Maria Natália Gonçalves, Jornal i online

Quantos consumidores continuam a pagar mais, acreditando em promoções que são apenas variações de uma mesma pauta combinada?

Quem não suspira de satisfação com as parangonas da publicidade a uma boa promoção?

Em tempos de aperto no orçamento familiar, o consumidor português procura cada cêntimo de poupança. Compara preços, espera promoções, percorre folhetos. Mas e se lhe disserem que, durante anos, muitos dos preços nos supermercados foram artificialmente controlados? Será que o consumidor está mesmo a ser beneficiado pela concorrência? E se as promoções fossem apenas uma ilusão?

Parece teoria da conspiração — mas não é. O consumidor português olha para as prateleiras do supermercado com a fantasia de estar no meio de uma batalha épica entre a concorrência: folhetos coloridos, slogans de guerra — “preços mais baixos!”, “só hoje!” — e promessas de uma concorrência feroz. Mas lá atrás, nos bastidores, o espetáculo em cena pode ser outro; silencioso, mas bem articulado.

O histórico das grandes cadeias de distribuição alimentar nacionais não dá motivos para ficarmos tranquilos. Nos últimos anos, a Autoridade da Concorrência (AdC) revelou vários esquemas de cartelização de preços entre as principais cadeias de retalho alimentar pautados por condutas que, na prática, anulavam a concorrência — o que é ilegal segundo o Direito da concorrência, tanto nacional como europeu.

Têm sido várias as estratégias usadas, mas o recurso a fornecedores comuns que funcionam como ponte entre os retalhistas, alinhando os preços sem que estes precisem de se sentar à mesma mesa e firmar um acordo de preços de produtos alimentares é algo mais refinado.

Em 2021, a Autoridade da Concorrência desfez a ilusão e revelou o que muitos já desconfiavam: as supostas rivais da distribuição alimentar (Auchan, Modelo Continente e Pingo Doce) andavam a combinar preços com a ajuda de um intermediário. Um fornecedor de produtos de padaria — nada menos que a Bimbo Donuts — fazia o papel de mensageiro, entregando a cada distribuidora as condições combinadas e garantindo que ninguém se esquecia da deixa. Um verdadeiro hub-and-spoke, discreto e engenhoso.

A manobra era simples: em vez de se contactarem diretamente entre si (o que seria demasiado óbvio), usavam o fornecedor comum como enviado para alinhar valores e evitar “guerras de preços” — qual pesadelo moderno da rentabilidade capitalista. Comunicavam os preços uns aos outros, usando o intermediário e assim criando um alinhamento silencioso e eficaz. Era como jogar xadrez com peças combinadas — sem rivalidade, sem surpresa, sem espaço para o consumidor ganhar. O resultado? Preços estranhamente semelhantes nos corredores do pão embalado, menos descontos e um mercado viciado. A estratégia beneficiava todos os envolvidos — menos quem fazia fila na caixa.

Ao tempo, a justiça terá sido feita, mas quantas outras aparentes “guerras de preços” são apenas ensaios mal disfarçados de uma peça encenada? Quantos consumidores continuam a pagar mais, acreditando em promoções que são apenas variações de uma mesma pauta combinada? Quantas promoções são realmente ofertas e quantas são apenas atos combinados num palco de preços decorativos? No país onde a tendência para o “jeitinho” transparece, a fraude faz-se disfarçada de concorrência — e custa caro a quem menos o imagina.

As coimas aplicadas pela AdC — que já ultrapassam os 300 milhões de euros — são significativas, mas abrem espaço para dúvidas. Serão suficientes para dissuadir estas práticas num sector de margens grandes e lucros vigorosos? Ou serão apenas um custo “absorvível”, facilmente diluído no volume de negócios? Quando se trata de empresas com lucros multimilionários, a penalização pode ser tratada como um simples custo de operação?

Mais preocupante é o impacto invisível. Quantos milhões de euros a mais pagam os portugueses por produtos essenciais? Como se mede o dano à confiança do consumidor? Quem indemniza as famílias pelos anos de sobrepreço silencioso? E o mais inquietante: que garantias temos de que isto não continua, com outros protagonistas, noutros moldes, com outras regras? Quem garante que a próxima promoção, afinal, não é apenas mais um teatro de fachada?

Portugal orgulha-se de ser uma economia de mercado, baseada na livre concorrência, onde o consumidor tem escolha. Mas para que essa escolha seja real, é preciso mais do que lojas abertas. É preciso concorrência verdadeira, fiscalização efetiva e, sobretudo, respeito pelos direitos de quem enche o carrinho — muitas vezes, com sacrifício.

Por tudo isto, aguardamos com expectativa o resultado final do recurso de impugnação judicial da decisão final da AdC apresentado pela Bimbo Donuts, Modelo Continente, Pingo Doce e Auchan, bem como da ação popular interposta em novembro de 2024, contra a Bimbo Donuts Portugal, Lda, no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão e que busca a reparação civil aos consumidores.

Quando a livre concorrência é sabotada, todos perdem. Não basta punir; é preciso vigiar, corrigir e educar.