo assim, as importações aumentaram de forma acentuada, traduzindo um efeito de reposição de stocks visível na retoma da variação de existências, que é consistente com a antecipação expectável de compras pelos produtores antes da entrada em vigor das tarifas de Trump – e de uma possível guerra comercial entre a União Europeia (UE) e os Estados Unidos da América (EUA), que na altura estava em cima da mesa. Ao mesmo tempo, as exportações totais registaram uma diminuição em cadeia.
Este enquadramento facilita a análise dos dados mais recentes. Segundo a estimativa rápida do INE, no 2º trimestre o PIB aumentou 0,6% em cadeia – e 1,9% em termos homólogos, como já referido –, significando que, após a queda de 0,4% no trimestre anterior, a variação acumulada no ano é de apenas 0,2%. Note-se que estes dados preliminares só têm informação qualitativa sobre as componentes do PIB.
A este respeito, o INE refere que “o contributo da procura externa líquida para a variação em cadeia do PIB foi menos negativo, tendo as exportações de bens e serviços registado um crescimento, após a redução observada no trimestre anterior. No mesmo sentido, o contributo positivo da procura interna aumentou, verificando-se um crescimento do consumo privado”. Isto significa que o consumo já terá uma trajetória positiva de magnitude normal (após a forte correção em baixa no 1º trimestre), que as exportações melhoraram e a variação das importações se terá reduzido.
Importa agora verificar qual a evolução necessária do PIB no 2º semestre para o governo atingir as suas metas de crescimento em 2025, que foram oscilando ao longo dos meses.
Se em outubro do ano passado o Governo apontou uma meta de 2,1%, que suporta as previsões do Orçamento de Estado de 2025, em abril deste ano subiu a fasquia para 2,4% na atualização do plano orçamental de médio prazo enviado a Bruxelas. Isto considerando projeções oficiais, pois, em fevereiro, depois de ter sido conhecida a forte subida do PIB no 4º trimestre, o ministro das Finanças chegou a apontar em público para um valor de 2,5%.
Mais recentemente, tanto o ministro das Finanças como o ministro da Economia e Coesão passaram a adotar uma formulação mais flexível de um “crescimento acima dos 2%”, que é compatível com todas as metas referidas antes e evita comprometerem-se com um valor exato, reduzindo assim o erro de previsão.
Segundo os meus cálculos, para cumprir as diferentes metas orçamentais, o crescimento homólogo do PIB no 2º semestre terá de ser o seguinte:
2,0% para atingir a meta anual de 2,1% inscrita no Orçamento do Estado;
2,6% para alcançar a meta mais ambiciosa de 2,4%, enviada a Bruxelas, pressupõe uma progressão homóloga de 2,6% no resto do ano;
2,8% para chegar à meta ainda mais ambiciosa de 2 5% avançada pelo Ministro das Finanças em fevereiro.
Mesmo um crescimento homólogo de 2,0% no 2º semestre poderá não ser fácil de alcançar, embora nesta altura pareça ainda possível, o que suportará o otimismo do ministro das Finanças. Isto porque a tendência recente, desconsiderando as oscilações referidas, é de abrandamento da economia, mas tal poderá ser contrariado pela redução adicional do IRS (com efeito ainda antes das eleições autárquicas) e pelos efeitos do PRR.
O problema é que o efeito da baixa de IRS sobre o PIB só ocorrerá se as famílias decidirem consumir o acréscimo de rendimento disponível (após as elevadas compras no final de 2024 poderão querer poupar), enquanto a execução do PRR tem sido problemática, mesmo com os esforços do governo para executar tudo até 2026. Mais importante, ainda que esses efeitos positivos se materializem, poderão ser contrariados pelo abrandamento do turismo e pelo impacto das tarifas de Trump na economia nacional.
Turismo em abrandamento poderá travar a dinâmica da economia já em 2025
Os dados da Conta Satélite do Turismo, recentemente atualizados pelo INE, evidenciaram um forte abrandamento da atividade turística em 2024, mas mantendo um peso elevado na economia.
O VAB (Valor Acrescentado Bruto) direto do turismo abrandou de um crescimento nominal de 17,0% em 2023 para 6,5% em 2024, já apenas marginalmente acima da evolução no conjunto da economia (6,2%), permitindo manter o peso no VAB total em 8,1%.
O abrandamento foi ainda maior no VAB direto e indireto (de uma variação de 17,4% para 5,6%) e no PIB direto e indireto (de 17,7% para 5,8%) – o PIB (Produto Interno Bruto) corresponde ao VAB mais os impostos sobre produtos líquidos de subsídios –, cujo peso baixou ligeiramente para 11,9% em 2024, perto do máximo de 12,0% em 2023.
De notar que os efeitos indiretos do turismo se reportam aos impactos noutros setores de atividade, sendo calculados através da matriz simétrica input-output desenvolvida nesta Conta Satélite específica.
Como venho a defender, Portugal precisa de evoluir para uma economia mais diversificada e com um perfil de especialização mais assente em tecnologia e conhecimento – com aposta em indústria e serviços de elevado valor acrescentado –, menos dependente das oscilações do turismo, um setor com produtividade e salários abaixo da média da economia. Este setor deve progredir no valor gerado por turista – desejavelmente com menos turistas, baixando a pressão sobre as infraestruturas, em particular a habitação, e o ambiente –, evoluindo na qualificação e na redução da sazonalidade, nomeadamente.
Regressando à análise de curto prazo, os dados da Conta Satélite mostram o esgotamento do surto de turismo pós-pandemia, como vinha a afirmar, que se confirma nos dados disponíveis de 2025.
As dormidas nos alojamentos turísticos cresceram 2,4% em termos homólogos no 1º semestre de 2025, que compara com 4,7% no mesmo semestre de 2024. Este abrandamento teve origem nos não residentes – crescimento de 1,0% face a 6,0% no 1º semestre de 2024 – e foi apenas parcialmente atenuado pela aceleração das dormidas dos residentes (6,0% face a 1,0%), cujo peso é bastante menor.
É certo que a maior parte da procura turística se concentra no 2º semestre, em particular nos meses de julho e agosto, pelo que será necessário aguardar pelos dados desse período. No entanto, a manter-se a tendência de abrandamento, tal poderá penalizar a evolução do PIB ao longo de 2025, atendendo ao peso significativo — sobretudo direto — do turismo na economia.
Efeito negativo das tarifas sobretudo indireto e ainda difícil de aferir, mesmo após o acordo EUA-UE
Quanto ao impacto das tarifas de Trump na economia portuguesa, ele será certamente globalmente negativo, mesmo com o recente acordo comercial provisório entre os EUA e a UE, que terá ainda de ser discutido em pormenor e ratificado nas instâncias europeias e parlamentos nacionais, até se passar a uma formulação legal determinada e detalhada aceite pelos dois blocos económicos. Por isso, prefiro esperar por mais dados para uma análise mais cabal do impacto do acordo em Portugal.
Nesta fase, refiro apenas que, se os impactos diretos das tarifas serão apenas relevantes em setores específicos não isentos – saliento que várias das isenções conhecidas são muito genéricas ou ambíguas – e com forte exposição ao mercado dos EUA, os impactos indiretos serão globalmente maiores em face da penalização da economia da UE, para onde as nossas empresas vendem mais de 70% dos bens produzidos.
Igualmente relevante poderá ser o desvio de investimento industrial para os EUA – incluindo o da Volkswagen, que a partir dos EUA pode abastecer esse mercado e parte do da UE sem tarifas, o que poderá significar menos investimento na Autoeuropa –, devido ao desequilíbrio do acordo, pois a UE não aplica tarifas aos bens dos EUA e enfrenta uma tarifa geral de 15% nos EUA (50% no aço e alumínio).
Porventura mais importante, falta conhecer também as formulações de outros acordos comerciais dos EUA, em particular com a China (estas negociações foram novamente estendidas), pois a UE será certamente um refúgio dos exportadores de muitos países do resto do mundo para escoarem os produtos que deixarem de vender nos EUA, com a China à cabeça, dependendo dos acordos bilaterais alcançados.
Por outro lado, como muitos outros países terão tarifas acima dos 15% conseguidos pela UE no mercado dos EUA, é possível que, em determinados setores, os exportadores portugueses até consigam ganhos de competitividade via tarifas no mercado norte-americano.
O problema é que, mesmo nessa situação, caso repassem parte ou totalidade das tarifas nos preços, a procura e as vendas poderão ressentir-se, tanto mais quanto menor o poder de mercado. Se não repassarem as tarifas, tal reduzirá automaticamente a sua margem de venda e os resultados.
Assim, a economia deverá ser afetada pelo impacto negativo das tarifas nas exportações nacionais para os EUA – agravada pela depreciação do dólar face ao euro –, requerendo a diversificação de mercados (difícil a curto prazo) e apoios do governo para esse efeito e com foco nos setores mais afetados.
Para mais informação sobre os efeitos estáticos e dinâmicos das tarifas – que no final poderão penalizar sobretudo os EUA, mas todos perdemos, com prejuízo para a globalização e a economia mundial –, poderão consultar uma crónica passada em que abordei o assunto de uma forma geral.
Falta ambição na flexibilização das leis laborais, reforma do Estado e revisão dos benefícios fiscais
Mais importante do que os impactos de curto prazo de algumas medidas e dados recentes, em matéria de crescimento económico, importa sobretudo a evolução de longo prazo, em que se esbatem efeitos temporários e relevam as tendências e medidas estruturais.
Importa, por isso, abordar desenvolvimentos recentes em matérias relevantes a esse respeito.
No que se refere às propostas de alteração da legislação laboral entregues pelo governo para discussão com os parceiros sociais, só faz sentido analisar de forma detalhada quando tiver mais informação (apenas conheço algumas medidas que apareceram na comunicação social) sobre as soluções acordadas.
Se as matérias de outsourcing, banco de horas individual e lei da greve são relevantes em abstrato (sem ter em conta as propostas concretas, que desconheço em todos os seus detalhes), por poderem impactar positivamente a economia, como referi na crónica anterior, confesso não perceber a pertinência de introdução de outros temas sensíveis e que poderão prejudicar entendimentos nas matérias cruciais.Estou a falar, concretamente das alterações ao luto gestacional e limite da licença de amamentação, temas de enorme sensibilidade.
Contudo, posso fazer uma breve análise preliminar intercalar à luz dos desenvolvimentos mais recentes. Se as matérias de outsourcing, banco de horas individual e lei da greve são relevantes em abstrato (sem ter em conta as propostas concretas, que desconheço em todos os seus detalhes), por poderem impactar positivamente a economia, como referi na crónica anterior, confesso não perceber a pertinência de introdução de outros temas sensíveis e que poderão prejudicar entendimentos nas matérias cruciais.
Estou a falar, concretamente das alterações ao luto gestacional e limite da licença de amamentação, temas de enorme sensibilidade. Por melhores que possam ser as intenções do governo, as reações foram muito negativas, pelo que deve abandonar rapidamente essas propostas, a meu ver, concentrando as atenções nas áreas que mais podem promover a competitividade.
A esse respeito, parece que o governo não terá sido suficientemente ambicioso, uma vez que as confederações patronais apontaram outras matérias relevantes que não foram colocadas à discussão e devem ser tidas em conta. Deverá ser ainda considerada a posição das confederações sindicais, de modo a alcançar-se um acordo equilibrado em prol da competitividade e melhoria das condições laborais.
Passo a uma análise breve dos desenvolvimentos recentes em matéria de reforma do Estado, que surgiram logo após a crónica da semana passada, em que critiquei a ausência desse tema crucial no debate do Estado da Nação. A estratégia apresentada parece bem delineada, o que é de saudar, mas peca por falta de ambição e ausência de metas, como refiro abaixo. Por outro lado, e importante a mensagem de que a reforma não é feita contra ninguém, mas alerto que não existem reformas ‘sem dor’ – haverá sempre quem possa ficar numa situação menos favorável em prol de um bem maior.
Por isso, tenho dito que as vozes de contestação são normais se a reforma for mesmo a valer – e houve imediatamente várias –, mas primeiro é preciso saber se vai no sentido certo, o que analiso abaixo.
O Conselho de Ministros de 31 de julho aprovou um conjunto de diplomas que dão início à reforma do Estado. Socorro-me da informação oficial colocada no portal do governo com base na conferência de imprensa que se seguiu.
Segundo o ministro Adjunto e da Reforma do Estado, Gonçalo Matias, a reforma “em alguns casos, já teve início no anterior Governo” do primeiro-ministro Luís Montenegro, nomeadamente “com a fusão das Secretárias-gerais e a criação de serviços transversais ao Governo” e “ganha agora um novo impulso com a criação do Ministério e as linhas orientadoras que o Conselho de Ministros aprovou”.
As linhas orientadoras estão contidas numa resolução onde se define que “todas as medidas têm por objetivo, com isto promovendo a competitividade económica a atração de investimento, a criação de riqueza e o bem-estar dos cidadãos”, o que se concretiza através de mecanismos para reduzir prazos de decisões públicas, dar previsibilidade sobre o tempo das decisões e eliminar pareceres desnecessários.
A reforma do Estado terá dois níveis.
O primeiro é “olhar para a orgânica dos Ministérios e fazer uma reorganização” dos serviços – começando pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação, cujo redesenho analiso abaixo –, numa fase que “vai decorrer até meados de 2026”.
O segundo nível é “a revisão dos procedimentos, com prioridade para os que têm maior interação com os cidadãos e as empresas, fazendo um levantamento exaustivo dos processos, dos tempos de decisão, dos estrangulamentos” e, depois, redesenhar estes processos. Tal exigirá, nalguns casos, a alteração da legislação relevante na Assembleia da República, como o Código do procedimento e do processo administrativos, o Código da contratação pública; a organização e funcionamento do Tribunal de Contas e a simplificação dos atos societários e da revisão dos licenciamentos comercial, industrial e urbanístico.
A Agência para a Modernização Administrativa (AMA) será reestruturada e “passará a chamar-se Agência para a Reforma Tecnológica do Estado (ARTE); o seu presidente será também Diretor de Sistemas e Tecnologias de Informação da Administração Pública (CTO na sigla inglesa), uma figura nova em Portugal.
Este diretor terá como função a liderança centralizada na transformação tecnológica do Estado, sendo a referência técnica e institucional, garantindo a interoperabilidade total de sistemas.
A ideia é “simplificar os processos e depois usar toda a tecnologia para acelerar os tempos de decisão”.
Gonçalo Matias referiu que o princípio “Só Uma Vez”, “previsto na Lei há 11 anos”, prevê que os cidadãos não tenham de entregar o mesmo documento mais de uma vez à Administração Pública, mas que “não está cumprido porque a Administração Pública não possui sistemas de informação que comuniquem entre si, que tenham interoperabilidade”.
Como referi, as linhas estratégicas de reforma do Estado parecem ir no sentido correto, começando pela orgânica e depois passando aos processos, a melhorar através da digitalização, mas faltam objetivos de poupança de despesa e, mais importante, falta um terceiro nível de repensar as funções do Estado, que poderá manter a provisão delegando a produção em áreas onde o setor privado seja mais eficiente.
Ao nível das poupanças, já deu para perceber que não haverá despedimentos nem redução de salários, como defendo, presumindo-se que as eventuais poupanças surjam da eliminação de chefias superiores e, sobretudo, da entrada de um menor número de funcionários face aos que se reformam – admitindo que a digitalização permitirá uma redução líquida de funcionários, se for bem feita –, mas faltou assumir isso. Seria, por isso, fundamental definir uma meta global claramente abaixo de um para o rácio de entradas de funcionários por cada um que sai, bem como por ministérios, e divulgar as previsões de quantos se irão reformar em cada um deles nos próximos anos, informação que o Estado deve (ou deveria) possuir.
Ao nível das poupanças, já deu para perceber que não haverá despedimentos nem redução de salários, como defendo, presumindo-se que as eventuais poupanças surjam da eliminação de chefias superiores e, sobretudo, da entrada de um menor número de funcionários face aos que se reformam – admitindo que a digitalização permitirá uma redução líquida de funcionários, se for bem feita –, mas faltou assumir isso.
Seria, por isso, fundamental definir uma meta global claramente abaixo de um para o rácio de entradas de funcionários por cada um que sai, bem como por ministérios, e divulgar as previsões de quantos se irão reformar em cada um deles nos próximos anos, informação que o Estado deve (ou deveria) possuir.
Está também por definir claramente o que está previsto relativamente a processos de mobilidade (dentro da mesma área, bem como realocação a outras áreas do Estado, se necessário com formação para reconversão profissional) para colocar os recursos humanos nas áreas em que fazem mais falta.
Continua a faltar um verdadeiro nível transversal de reforma administrativa territorial do Estado, que inclua a eliminação do nível das freguesias (cujo número até aumentou recentemente, numa direção oposta à racionalização desejada), a fusão de alguns municípios – que absorveriam a gestão das freguesias de forma mais eficiente – e a criação de regiões administrativas com limites claros ao endividamento. Trata-se de uma agenda que venho a defender de forma consistente, para nos aproximarmos das tendências dos países mais avançados da UE, e que permanece adiada. A ser adotada, essa reforma territorial influenciaria os dois níveis de reforma agora apresentados, que se tornam, por isso, incompletos, limitando o potencial de poupança e de libertação de recursos para a economia.
No mesmo Conselho de Ministros, foi aprovada a reforma orgânica do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) – no âmbito do primeiro nível da reforma do Estado –, que foi apresentada pelo Ministro Fernando Alexandre na conferência de imprensa. Os serviços centrais passam de 18 entidades para sete e de 45 para 27 dirigentes superiores.
Na Educação, a estrutura passará a estar centrada em duas entidades – o Instituto de Educação, Qualidade e Avaliação (EduQA) e a Agência para a Gestão do Sistema Educativo (AGSE) –, enquanto o Instituto para o Ensino Superior (IES) será o interlocutor das instituições de Ensino Superior, cuja autonomia será reforçada, segundo o Ministro.
A Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e a Agência Nacional de Inovação (ANI) serão fundidas na Agência para a Investigação e Inovação (AI²), que “liga a ciência à inovação e será fundamental para transformar o investimento científico em melhorias reais para o bem-estar da sociedade e da economia, garantindo um financiamento estável ao longo de quatro anos”.
Precisarei de mais informação para analisar as alterações no MECI, mas já posso deixar algumas notas, além dos reparos acima apontados sobre a reforma do Estado em geral, que também se aplicam à apresentada neste ministério. Na Educação, uma alteração crucial não prevista seria descentralizar a contratação de professores para o nível do município ou mesmo das escolas.
No Ensino Superior, onde posso falar com mais propriedade, sem prejuízo de uma análise mais aprofundada quando estiver disponível informação mais detalhada, saúdo o reforço anunciado da autonomia das universidades, mas será preciso avaliar em que moldes. Quanto ao novo IES, será preciso também esperar por mais dados e futuros contactos para avaliar as melhorias que poderá aportar na relação com as instituições do Ensino Superior.
No Ensino Superior, onde posso falar com mais propriedade, sem prejuízo de uma análise mais aprofundada quando estiver disponível informação mais detalhada, saúdo o reforço anunciado da autonomia das universidades, mas será preciso avaliar em que moldes. Quanto ao novo IES, será preciso também esperar por mais dados e futuros contactos para avaliar as melhorias que poderá aportar na relação com as instituições do Ensino Superior.
Já no que respeita ao reforço preconizado da ligação entre ciência e inovação — que subscrevo inteiramente, dado ser crucial transformar conhecimento científico em valor económico e ganhos de produtividade — importa deixar um alerta: não se pode negligenciar a investigação fundamental, mesmo quando não apresenta aplicação prática imediata, pois é precisamente dela que decorre, a prazo, a investigação aplicada e as inovações tecnológicas e sociais que lhe estão associadas.
Acresce que devemos continuar a apoiar investigação em áreas do saber onde a conversão de conhecimento em valor económico é mais difícil, mas não menos relevante, incentivando abordagens interdisciplinares e novas formas de valorização.
Neste contexto, estranha-se que a recente afetação de recursos às unidades de investigação tenha penalizado, de forma significativa, aquelas que foram classificadas com “Muito Bom” — decisão que parece ignorar o mérito e os resultados já demonstrados. Só por ironia se poderá interpretar tal medida como alinhada com o reforço do sistema científico — a menos que se admita, ainda que com algum espanto, que a eliminação progressiva de unidades de investigação classificadas como “Muito Boas” passou a constituir um novo desígnio de política pública.
Essa abordagem – que considero errada, mudando as regras a meio do jogo – conflitua ainda claramente com a estabilidade do financiamento a quatro anos agora anunciada pelo ministro.
Por fim, no que se refere aos benefícios fiscais (BF), um relatório da U-Tax (Unidade Técnica de Avaliação de Políticas Tributárias e Aduaneiras) de julho, dando cumprimento a um dos marcos do PRR, estimou que a despesa fiscal (DF) subiu 5,7% em 2024, atingindo o valor mais alto de sempre em 2024 (20 395 milhões de euros, o equivalente a 7,2% do PIB) na série disponível, com início em 2015.
Foram avaliados 31 BF, que representam o grosso da despesa fiscal (77%). As recomendações da U-Tax vão no sentido de eliminar alguns BF, modificar outros e eliminar os restantes, representando uma poupança que pode ir até 1 763 milhões de euros, traduzindo 8,6% da DF, 11,3% da DF avaliada no relatório e cerca de 0,6% do PIB. Resta saber o que fará o governo com o relatório e as suas recomendações, depois de ter inscrito a revisão dos BF no seu programa eleitoral e de governo.
Se houver oportunidade, numa ocasião posterior analisarei mais ao detalhe o extenso relatório da U-Tax, que a meu ver peca, em alguns casos, por não avaliar corretamente a falha de mercado em causa, mas globalmente parece bem feito e detalhado (são 484 páginas). Penso que as poupanças poderão ser até superiores numa segunda análise mais refinada das falhas de mercado e cobrindo os demais 23% de DF.
A meu ver, a eliminação de BF injustificados deverá permitir uma redução mais forte das taxas nominais de IRS e IRC – onde a derrama estadual deverá ser também eliminada, para atrairmos investimento estruturante –, após acomodar novos BF que possam ser necessários para colmatar falhas de mercado ainda não atacadas. Contudo, sem uma reforma do Estado ambiciosa, que baixe de forma expressiva o peso da despesa corrente, será difícil prosseguir a redução de IRS e IRC, acomodando ainda um aumento do peso do investimento público – para fazer face à redução de fundos da UE nos próximos anos –, sem ter de subir outros impostos. Falta ver se o governo conseguirá trilhar este rumo desafiante, mas crucial.
Conclusão
O crescimento económico recente revela uma economia ainda demasiado exposta à conjuntura e a estímulos temporários – alguns deles promovidos pelo governo – que mascaram fragilidades estruturais.
A meta de crescimento económico do governo acima de 2% em 2025 poderá estar em causa face ao abrandamento do turismo e ao impacto das tarifas de Trump na economia, que os estímulos previstos poderão não contrariar na totalidade – não é certo que uma nova baixa do IRS volte a impulsionar o consumo das famílias (desta vez poderá ser poupada uma maior fatia, após compras elevadas no 4º trimestre de 2024) e a execução do PRR continua desafiante, apesar dos esforços do governo.
O elevado peso na economia do turismo (quase 12%) – que deve elevar o valor gerado por turista – exige uma aposta na indústria e serviços de alto valor acrescentado, para tornar a economia mais diversificada, resiliente e com um perfil de especialização de maior produtividade que possa pagar maiores salários.
Se nessas áreas falta definir políticas, noutras áreas foram anunciadas algumas reformas, que embora positivas na sua generalidade, são ainda pouco ambiciosas, faltando ainda articular as várias reformas.
Na flexibilização das leis laborais, devem evitar-se áreas sensíveis e focar a atenção nas mais relevantes para a competitividade. Na reforma do Estado, faltam níveis de intervenção – o territorial e a redefinição de funções do Estado – e metas quantificadas de evolução dos funcionários e de poupança de despesa corrente, que é crucial para acomodar a baixa da carga fiscal (de IRS e IRC, e global) e elevar o investimento público. A reforma do MECI terá de ir além da ‘cosmética’ na educação e salvaguardar a investigação fundamental na parte da ciência e inovação. A análise de benefícios fiscais deve ser ampliada e bem usada.
Sem reformas a sério, o eventual crescimento acima de 2% em 2025 será uma exceção, não a regra.