Marcus Braga, OBEGEF
Um campo fronteiriço se descortina na discussão da agenda anticorrupção nesse mundo hiperconectado, dialogando redes e economia comportamental, e como informações induzem comportamentos que podem contribuir ou não com os esforços para prevenir e detectar a corrupção.
Nos assuntos de accountability no Século XXI a transparência figura com grande destaque no debate governamental. Salvadora, para uns; essencial, para outros; fonte de vigilância e micro controle para alguns, o fato é que as agendas anticorrupção não se fazem atualmente sem a discussão do acesso amplo dos cidadãos aos atos da gestão pública, um movimento para além de questões tecnológicas.
Mas, o que foge ao debate é que a forma de disponibilizar essas informações precisa dialogar com a agenda anticorrupção. A transparência é parte indissociável do conceito de controle social, ou seja, de participação da população de forma cotidiana cobrando do governo eficiência e probidade, na raiz da ideia de accountability, de forma que a disponibilização de informações sobre os governos em portais precisa dialogar com os riscos de corrupção associados a determinada política pública.
Se não conheço a lógica da política pública, seu desenho, e se não identifiquei e avaliei os seus riscos de corrupção, como otimizar a divulgação de informações que induzam na população beneficiária ações que reduzam a ocorrência de corrupção, ou ainda, que permitam a sua detecção diante da sua ocorrência? Será que estamos aproveitando a transparência com seu pleno potencial anticorrupção?
Nesse sentido, o conceito do laureado pelo Nobel Herbert Simon (1971) de economia da atenção, traz interessante contribuição a esse debate. Segundo esse conceito, as informações disponibilizadas estão em constante concorrência pela atenção dos usuários, que são seletivos em como gastam seu tempo e que tem limitações no processamento de informações. É um custo de oportunidade. Se olho isso, não olho aquilo.
Assim, muita informação disponibilizada causa disputa na atenção do cidadão e esse pode se preocupar com o que não é relevante para a lógica, e consequentemente, para a accountability de determinada política pública, de modo que a transparência induz o debate e pode deseducar o cidadão, a imprensa, colocando o olhar no que é acessório e não no que é central em relação a determinada política pública.
Um agir dessa forma é uma usina geradora de dissonância, subvertendo o debate público e direcionando a pressão popular, inclusive na agenda anticorrupção, para questões menores e não para a centralidade necessária. Para exemplificar, em termos de anticorrupção, interessa muito o preço praticado, a quantidade demandada e a aplicação frente ao público-alvo, se olharmos pela ótica dos riscos.
Da mesma forma, as discussões de economia comportamental, do conceito de Nudge (BRAGA, 2021) trazem, de forma complementar, aspectos interessantes nesse debate, pois além do escopo do que é divulgado na discussão da economia de atenção, existe uma questão sobre de que forma é divulgado, e que comportamentos aquela divulgação pode induzir.
Interessante esse ponto também na discussão de uma transparência anticorrupção, dado que quem consulta os dados é um cidadão beneficiário de várias políticas que tem risco de corrupção, e a forma de apresentar os dados pode dialogar com a chamada arquitetura de escolhas, ou seja, o contexto no qual as pessoas tomam decisões, para que se construa uma lógica de apresentação de dados que estimule ações específicas que previnam ou alertem desvios.
Um campo fronteiriço se descortina na discussão da agenda anticorrupção nesse mundo hiperconectado, dialogando redes e economia comportamental, e como informações induzem comportamentos que podem contribuir ou não com os esforços para prevenir e detectar a corrupção. Muito mais do que colocar dados fidedignos à disposição, a transparência é um instrumento estratégico na promoção da accountability e pode ser melhor explorada nesse sentido.
Referências:
BRAGA, Marcus Vinicius de Azevedo. Transparência ativa e nudge: um diálogo possível. Portal Congresso em Foco. 2021. Disponível em:< https://congressoemfoco.uol.com.br/blogs-e-opiniao/forum/transparencia-ativa-e-nudge-um-dialogo-possivel/ >
SIMON, Herbert. “Designing organizations for an information-rich world”, in Martin GREENBERGER (Org.). Computers, Communication, and the Public Interest. Baltimore: Johns Hopkins Press, Baltimore, 1971.