Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
Portugal registou, em 2025, a maior queda de sempre no Índice de Qualidade das Elites (2,3 pontos, para 56,0), atingindo o mínimo da série iniciada em 2020 e levando a uma queda de cinco posições no ranking internacional, para 30º em 151 países. Embora Portugal se mantenha ainda no primeiro quintil de países, estes resultados devem ser motivo de séria reflexão, pois refletem uma realidade preocupante: a perda de influência económica, fruto de fragilidades estruturais e um modelo económico não competitivo.
O índice EQx (na sigla inglesa) é produzido pela Universidade de St. Gallen, sendo a análise dos dados de Portugal assegurada pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP). O EQx baseia-se na teoria da elite do desenvolvimento económico, em que as elites são definidas como os modelos empresariais dominantes na economia política das nações, avaliando se criam valor líquido para a sociedade – significando que há mais para distribuir por todos – ou se o extraem em benefício próprio, em detrimento da população. A edição deste ano considerou 149 indicadores, agrupados, como habitualmente, em quatro grandes dimensões: poder económico, poder político, valor económico e valor político.
A evolução desfavorável em 2025 está associada à perda de poder e valor económico.
Na dimensão de poder económico das elites, realce para o recuo expressivo no pilar de “destruição criativa” – que avalia a renovação dinâmica do tecido económico –, devido à introdução de dois novos indicadores relativos ao investimento privado em inteligência artificial (IA), uma área em que Portugal surge mal colocado. Tal revela dificuldades do nosso país na captação de investimento em tecnologias cruciais para a inovação.
Já a perda de valor económico resultou do agravamento de várias fragilidades estruturais: fraco crescimento da produtividade laboral, elevada taxa de desemprego jovem, maior fuga líquida de talento, reduzida participação na força de trabalho e dificuldades no acesso à habitação.
Apesar de as componentes de poder e valor político terem tido pouca influência na evolução do EQx em 2025, assinalo mexidas em indicadores relevantes, algumas negativas e outras positivas, que se compensaram. No domínio do poder político, a deterioração em indicadores ligados à corrupção, desigualdade de rendimento, liberdade académica e complexidade regulatória foi contrariada por melhorias na liberdade de imprensa, empoderamento feminino, distribuição da riqueza, qualidade da regulação e direitos humanos. No valor político, realço a evolução negativa nos indicadores de serviços públicos online, taxa de mortalidade por abuso de substâncias e eficácia da cobrança de impostos, bem como a manutenção de uma elevada taxa de IRC (114ª posição), aspetos que devem ser corrigidos pelos nossos governantes; pela positiva, assinalo o forte progresso no rácio da dívida pública no PIB – subida da 137.ª para a 63.ª posição –, que tem vindo a baixar significativamente (o que importa manter), e o melhor desempenho ambiental.
Numa análise retrospetiva, a evolução da qualidade das elites de Portugal em 2025 confirma uma tendência de deterioração desde o período pré-pandemia (ou seja, desde a primeira edição, em 2000, com indicadores relativos a 2019), traduzindo perdas significativas na capacidade de geração de valor económico que superaram os ganhos no valor político e, em particular, no poder político e económico, ainda que este último tenha sido bastante penalizado nesta edição, como referido. Esta tendência de redução da qualidade das elites – ligada a fragilidades estruturais internas que determinam um modelo económico pouco competitivo – dificulta uma resposta eficaz aos desafios globais cada vez mais complexos.
A nível internacional, países como a Singapura (1º lugar em 2025, tal como em 2024), EUA (2º), Suíça (3º) ou mesmo a China (19º) mostram que qualidade das elites é um motor crucial do desenvolvimento económico, pois molda tanto os sistemas inclusivos como os extrativos.
A incorporação de novos indicadores de investimento privado em IA parece ter sido decisiva na subida de várias posições dos EUA e da China nesta edição, enquanto Portugal aparece mal posicionado, como referido, mas o mal parece ser europeu, influenciando os rankings. Em 2025, no Top 10 do EQx restam apenas três países europeus – Suíça, Reino Unido e Alemanha –, dos quais apenas a Alemanha pertence à União Europeia.
No que se refere aos EUA, será interessante verificar, para o ano, o que sucede ao índice EQx em 2026, sob influência da segunda Administração Trump e os efeitos de várias políticas, no mínimo, muito questionáveis, desde logo a guerra das tarifas, mas também o ataque à Academia e outras instituições dos EUA, sendo ainda importante acompanhar à dívida soberana dos EUA, cujo rating triplo A já foi retirado pela agência Moody’s.
O índice EQx é relevante porque oferece uma perspetiva única sobre a criação de valor sustentável de um país e o seu potencial crescimento a longo prazo.
Complementando a análise evolutiva anterior, a seguir elenco vários rankings em indicadores importantes do índice EQx de 2025 que confirmam a reduzida competitividade do modelo económico de Portugal, limitando o potencial de crescimento económico do país. O baixo investimento (101ª posição na Formação Bruta de Capital) é consistente com a reduzida competitividade fiscal – 108ª na carga fiscal, medida como desvio face ao ótimo, para o que contribui a 114ª no IRC – e a complexidade da regulação (75ª). O défice de investimento penaliza a evolução da produtividade do trabalho (90ª) e o potencial de crescimento do país, refletindo-se numa taxa de desemprego elevada (102ª), sobretudo entre os jovens (114ª), apesar de apresentarem, em média, níveis de qualificação superiores à população em geral.
Isto evidencia também problemas de desfasamento entre as competências oferecidas pelos trabalhadores – incluindo os mais jovens, saídos das escolas e do Ensino Superior – e as requeridas pelas empresas. Estas são, na sua grande maioria, de pequena dimensão e baixo valor acrescentado, não espantando, por isso, os rankings modestos na complexidade da economia (40ª) e diversificação do mercado doméstico (46ª posição), ligados a um perfil de especialização em atividades com pouca intensidade em conhecimento e tecnologia.
A agravar tudo isto estão os custos elevados com a saúde (113ª) e a habitação (54ª), bem como a elevada desigualdade na distribuição da riqueza (85ª) e rendimento (64ª), com base no coeficiente de Gini, revelando a insuficiência das políticas públicas nestas áreas.
Conclusão: um apelo à ação
A descida histórica no Índice de Qualidade das Elites deve ser encarada como um sinal de alarme. É imperativo que o novo governo adote uma abordagem proativa, implementando finalmente reformas estruturais que promovam a competitividade na atração de investimento – desde logo, a baixa da carga fiscal, em particular do IRC, e a simplificação da regulação –, bem como a inovação e a criação de valor económico, elevando o perfil de especialização da economia e a capacidade de absorver, reter e atrair talento. Políticas públicas mais eficazes na saúde, na habitação e na redução das desigualdades em geral são também passos importantes para o desenvolvimento económico e social do país, olhando para as áreas de maior fragilidade. Importa ainda corrigir a evolução preocupante em 2025 em indicadores ligados à corrupção, liberdade académica, serviços públicos online, taxa de mortalidade por abuso de substâncias e eficácia da cobrança de impostos.
A responsabilidade recai sobre todos nós para promover uma mudança de paradigma que permita a Portugal alcançar maiores níveis de desenvolvimento, exigindo muito mais dos nossos líderes, em particular os decisores políticos e líderes empresariais. Estes deverão ter também uma postura mais proativa e influente no sentido da melhoria das políticas da União Europeia, que já só tem a Alemanha no Top 10 do EQx em 2025.