Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
Na passada quinta-feira, dia 11 de dezembro, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou um corte de 0,25 pontos percentuais (p.p.) na principal taxa de juro diretora (a taxa principal de refinanciamento, ‘refi’), fixando-a em 3,15%. Esta decisão, amplamente antecipada pelos mercados – como tive oportunidade de referir no dia anterior no programa “Negócios da Semana” do José Gomes Ferreira, na SIC notícias –, visa ajudar uma economia do euro muito enfraquecida pelas dificuldades na Alemanha e na França, tanto a nível económico como político.
Como o BCE só tem uma meta estatutária, que é a estabilidade de preços (ao contrário da Reserva Federal dos EUA, que também visa o máximo emprego), aliviar os encargos financeiros numa Europa economicamente fragilizada só é possível porque a inflação da zona euro se tem aproximado do objetivo de médio prazo de 2%, a que está associada essa meta.
Contudo, a Presidente do BCE sublinhou, na conferência de imprensa que se seguiu à decisão, que a trajetória futura das taxas de juro diretoras dependerá dos dados económicos que surgirem. Com as políticas protecionistas e inflacionistas anunciadas pelo novo Presidente dos EUA, Donald Trump, é bem possível que Christine Lagarde e o BCE queiram ‘esperar para ver’ o que verdadeiramente acontece daqui para a frente, pois há o risco de um ressurgimento da inflação nos EUA e de que a UE importe alguma dessa inflação, o que significaria taxas de juro mais altas ou, pelo menos, que parassem de descer, prejudicando famílias e empresas.
Para Portugal, onde as taxas de juro têm um impacto pronunciado no dia a dia das famílias e no tecido empresarial, este anúncio traz benefícios imediatos, mas expõe, igualmente, riscos e desafios estruturais que permanecem por resolver.
A descida das taxas de juro terá um impacto direto nas famílias portuguesas, particularmente naquelas que contraíram crédito à habitação ou ao consumo a taxas variáveis (indexadas à Euribor). A redução nas prestações mensais representa um alívio tangível nos orçamentos familiares, libertando rendimento disponível que poderá ser canalizado para consumo e/ou poupança. Contudo, a redução das taxas também diminui os rendimentos dos depósitos bancários, ainda a principal forma de poupança dos portugueses, até porque tradicionalmente os bancos em Portugal se mostram muito mais rápidos a ajustar as taxas de depósito para baixo do que para cima, como é sabido. Esta dinâmica desincentiva a poupança tradicional e sublinha a necessidade de aumentar a literacia financeira, incentivando as famílias a explorarem opções mais rentáveis, como fundos de ações – como os Planos Poupança Reforma, PPR, se o objetivo for esse, tendo ainda um benefício fiscal associado –, que permitem baixar o risco de perda devido à diversificação (‘não pôr os ovos todos na mesma cesta’).
Mais importante, o risco de perda diminui muito ou desaparece num horizonte de investimento suficientemente longo (de vários anos), em que as ações têm historicamente as maiores taxas de rentabilidade. Por isso, a coisa mais importante a decidir numa aplicação com risco, além de se perceber como funciona – nesse particular, um fundo de ações é relativamente simples, até nas obrigações fiscais, e permite uma diversificação que mitiga o risco (ações de várias empresas, setores e países, preferencialmente), daí o exemplo –, é quanto dinheiro podemos dispor de lado e queremos aplicar, no mínimo, vários anos, significando que não precisamos dele no dia-a-dia durante esse período. Além disso, devemos dispor de poupanças mais líquidas (facilmente mobilizáveis sem risco de perda) que constituam um fundo de emergência para, pelo menos, seis meses, de modo a fazer face a imprevistos como desemprego ou doença, isto para não termos de mobilizar o instrumento com risco numa altura em que possa estar a apresentar perdas potenciais. É isto que nos dizem os manuais, fica alguma pedagogia e literacia a este respeito.
Para além do impacto nas prestações, a descida das taxas de juro poderá levar ao aumento da procura por crédito. As famílias poderão sentir-se incentivadas a contrair novos empréstimos, seja para adquirir habitação ou para consumo. Embora esta seja uma forma de estímulo à economia, também levanta preocupações sobre o endividamento excessivo e a sua sustentabilidade a médio prazo, sobretudo num cenário em que os riscos de instabilidade económica global permanecem altos. É também esse o papel do regulador, o Banco de Portugal, que possui instrumentos de regulação junto a banca para diminuir esse risco, mas também pode procurar sensibilizar e influenciar o comportamento dos agentes económicos com o seu discurso.
Para as empresas, a descida das taxas de juro representa uma oportunidade importante para refinanciar dívidas existentes a custos mais baixos, melhorando o fluxo de caixa e permitindo maior liquidez. Setores intensivos em capital, como a construção e a indústria transformadora, em particular, poderão beneficiar de condições mais favoráveis para realizar investimentos, o que é crucial para um país que há anos regista níveis insuficientes de investimento privado.
Adicionalmente, a possibilidade de depreciação do euro associada à política monetária expansionista do BCE melhora a competitividade-preço das exportações portuguesas. No entanto, as importações, nomeadamente de energia e matérias-primas, tornam-se mais caras, o que pode pressionar em alto os custos de produção das empresas.
Deste modo, a economia portuguesa no seu conjunto beneficia do estímulo proporcionado pela descida das taxas de juro, sobretudo ao nível do consumo e do investimento no setor privado. Em particular, o consumo privado, pelo peso de mais de 60% no PIB, será o principal estímulo a um maior crescimento económico no curto prazo, enquanto o investimento é fundamental para o crescimento económico no longo prazo, o que mais importa para o progresso do nível de vida.
Contudo, as projeções de crescimento económico para 2025 apontam para uma subida de cerca de 2%, ritmo que não será ultrapassado nos anos seguintes e pode até ser considerado bastante otimista a partir de 2026 sem reformas, dada a redução dos fundos europeus com o fim do PRR.
Trata-se de uma dinâmica claramente insuficiente. Como indicou um estudo da FEP, Portugal precisaria de crescer, pelo menos, 3% ao ano durante uma década para entrar na metade de países mais ricos da UE. Esse crescimento depende, em grande parte, de ganhos de produtividade que exigem reformas estruturais sucessivamente adiadas, como a reforma do Estado.
Outro benefício da descida das taxas é o impacto positivo nos encargos com a dívida pública. Com custos de financiamento mais baixos, o Estado pode reduzir a sua fatura com juros, criando alguma folga orçamental. Este alívio, contudo, será limitado e deve ser complementado por uma reforma do Estado que garanta uma maior eficiência na gestão dos recursos públicos. Portugal precisa de reduzir o elevado peso da despesa corrente, que restringe a capacidade de baixar a carga fiscal e elevar o investimento público, essenciais para promover o crescimento económico.
Apesar dos benefícios imediatos, a política monetária do BCE não está isenta de riscos.
Um dos maiores é a possibilidade de bolhas de ativos, particularmente no mercado imobiliário. Em Portugal, os preços da habitação e as rendas já se encontram acima dos fundamentais. A descida das taxas pode alimentar ainda mais a procura por imóveis, agravando o problema do acesso à habitação, especialmente para as famílias de rendimentos médios e baixos.
Além disso, a pressão inflacionista, embora moderada, não deve ser descartada. O estímulo ao consumo, combinado com restrições na oferta em setores específicos, pode levar a aumentos pontuais de preços que afetam o poder de compra, especialmente para bens essenciais.
Para aproveitar os benefícios e mitigar os riscos desta política monetária, Portugal precisa de agir em algumas frentes com urgência para aumentar a resiliência e potencial da economia.
A primeira é a realização de reformas estruturais, para que o país consiga crescer com cada vez menos fundos europeus. A reforma do Estado é primordial para abrir espaço para mais investimento público e, em particular, menos carga fiscal, de modo a atrair investimento privado, melhorar a competitividade das empresas e estimular o crescimento económico.
O reforço da concorrência é também crucial, como mostra o exemplo do setor das telecomunicações, onde a entrada da empresa romena Digi levou imediatamente à redução de preços por parte dos operadores já instalados e outros tipos de tarifários, inovadores no nosso mercado. Esse exemplo deve ser replicado noutros setores com a remoção de barreiras à entrada e menos carga fiscal, que atraia mais empresas, favorecendo preços mais baixos e mais inovação.
São precisas medidas adicionais para tornar a economia portuguesa mais inovadora e intensiva em conhecimento, tornando-a mais dinâmica. A aposta na reindustrialização, na inovação e na qualificação da força de trabalho – incluindo a requalificação das gerações menos habilitadas no ativo – são crucias para elevar os níveis de produtividade e a especialização da economia.
Em suma, o corte das taxas de juro pelo BCE oferece um alívio necessário de curto prazo para Portugal, mas não substitui as reformas indispensáveis para desbloquear o nosso potencial económico de uma forma duradoura.