Aldo Andreta, OBEGEF
Corrupção não ocorre de maneira aleatória. Uma conjuntura de fatores — entre eles os legais — propicia que agentes mal-intencionados criem mecanismos para a obtenção indevida de valores. E quando não é possível retirar diretamente dinheiro do ente público, esses criminosos operam por meio de instituições estatais para causar prejuízo a parcelas vulneráveis da população, aproveitando-se de sua fragilidade social. Os controles até funcionaram em algum momento, mas a inércia permitiu que os atos continuassem. Juntando tudo isso, temos a receita pronta. Só que o prato é indigesto.
Dias atrás, ouvi um podcast em que um ex-presidiário, pertencente a uma das maiores facções criminosas do Brasil, narrava sua experiência. Preso por assalto a banco, tráfico internacional de drogas e outros crimes, ele contou como foi dividir cela com criminosos do colarinho branco, principalmente durante a época em que grandes operações de combate à corrupção, como a Lava Jato, estavam em curso.
Segundo ele, foi a primeira vez que se sentiu "inferiorizado" no mundo do crime. Afinal, arriscara a vida em ações violentas e clandestinas, enquanto seu companheiro de cela — que nem se considerava um criminoso — lucrou infinitamente mais apenas com uma caneta.
Durante sua longa trajetória no sistema prisional, o ex-presidiário transitou entre alas destinadas aos chamados "criminosos comuns" e outras reservadas a presos com nível superior ou com prerrogativas especiais. Ali, notou não apenas o abismo social, mas também a diferença brutal no poder de influência desses detentos sobre o sistema político e institucional.
Fiquei refletindo, tentando identificar casos concretos onde esse poder de influência se materializa e, de alguma forma, permite ou estimula a corrupção — direta ou indiretamente. E não precisei ir muito longe. Basta lembrar do caso recente dos “descontos indevidos em aposentadorias”, descoberto aqui mesmo, no Brasil, que causou prejuízos a inúmeras pessoas — justamente aquelas para quem poucos reais fazem toda a diferença. (https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2025/05/06/golpe-no-inss-como-funcionava-a-fraude-e-como-receber-o-dinheiro-de-volta.htm)
A fraude consistia em obter o consentimento de aposentados para descontos de pequenos valores em seus benefícios, sob o pretexto de contribuição para pseudo associações que supostamente defenderiam seus interesses e lhes ofereceriam vantagens em comércios.
A intenção até poderia parecer legítima, não fosse pela forma desastrosa — para não dizer proposital — com que tudo foi conduzido. Primeiramente, os descontos são legais e foram criados com o propósito de permitir que instituições sérias oferecessem benefícios reais aos aposentados. Mas, em 2019, uma alteração legislativa flexibilizou a forma de adesão de novos associados. O INSS, responsável por validar as entidades envolvidas, passou a aceitar registros sem realizar a devida diligência, sem qualquer comprovação mínima de capacidade técnica ou operacional.
Em 2022, com o crescimento desse cadastro flexibilizado, aposentados começaram a relatar descontos indevidos. As queixas, porém, foram ignoradas por quem deveria prestar esclarecimentos e agir.
Temos, portanto, os principais ingredientes da receita:
– Uma alteração legislativa que abriu margem para fraudes;
– Um cadastro negligente de entidades;
– Reclamações ignoradas;
– Controles internos que identificaram o problema, mas não foram acompanhados das providências necessárias.
Quando os órgãos de controle finalmente sinalizaram a existência de irregularidades, a expectativa era de suspensão imediata dos procedimentos. No entanto, optou-se pela inércia — deixar como está, mesmo diante do evidente risco de dano.
Para que um controle detectivo seja realmente eficaz, não basta apenas identificar o problema: é preciso garantir que as providências cabíveis sejam tomadas por quem detém a responsabilidade. Caso contrário, temos a perpetuação da ineficiência do poder público.
Agora, junte tudo isso: mudança na lei, fiscalização frágil, reclamações ignoradas e ações proteladas. Pronto. A receita está feita. Não é um prato elegante, tampouco uma sobremesa sofisticada. Mas é bonito por fora — e indigesto por dentro.
Felizmente, ainda contamos com instituições como a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Polícia Federal, que não permitem que casos como esse escapem ao crivo das investigações.
Apesar de avanços legais e da existência de políticas anticorrupção, a esperteza jurídica, aliada à criatividade de quem frauda, ainda encontra muitas brechas. E desta vez, os prejudicados foram os aposentados — cidadãos que dependem essencialmente de seus benefícios para sobreviver.
Espero, com estas palavras, ter dado minha contribuição para que possamos, ao menos, refletir sobre a fragilidade da nossa estrutura de integridade pública — e sobre o quanto ainda precisamos evoluir.