Óscar Afonso, Dinheiro Vivo

Bem sei que nos é repetidamente transmitida a ideia de que os indicadores económicos estão “no bom caminho”. Que, em 2024, mantivemos um excedente orçamental, o peso da dívida pública no PIB voltou a descer e a economia nacional registou, mais uma vez, crescimento. Mas uma leitura minimamente atenta – e séria – dos dados conta-nos outra história. Uma história menos confortável, mais difícil de enfrentar, mas absolutamente necessária de contar: Portugal está a crescer pouco, mal e de forma ilusória.

Portugal aproxima-se perigosamente da fronteira entre a resignação e o declínio. O crescimento económico previsto para 2025, estimado pelo Banco de Portugal em 2,3%, tem sido apresentado como sinal de vitalidade. Mas essa leitura é, no mínimo, ingénua. Dos 2,3%, 1,4 pontos percentuais correspondem a um efeito puramente estatístico – um carry-over resultante do crescimento inesperadamente elevado no quarto trimestre de 2024. Se a economia não crescer absolutamente nada ao longo de 2025, o PIB crescerá, ainda assim, 1,4% no final do ano. Estamos a caminhar sem mexer as pernas – e a aplaudir o movimento.

Este crescimento ilusório traduz-se numa distorção de perceção que pode ter consequências graves. Sem reformas estruturais, o crescimento cairá para 2,1% em 2026 e apenas 1,7% em 2027. Num cenário de tensão geopolítica acrescida e tarifas adicionais impostas aos produtos europeus, o crescimento pode não ir além de 1,4%. A partir de 2026, o efeito PRR dissipa-se. E com ele dissipa-se também o véu que tem encoberto a fragilidade estrutural da economia portuguesa.

Estamos, pois, perante uma economia sem tração própria. Uma economia que cresce por inércia externa: turismo, fundos comunitários e consumo privado. E mesmo este último começa a dar sinais de esgotamento: após um crescimento robusto de 3,2% em 2024, o consumo privado abrandará para 2,8% em 2025 e 1,8% nos dois anos seguintes, refletindo a erosão do rendimento disponível real.

Ao mesmo tempo, assistimos a uma deterioração silenciosa da competitividade externa. Em 2024, a carga parafiscal aumentou de 10,5% para 10,8% do PIB – um sinal claro de que os custos laborais estão a crescer acima da produtividade. A consequência imediata? Perda de competitividade. A consequência estrutural? Estagnação. O salário mínimo representa já 68% do salário mediano, o valor mais elevado da zona euro. Sem ganhos de produtividade, aumentos salariais sustentados são insustentáveis. Redistribuir sem crescer é socializar a pobreza.

A verdade nua e crua é esta: Portugal está a empobrecer lentamente enquanto continua convencido de que está a prosperar. Desde 1999, o nosso crescimento médio anual tem sido de apenas 1%. A manter-se esse ritmo, demoraremos 70 anos a duplicar o PIB per capita. Durante esse tempo, países que antes víamos como “periféricos” – como a Roménia – ultrapassar-nos-ão, como já antecipa a Comissão Europeia para 2026, ano em que Portugal será o sétimo país com pior nível de vida da UE.

Mas há uma alternativa. Um estudo recente da Faculdade de Economia do Porto (FEP) estima que, para Portugal atingir o nível médio de vida da atual UE até 2033, é necessário crescer, de forma sustentada, na

casa dos 3% ao ano durante toda a próxima década – ou, em termos de diferencial, pelo menos 1,4 pontos percentuais acima da UE em cada ano, em média, uma meta mais robusta. Não se trata de uma ambição irrealista. Portugal cresceu acima de 3% ao ano, por exemplo, nas décadas de 1980 e 1990. O que falta hoje não é capacidade. É vontade política.

Alcançar esse crescimento não se faz com remendos. Exige reformas profundas e simultâneas em várias frentes. Deixo algumas ideias.

1. Reformar o Estado a sério. O Estado continua excessivamente orientado para despesa corrente, para a manutenção de estruturas e processos ineficientes. É necessário um choque de eficiência. Menos redundância, menos burocracia, mais investimento reprodutivo. A gestão pública deve ser orientada por objetivos mensuráveis, meritocracia e responsabilização – os pilares de qualquer administração moderna.

2. Reestruturar o sistema fiscal urgentemente. Portugal tem uma das cargas fiscais mais elevadas da sua história. A carga fiscal total atingiu 35,7% do PIB em 2024, muito perto do máximo histórico (35,9%). A carga de impostos desceu ligeiramente, mas as contribuições sociais subiram mais, em percentagem do PIB – penalizando o custo unitário do trabalho e a margem das empresas -, pelo que o rácio de carga fiscal acabou por subir, ainda que de forma ligeira. É imperativo reduzir a taxa de IRC, começando por abolir a derrama estadual progressiva, e continuar a baixar o IRS, tendo em vista incentivar o investimento e a retenção de talento. Urge ainda criar um regime único de IRS Novo Talento – substituindo o IRS Jovem e outros regimes avulsos não acessíveis a todos os contribuintes no ativo (programas Regressar e IFICI+, o substituto do Regime de Residente Não Habitual) -, com deduções sobre o rendimento do trabalho após a conclusão de ciclos de estudos superiores, aplicáveis a portugueses, emigrantes e imigrantes das varias faixas etárias - afastando assim questões de constitucionalidade e simplificando o sistema fiscal, tornando-o também mais justo. Assim, o regime abrange não apenas os jovens, mas também às gerações anteriores, que são relativamente menos qualificadas, explicando o nosso mau posicionamento na qualificação média dos recursos humanos no contexto europeu – este incentivo à (re)qualificação é, assim, muito relevante para eliminarmos o nosso défice de produtividade face à União Europeia

A revisão e eliminação dos benefícios fiscais é também urgente, permitindo aumentar a base fiscal e tornar o sistema fiscal mais justo - até porque são os agentes económicos com maior capacidade económica, tanto empresas como cidadãos, os que melhor aproveitam estes benefícios -, simples e transparente, o que é também muito importante para a atração de investimento, abrindo ainda margem orçamental para baixar mais as taxas de IRC e IRS.

3. Redesenhar o modelo económico sem nostalgia, mas com ambição. Portugal precisa de se desacoplar de atividades de baixo valor acrescentado. O turismo não chega e tem de evoluir em qualificação e valor. É preciso reindustrializar com inteligência, apoiar empresas com potencial exportador, promover fusões para ganho de escala e canalizar os fundos europeus para investimento produtivo e projetos verdadeiramente diferenciadores - com elevada produtividade, VAB e Valor Acrescentado Nacional -, não para sobrevivência operacional.

4. Aumentar radicalmente a produtividade. Portugal continua a ser um dos países com produtividade horária mais baixa da UE. A Inteligência Artificial e a automação representam a oportunidade do século para elevar produtividade sem cortar postos de trabalho. Mas isso exige uma estratégia: formação digital,

inclusão, uso responsável da IA como complemento e não substituto da ação humana. Libertar tempo para criar valor – não apenas para cortar custos.

5. Atrair talento e fixar o nosso. Portugal não conseguirá crescer 3% ao ano com a atual demografia. Serão necessários mais imigrantes por ano até 2033, de forma permanente, bem integrados – o que requer capacidade do Estado para tal, desde logo recursos suficientes na AIMA – e bem aproveitados (para tal, formação e reconhecimento de competências são essenciais). Mas a melhor política migratória começa em casa: reter os jovens que já cá estão. Isso implica oportunidades, salários dignos, perspetiva de progressão, que só são possíveis com mais produtividade, cujo défice deve ser combatido em várias frentes, como aqui proponho. Sem isso, a imigração colmata uma fuga de talento – não a evita.

6. Investir na mobilidade social e na justiça económica. Não há crescimento sustentável sem coesão. Um sistema educativo de qualidade, uma justiça célere e previsível, e um mercado de trabalho onde as oportunidades sejam acessíveis a todos com esforço e mérito – essas são as fundações invisíveis do crescimento real.

Portugal está diante de uma escolha brutal e inadiável: crescer de forma sustentada ou resignar-se, de vez, ao declínio. A janela de oportunidade não está apenas a estreitar-se – está também a fechar-se diante dos nossos olhos, num contexto externo cada vez mais complicado. Não podemos estar à espera de que a UE faca o nosso trabalho e continue a providenciar-nos apoios volumosos que aproveitamos pior que os outros. Precisamos de tomar as rédeas do nosso destino coletivo e deixar rapidamente de depender desses fundos, que vão diminuir drasticamente a partir de 2026. Crescer 3% ao ano é possível, mas só com reformas dignas desse nome, como as que aqui apontei de forma sintética. Temos de exigir mais aos nossos políticos já nestas eleições presidenciais, premiando quem apresente as melhores ideias para o país, com soluções promissoras concretas e não promessas vãs.