Ricardo Rodrigues, OBEGEF

De que privações escapam as identidades hegemónicas? O que diz o social sobre as identidades não-hegemónicas e contra-hegemónicas? O que somos nos espaços de não ser? Quais as expectativas sociais e os remédios? Que motivos legítimos estão associados à antecipação de desempenhos? Questionar é o caminho? Vamos debater discurso?

Escrever e falar sobre liberdades em exercício implica necessariamente discorrer sobre relações de poder no tempo e no espaço, exige deslindar as malhas dos discursos, e transcorrer sobre representatividade.

A violência de género, entre outras manifestações conexas, como contra identidades LGBTQIAPN+, a violência étnico-racial, a xenofobia, entre tantas outras expressões identitárias abafadas, neutralizadas pelo social, pelo todo, por subjetivismos perniciosos, perenes formas estruturais e multifacetadas, perpassando subtilmente a filigrana de propósitos de sistemas e tecnologias geneticamente infetados.

Tratam-se, pois, de manifestações persistentes de desigualdades históricas, estruturais e culturais, alavancadas por discursos de ódio direcionados, oportunamente amplificados por partidos políticos, inclusive, do arco do poder, personalidades veículo, feixes de interesses obscuros, sustentados por holofotes mediáticos e mecanismos mercadológicos de validação social.

Da proposta:

problematizar cirurgicamente tópicos relativos a dimensões, expressões e problemáticas diretamente ligadas a fenómenos críticos de violência relacional, ora, o sexo e o género, o racismo e a xenofobia, fechando, com brevíssimas considerações sobre os impactos dos discursos de ódio.

Boas leituras:

I. Subsídios sobre sexo e género:

Muito além das considerações inerentes ao sexo, uma construção social normatizada a partir de marcadores biológicos e de discursos e práticas socioculturais, científicos, clínicos-médicos e políticas, assim interpretado e categorizado; o género, igualmente, resultado de construções socioculturais, que determinam papéis, comportamentos e expectativas, não se assume, per se, uma identidade interna, uma essência fixa ou imutável, antes performativo, dinâmico, em construção, reconstrução, desconstrução, uma movimentação a partir de ações, omissões, atitudes, comportamentos, discursos,  etc., que confirmam, reafirmam, reiteram ou reforçam categorias, é, pois, fluido, contextual e múltiplo, um processo contínuo de socialização e normatização, que opera sobre corpos e subjetividades (v. Simone de Beauvoir), estando além das amarras da anatomia ou biologia, dos papéis tradicionais e das categorias preestabelecidas (binárias), amplamente sustentadas e reforçadas por diversas tradições religiosas, tais como, e sem prejuízo de eventuais variações internas ou correntes divergentes e progressistas, o catolicismo, o islamismo e o hinduísmo tradicionais, o cristianismo evangélico conservador, o judaísmo ortodoxo, etc. (v. Judith Butler, et. al.). Da boa base dogmática religiosa o reforço de um processo social dogmaticamente segmetador-categorizador. Ora, de um modo geral, a partir das visões tradicionais herméticas de papéis, categorias e desempenhos, inúmeras barreiras artificiais estruturais foram edificadas, como em benefício, contra o “ser” em construção e ao “estar”, no devir, e aos processos decisionais significativos, sua importância individual e social. Consequentemente, à desconfiança nos desempenhos individuais fora dos estritos papéis sociais atribuídos e esperados e correspondentes diferenciais de aceitabilidade de atitudes e comportamentos, acrescem, dentro do sistema global de crenças, entre outras, as respostas sociais qualificativas e de validação admissíveis, incluindo os sofisticados processos  de violência simbólica, com resultados estruturalmente nocivos, sobretudo para as franjas desalinhadas com essas determinações sociais (a saber, normas patriarcais e heteronormativas e cisnormativas), em especial, mulheres e indivíduos da comunidade LGBTQIAPN+,  isto apesar das políticas, estratégias de ação, medidas e compromissos internacionais e nacionais (potencialmente promotores da igualdade e da não discriminação).

Fechando:

Sexo e género, deverão, pois, ser acolhidos como construtos identitários complementares da experiência-existência humana. Deverão, pois, ser trabalhados integradamente, conjugando equidade e respeitos pelas identidades e suas expressões.

Conceitos recorrentemente utilizados, como “ideologia de género”, que banalizam quer o género e as suas expressões, quer os contributos dos estudiosos, académicos e cientistas, para as construções teóricas, não “ideológicas”, no sentido de fantasiosas ou impraticáveis, sem fundamento teórico ou prático, mas sim enquanto “sistema de ideias, valores e princípios que definem uma determinada visão do mundo, fundamentando e orientando a forma de agir de uma pessoa ou de um grupo social (…)” (Porto Editora – ideologia), muito menos impositivas, sobre género e identidade, etc., deverão ser combatidos com esclarecimento de largo espectro.

A par, a crítica confusão entre identidade de género e orientação sexual, merece, seguramente, contínua clarificação.

Questione-se, seriamente, a quem prejudicaria uma visão de mundo inclusiva, integradora, igualitária e humanizadora?

Posicionar-se contra a discriminação de género, identidade e orientação sexual é o único caminho ético a seguir.

II. Subsídios sobre racismo:

Primeiramente, firmar o absoluto abandono do conceito de “raça” enquanto realidade biológica precisa, reconhecendo-o, no entanto, como construto psicossocial, histórico, de suporte e manutenção de desigualdades estruturais.

O racismo corresponde, assim, a um sistema complexo e multifacetado de opressão resultante da categorização social de indivíduos por características-fundamento (valor e significado social) físicas, morfológicas e comportamentais, como, a cor da pele, a textura do cabelo, as feições faciais, a ancestralidade, aspetos genéticos, etc.

Dessa categorização resulta o valor social atribuído, determinando as interações sociais e estruturando as desigualdades, com importantes significados ao nível do acesso a recursos, direitos e oportunidades, pelo que configura uma forma estrutural de discriminação e que se manifesta através de práticas “conscientes ou inconscientes (interações que permitem situar individualidades e determinar atributos) geradoras de desvantagens ou privilégios” (operando diretamente no tecido social, no concernente à organização, estrutura e articulação de grupos diversos) para determinados indivíduos, consoante o “grupo racial” de pertença.  (v. Bonilla-Silva, 1997/ ALMEIDA, Sílvio, 2019/ et. al.) O racismo determina, assim, a organização social e as relações de poder entre os diferentes grupos, projetando-se com todo o potencial reprodutivo e de nocividade.

As dimensões de ação sobre as manifestações de opressão exigem medidas musculadas, contra estereótipos, preconceitos, simples piadas, microagressões (v. manifestações de violência simbólica), e multinível, incluindo, outras camadas, como sejam a condição social, identidade de género, expressão de género e sexualidade, etc., em articulação,  campanhas e ações de esclarecimento e promoção de cidadania ativa plural, através da desnaturalização de espaços e de funções, especial estímulo à promoção, divulgação de manifestações-expressões culturais, à reflexão crítica sobre os privilegiados (entendidos como universais), nas relações de poder, a ocupação dos tempos de exercício com as temáticas e problemáticas dos agentes não-hegemónicos e contra-hegemónicos, dando voz ativa, numa floral legitimação efetiva, promoção de alianças sociais, estímulo a posicionamentos antirracistas (posicionamentos éticos), atrelados a sistemas efetivos de compliance antidiscriminatório, por fim, expressões de discriminação positiva ou inclusiva, etc., (v. Djamila Ribeiro, et. al.)

Devemos questionar:

quem não se beneficia de uma cultura de respeito, empatia, simpatia, igualdade e inclusão?

Posicionar-se contra o racismo é o único caminho ético a seguir.

III. Subsídios sobre xenofobia:

Forjada no medo, aversão ou hostilidade em relação a pessoas de outros países ou culturas, muitas vezes associadas à sensação de ameaça à identidade cultural, económica ou social do grupo dominante, inclui o preconceito e a discriminação (ex.: atitudes, comportamentos, narrativas, discursos, políticas, práticas, etc.) contra indivíduos ou grupos, acolhidos como "estrangeiros", pertencentes a uma etnia ou nacionalidade diferente da "local" ou "nativa".

Dos movimentos de violência contra o “estrangeiro” podemos cogitar, com maior e menor intensidade, restrições à imigração, fenómenos de segregação social, outras manifestações de violência física, verbal e equiparada, etc., promotores de insegurança, pela perceção de violência,  perturbadores dos processos de integração e da boa convivialidade segura e pacífica entre diferentes culturas e povos, promovendo a marginalização, com potencial de afetação negativo das relações diplomáticas, contribuindo para o aumento do nacionalismo, do isolacionismo e dos discursos de equivalente teor. Enquanto manifestações diretas e indiretas de injustiça social, obstaculizando a igualdade de direitos, oportunidades e dignidade social, desencorajam a imigração, limitam as contribuições dos imigrantes para a economia e para a sociedade em geral, especialmente, para os mercados, mais particularmente, para o mercado do trabalho, onde assumem peso significativo, ainda que complementar, e importância estratégica, com igual destaque a inovação e o empreendedorismo, com todo o potencial de geração de novos empregos e contribuição para a riqueza nacional; por fim, referir, a afetação negativa para a produção nacional de bens e serviços públicos.

Posicionar-se contra a xenofobia é o único caminho ético a seguir.

IV. Subsídios sobre narrativas e discursos de ódio:

Inflamam, fraturam, encarnar divisões sociais, normalizam estereótipos e preconceitos, devastadores para a convivência social, ora, o respeito e níveis de tolerância alinhados com os valores democráticos, em especial, os direitos e liberdades reconhecidos.

Dos contextos justificadores da violência às ações desencadeadoras das atitudes e comportamentos nocivos.

Criando, ficcional, alegórica, mítica, pseudorrealistamente, por via da desinformação, manipulação, etc., com recurso à simples atribuição de intencionalidades a simples banalidades; etc., inimigos e problemas inexistentes, sintetizando individualidades e grupos em lineares generalizações, invertendo condições de vitimização, legitimadoras de ações protetivas inadiáveis, através de fórmulas de culpa coletiva.

Motores de polarizações, normalizadores da intolerância e aceitabilidade da violência (condições defensivas).

Barreiras quebradas, um novo espaço para renovados tempos de exercício privilegiado de flamejantes abusos, forjados de exercícios legítimos de liberdade de expressão, ultrapassadas que sejam as famigeradas linhas vermelhas do “tão castrador”, “o politicamente correto”, em discussões públicas, em entrevistas, publicações, etc., veiculando afirmações, expressões, explícitas, diretas ou indiretas, investidas de um viés hostilizador, muito além dos sentidos de opinião ou crítica, o mais das vezes, injuriosas, difamatórias, desqualificadoras, estigmatizadoras, que rotulam, que condenam, que, por forma nociva e insidiosa, qualificam o perigo ou risco a evitar, afastar, violentar, incitando ao ódio, à discriminação e à violência, a partir de características identitárias, das quais se induzem, por forma distorcida, desumanizadora, desempenhos ou expectativas de performance, ora, as “ameaças” a neutralizar. Do exercício reiterado dos abusos, um processo de modelação anestésica da opinião pública a margens ampliadas de atuação, uma atmosfera propícia, por normalização, a atitudes e comportamentos preconceituosos, discriminatórios.

Movimentos e atuações que servem claramente certos grupos hegemónicos, contribuindo, para a manutenção de privilégios e dos correspondentes sistemas de validação.

A título exemplificativo, as supostas agendas inquestionáveis:

as mulheres querem ter mais direitos que os homens”; “a agenda gay”; “a ideologia de género”; "escola sem partido"; “a substituição populacional”; “os imigrantes vêm “roubar” os empregos”; (…)

Demarcadas as barreiras e identificada a atmosfera, ora, os efeitos, como a radicalização dos grupos e individualidades, promovendo extremismos, desencadeando comportamentos violentos de vários níveis, retirando do estado de observador passivo agentes-indivíduos que, ora, dotados de argumentos (gatilhos potenciais) e orientações, inebriados na fictícia sensação de pertencimento a algo maior e vencedor, protegidos pela crença da impunidade, pela anonimização, e munido de inúmeras armas tecnológicas, se tornam efetivos agentes-advogados (v. script kiddies).

Como resultados efetivos, a desestabilização social, com grave afetação da coesão, criando reais fossos, sanguíneas divisões, promovendo a reatividade pela ressignificação do desrespeito e da intolerância, pelo aumento do estado de alerta nas dinâmicas relacionais entre grupos diferentes, pelo aumento da perceção de violência, pela promoção e desenvolvimento de estados críticos de vulnerabilidade a que são expostos certos grupos e individualidades.

Apesar dos esforços intelectuais, normativos e institucionais, urge, sem precedentes, a par do alargado consenso quanto ao reconhecimento dos discursos de ódio e discriminatórios como veículos promotores da perpetuação das desigualdades e da discriminação, armas atentatórias aos valores e princípios democráticos, a intensificação e ampliação das campanhas e ações de sensibilização e esclarecimento, a revisão, fortalecimento e difusão dos protocolos de ação, o reforço da capacitação, em especial, dos profissionais das áreas da segurança e da justiça, bem como, o reforço dos sistemas de sinalização e repressão, especialmente em ambientes digitais.

Urge tornar todos os espaços lugares acolhedores, propícios a uma reconexão simbiótica fraterna.

Propostas:

  • Promove a desconstrução de crenças limitantes;
  • Investe no autoconhecimento;
  • Cria metas de aprofundamento consciencial;
  • Acolhe as diversidades com naturalidade;
  • Diversifica as fontes de informação e de conhecimento;
  • Exercita o reconhecimento da ignorância;
  • Estabelece compromissos com os destinatários dos teus silêncios;
  • Estabelece compromissos com os destinatários das tuas ações.

Faz a tua parte!

                                                                                                 A próxima linha é tua…………………………..