Óscar Afonso, Dinheiro Vivo

A leitura comparada dos programas eleitorais do Partido Socialista (PS) e da Aliança Democrática (AD), no que respeita à valorização do interior, à coesão territorial, e à descentralização – incluindo a regionalização –, permite identificar padrões consistentes de abordagem à organização territorial do Estado, bem como diferenças de ênfase, metodologia e grau de concretização programática.

Uma evidência transversal é a persistência de um modelo de desenvolvimento com forte peso da Área Metropolitana de Lisboa (AML), que continua a concentrar uma parte significativa do investimento público nacional, especialmente nas áreas de mobilidade, infraestruturas e serviços públicos.

Relativamente ao interior, o PS propõe a criação de um "Pacto para o Interior" para regiões de baixa densidade, contemplando medidas como um programa transversal de atração e apoio ao Investimento para o interior e incentivos para que famílias e jovens aí se instalem, a que se junta um outro conjunto de medidas onde se incluem a eliminação faseada de portagens em autoestradas do interior sul (A6, A2, A25), o desenvolvimento de soluções de mobilidade sustentável no interior (através da reativação de linhas ferroviárias regionais, reforço de transporte público intermunicipal e expansão da mobilidade elétrica), apoiar a especialização e qualificação das instituições de ensino superior e de investigação situadas nestes territórios e definir uma estratégia de localização de serviços públicos do Estado central fora da AML. No entanto, o programa não explicita o montante total alocado a estas medidas nem o peso relativo no conjunto do investimento público previsto, o que limita a capacidade de aferir o seu impacto orçamental efetivo e o grau de compromisso com uma política ativa de reequilíbrio territorial.

Já o programa da AD propõe o redesenho do Programa Nacional de Valorização do Interior, mas com pouco detalhe, referindo apenas apoios à recuperação de habitação em aldeias, eventuais incentivos fiscais para famílias e empresas que se relocalizem em territórios de baixa densidade, e capacitação das universidades e politécnicos nesses territórios de baixa densidade via PRR e PT-2030, visando criar polos de inovação e fixação de populações. Trata-se de uma abordagem programática com menor grau de territorialização e detalhe operacional. Também aqui não há qualquer menção às verbas envolvidas nas propostas.

No domínio da descentralização, ambos os programas reconhecem a necessidade de aprofundar os processos iniciados nas últimas legislaturas. O PS propõe rever a Lei de Finanças Locais, reforçar o papel das Comunidades Intermunicipais (CIM) e das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), e promover uma lógica de contratualização entre níveis de governação (Contratos Programa “Estado Região”). Prevê ainda a dinamização do processo em curso de democratização das CCDR, através da eleição direta dos seus presidentes. No que se refere à regionalização, o PS apresenta uma proposta estruturada, com previsão de referendo durante a legislatura, elaboração de estudos técnicos e definição de um plano de transição para regiões administrativas. A descentralização é encarada como uma transformação institucional do Estado.

A AD propõe apenas a continuidade da reforma descentralizadora iniciada em 2014-2015, com foco na subsidiariedade e reforço das CIM, propondo ainda adequar a Lei das Finanças Locais e demais instrumentos normativos ao processo de descentralização, mas não prevê alterações ao modelo das CCDR nem inclui qualquer proposta sobre regionalização. Ao contrário do PS, a descentralização é entendida como reorganização funcional da administração pública e não como reconfiguração institucional do poder territorial. Esta divergência evidencia abordagens distintas ao modelo de organização territorial e à questão da proximidade democrática na definição de políticas públicas.

A análise da distribuição de investimento público em transporte prevista em ambos o programas revela uma concentração significativa na AML. O programa do PS prevê investimentos na Linha Violeta do Metro de Lisboa, a reavaliação da Linha Circular, a integração de sistemas ferroviários entre margens (Lisboa, Sul do Tejo), a expansão dos suburbanos até Torres Vedras e o reforço das ligações fluviais. O custo agregado destes investimentos será volumoso, mas não é especificado.

A Área Metropolitana do Porto (AMP) surge com menor densidade de propostas, centradas na conclusão das linhas Rosa e Rubi do Metro do Porto, na extensão da Linha de Leixões e na integração da Linha do Vouga no sistema Andante, procurando ainda assegurar o avanço dos projetos para a terceira fase do metro do Porto, na mesma sem qualquer quantificação dos valores envolvidos, mas certamente será inferior ao da AML.

O programa da AD, embora menos detalhado territorialmente, apresenta também grandes projetos centrados na AML, como o novo aeroporto (Alcochete), a terceira travessia do Tejo (Chelas-Barreiro), investimentos em alta velocidade e reforço da frota ferroviária. Medidas como o passe ferroviário gratuito e a gratuitidade para jovens, embora de âmbito nacional, terão impacto mais imediato nos territórios com redes de transporte mais densas, como Lisboa e Porto. Estima-se que cerca de 1,4 milhões de pessoas vivem em concelhos que não dispõem de qualquer ligação ferroviária ativa, o que corresponde a uma parte significativa da população e a uma larga maioria da área territorial de Portugal continental.

De notar que uma parte significativa do investimento em transportes previsto no PRR está concentrada nas AML e AMP, sobretudo em projetos de expansão das redes de metro e mobilidade urbana. Embora essa concentração se justifique em parte pela maior densidade populacional e económica destas regiões, levanta questões quanto à equidade territorial na distribuição do investimento público, tendo em conta as carências estruturais persistentes no interior do país. Trata-se de uma questão transversal aos dois programas, que não parecem contrariar essa tendência, pelo contrário.

Relembro ainda a inexistência de serviços ferroviários regulares em várias capitais de distrito do interior do país, contrastando de forma evidente com os planos de expansão do metro e da ferrovia na AML, onde se preveem novas ligações entre concelhos separados por poucos quilómetros.

Conclui-se que ambos os programas, embora com formulações e estratégias distintas, refletem um padrão de forte concentração de investimento e planeamento na AML. Enquanto o PS explicita propostas mais detalhadas para essa região, a AD centra a sua agenda em grandes decisões infraestruturais com impacto nacional, mas localização metropolitana. Em ambos os casos, verifica-se uma ausência de mecanismos explícitos de correção das assimetrias territoriais no plano orçamental ou de planeamento de médio prazo, o que levanta desafios à concretização de uma verdadeira coesão territorial.

A análise dos programas eleitorais, assim estruturada, permite identificar áreas de atuação política com diferentes níveis de concretização, mas não permite, por si só, aferir a superioridade de um modelo sobre o outro. O que se evidencia é a necessidade de reforçar os critérios de equidade geográfica na formulação de políticas públicas, assegurando que o local de residência não continue a ser um determinante estrutural das oportunidades de acesso a serviços e infraestruturas.