Sofia Nair Barbosa, Jornal i online

As reformas legais que o país implementou nos últimos anos são significativas. Mas a transformação ética e institucional só será real quando a prevenção da fraude deixar de ser um exercício legal e passar a ser uma convicção cultural.

Nos últimos anos, Portugal deu passos firmes na construção de um quadro legal moderno e exigente para prevenir a fraude, a corrupção e os abusos de poder. Entre novas obrigações legais, códigos de conduta, canais de denúncia e programas de integridade, o país colocou as bases de um sistema que responde não só a compromissos europeus, mas também a uma exigência crescente da sociedade: mais transparência, mais responsabilização, mais confiança nas instituições. Mas quem conhece o terreno sabe: a lei é essencial, mas não é suficiente. A maturidade ética de um país não se impõe — constrói-se. E essa construção passa pelas lideranças, pelos exemplos e pelas escolhas do quotidiano institucional.

É importante reconhecer com clareza que o Regime Geral de Prevenção da Corrupção, a Lei de Proteção de Denunciantes, os mecanismos anticorrupção no âmbito do Portugal 2030 e os códigos de conduta exigidos a entidades públicas e privadas representam um salto qualitativo no combate à fraude. Pela primeira vez, a integridade organizacional deixou de ser uma questão de reputação — passou a ser uma obrigação legal e estrutural. E isso altera comportamentos, modelos de decisão e formas de gestão.

Mas como em tantas reformas estruturais, a força da mudança não está na norma — está na prática. Publicar um código de conduta ou criar um canal de denúncia são pontos de partida necessários, mas não são, por si só, transformadores. O verdadeiro desafio é garantir que esses instrumentos não vivem apenas nos documentos, mas são compreendidos, usados e respeitados no quotidiano.

Há exemplos que mostram que isso é possível. Em algumas entidades públicas, os canais de denúncia deixaram de ser meros formulários escondidos num site e tornaram-se vias acessíveis, independentes e protegidas. Noutras organizações, a formação ética não ficou confinada a um módulo e passou a fazer parte dos processos de recrutamento, avaliação e decisão — integrando a integridade no funcionamento real da instituição.

Mas ainda subsiste um desfasamento preocupante entre o que está instituído e o que está interiorizado. Há organizações onde os mecanismos foram implementados para constar, mas não têm verdadeira autonomia. Canais de denúncia geridos pela própria hierarquia, códigos de conduta que não são acompanhados de exemplo nem consequência, e decisões informais que continuam a sobrepor-se às regras escritas. Nesses contextos, a prevenção torna-se teatro burocrático — e a fraude, uma consequência previsível.

A cultura de integridade constrói-se quando as lideranças assumem que prevenir a fraude é uma prioridade operacional, quando os colaboradores sentem segurança para alertar e sugerir, e quando a organização entende que a reputação não se protege com silêncio — mas com ação.

Na prática, isso significa adotar medidas tangíveis: garantir que os canais de denúncia são realmente independentes e geridos por entidades externas ou por estruturas com autonomia funcional; assegurar que todos os colaboradores — e não apenas os quadros superiores — recebem formação regular sobre dilemas éticos e comportamentos de risco; incluir critérios de integridade nos processos de avaliação de desempenho; e, sobretudo, agir rapidamente e com transparência quando surge uma denúncia, comunicando internamente as medidas tomadas, sempre com salvaguarda da confidencialidade.

Há casos encorajadores em que denúncias internas foram acolhidas com seriedade, resultando na revisão de procedimentos e no reforço dos controlos internos — sem penalizar quem teve a coragem de alertar. A legislação portuguesa abre a porta. Mas só a cultura institucional pode atravessá-la — com ações concretas, não apenas com boas intenções.

A construção de uma cultura ética exige, acima de tudo, método. E esse método faz-se com pequenas decisões: escolher plataformas externas para denúncias, integrar dilemas reais nas formações, avaliar comportamentos — não só resultados — e agir com transparência quando algo corre mal. Quando estas práticas se tornam parte da rotina institucional, a integridade deixa de ser uma promessa. Passa a ser um hábito. E é aí que começa a verdadeira mudança.