Marcus Braga, OBEGEF
A discussão do triângulo da fraude continua atual, mas a metodologia da construção da obra de Donald Ray Cressey tem muito a nos ensinar em pleno Século XXI.
Donald Ray Cressey (27 de abril de 1919 - 21 de julho de 1987) se tornou notório pelo seu artigo “Other people's money; a study of the social psychology of embezzlement”, publicado nos Estados Unidos em 1953 e que serve de base teórica para o triângulo da fraude, uma ideia importada do triângulo do fogo (combustível, comburente e temperatura inicial) e que até hoje ainda pauta as discussões de causalidade e prevenção de fraudes, com evoluções de outros autores de quadriláteros da fraude e outras formas geométricas.
A obra de Cressey citada tem suas conclusões resumidas pelo trecho a seguir:
Pessoas confiáveis se tornam violadores da confiança financeira, quando elas consideram que têm um problema financeiro, que não pode ser compartilhado, e estão cientes de que este problema pode ser resolvido secretamente pela violação de confiabilidade e conseguem aplicar, à sua própria conduta, verbalizações que lhes possibilitem ajustar seus conceitos de si mesmas como pessoas confiáveis e como usuários de fundos e propriedades que a elas foram confiados.
Apesar de Cressey não utilizar essa tipologia geométrica, essas ideias foram se vulgarizando de forma didática pelo chamado “Triangulo da fraude”, como situações que favorecem a ocorrência destas, representadas pelos seguintes lados do triângulo: i) Pressão (ou Motivação); ii) Oportunidade; e iii) Racionalização.
Entretanto, pouca gente sabe da metodologia utilizada por Cressey para construir os conceitos que sustentam a ideia de triângulo da fraude. No seu doutoramento em criminologia na Universidade de Indiana (EUA), debruçando-se no comportamento de fraudadores, entrevistou cerca de 200 detentos condenados por fraudes e a partir daí construiu a sua tese, que permanece robusta até hoje.
A abordagem sistêmica do fenômeno da fraude sistematizando a causalidade em uma estrutura de aplicação viável foi de uma genialidade formidável, e possibilitou, em termos simples, a popularização dessa visão, o que permite a construção de dispositivos e de uma cultura antifraude nas organizações.
Passados mais de sete décadas, o fabuloso Cressey ainda nos alerta, nesse mundo hiperconectado, de redes sociais, da economia da atenção, das Fake News e da inteligência artificial, de que a fraude não importa pelo seu aspecto típico, pitoresco, e sim pela sua causalidade, pelo estudo da sua raiz, na discussão da suficiência das salvaguardas adotadas.
Sobressaltados por uma cultura de escândalos, esquecemos a lição de Cressey, de olhar as fraudes pelo seu aspecto sistêmico, estrutural e transversal, na busca de construir a mitigação mudando arranjos, fluxos e dispositivos, abordando a questão com maturidade e a sistematização necessária.
Uma visão plural e moderna que por vezes parece esquecida no debate atual da fraude, inflamado de moralismos e de maniqueísmos, ignorando tantos avanços no conhecimento da natureza humana, onde a obra do Cressey foi uma das robustas contribuições, e que precisam permear o debate, as políticas e normas no que se refere a luta de mitigação de fraudes em todas as espécies.