António Maia, Expresso online
A corrupção é reconhecidamente um problema que corrói a confiança sobre as instituições e sobre a própria democracia, desvirtuando-a, que desvia os recursos públicos de todos em benefício de determinados interesses particulares, que gera e acentua desigualdades económicas e sociais, que distorce o funcionamento regular dos mercados, da concorrência e da economia no seu todo. Uma sociedade com elevados índices de corrupção é uma sociedade pobre e doente, com baixos índices de desenvolvimento e coesão social
A crónica que hoje aqui trago, na qualidade de membro e presidente da direção do Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF), propõe dar uma nota sintética das propostas que apresentamos em 2024 no âmbito da Agenda Anticorrupção, que foi delineada pelo atual governo praticamente logo aquando do início de funções, e que se espera venha a traduzir-se em medidas concretas já a partir do início de 2025.
Se nos recordarmos, verificaremos que o tema da corrupção foi um dos pontos centrais da campanha eleitoral, marcando presença nas propostas programáticas dos partidos com representação no Parlamento. Aliás, se olharmos mais para trás no tempo, verificaremos que o tema tem marcado presença recorrente nas campanhas e nos atos eleitorais desde pelo menos o início deste século. E, correlativamente, cada governo que tem emergido dos sucessivos atos eleitorais tem apresentado as suas propostas e medidas para um combate mais eficaz ao problema, tanto no lado da repressão, como no da prevenção.
A corrupção é reconhecidamente um problema que corrói a confiança sobre as instituições e sobre a própria democracia, desvirtuando-a, que desvia os recursos públicos de todos em benefício de determinados interesses particulares, que gera e acentua desigualdades económicas e sociais, que distorce o funcionamento regular dos mercados, da concorrência e da economia no seu todo. Uma sociedade com elevados índices de corrupção é uma sociedade pobre e doente, com baixos índices de desenvolvimento e coesão social.
O OBEGEF, enquanto entidade da sociedade civil, reúne um conjunto de académicos e profissionais, sobretudo cidadãos, preocupados com as questões da fraude, da economia não registada, do branqueamento de capitais, da integridade e da corrupção, na sociedade em geral e na gestão das organizações em particular. Os membros do OBEGEF procuram contribuir para uma sociedade mais transparente e integra, e foi neste enquadramento que apresentámos, em maio e em agosto, um conjunto de propostas, de entre as quais são de destacar as seguintes:
- utilização das tecnologias de IA para reduzir a burocracia e incrementar o controlo e a transparência nos procedimentos e nas organizações, e também como instrumento para identificar áreas e fatores de risco e sinalizar situações suspeitas;
- reforçar o potencial de eficácia dos canais de denúncia, através da adoção de medidas que melhorem a proteção dos denunciantes relativamente a poderem ser vítimas de eventuais represálias;
- aumentar a articulação, cooperação e formação específica entre entidades nacionais e internacionais que operem no controlo repressivo e preventivo da corrupção;
- incrementar a eficiência e eficácia do sistema judicial na sua ação, quer na fase de investigação criminal, quer nas fases de recurso e julgamento;
- impedir que cidadãos condenados pela prática de crimes de corrupção e conexos possam candidatar-se a cargos políticos eletivos ou exercer outras quaisquer funções de natureza pública;
- estender a obrigatoriedade do cumprimento do Regime Geral de Prevenção da Corrupção aos partidos políticos, dada a sua natureza de entidades que perseguem fins de natureza eminentemente pública;
- tornar mais transparentes os processos de financiamento e os financiadores, públicos e privados, dos partidos políticos e das campanhas eleitorais;
- instituir e divulgar um Scoring de Ética e Integridade (SEI), com a inclusão de entidades públicas e privadas, segundo critérios objetivos, transparentes e mensuráveis;
- incluir as temáticas da ética, da integridade e da prevenção da corrupção nos diversos ciclos de ensino, desde o primário ao universitário, para consciencializar mais os cidadãos sobre estas questões e sobre os deveres e responsabilidades de cada um relativamente a elas.
Entretanto, a concretização e monitorização da Agenda Anticorrupção foi assumida pela Assembleia da República, através da criação de uma Comissão Eventual específica para esse efeito, presumindo-se que com o propósito de conferir maior amplitude de apoio político às medidas que venham a ser definidas.
Esta comissão, lê-se no texto da Resolução que a criou (Resolução da Assembleia da República n,º 72-A/2024, de 4 de outubro), deve proceder a uma “análise integrada de soluções destinadas a reforçar a transparência, a prevenir e a combater a corrupção, incluindo (…) a Agenda Anticorrupção”, dispondo para esse efeito de poderes para “recolher contributos e realizar audições de entidades ligadas ao sector da justiça, de organizações, entidades e personalidades da sociedade civil, designadamente do meio académico, com reconhecida competência nas matérias que integrem o objeto da sua atividade”.
Este quadro oferece a possibilidade de as medidas que vierem a ser definidas, sejam elas quais forem, decorrerem de uma base alargada de consenso, no que pode ser perspetivado como um sinal potencialmente positivo para a sua adoção mais eficaz. Porém, como também se sabe, os processos de consulta alargada, pela sua natureza, podem traduzir-se num arrastamento no tempo, o que, a suceder, poderá tornar-se numa fragilidade, nomeadamente quando, como é o caso de Portugal, a perceção subsistente é a de que a corrupção campeia por todo o lado e que as medidas punitivas e preventivas são ineficazes para lhe fazer frente.
Aguardemos pelos desenvolvimentos que se seguem já a partir de 2025, com a indicação de total disponibilidade do OBEGEF e de todos os seus membros para contribuir ativa e positivamente para a procura de medidas mais eficazes no controlo repressivo e preventivo da corrupção.
A todos expressamos votos de um Bom Ano 2025!