Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
No coração de Trás-os-Montes, a Serra da Nogueira ergue-se como um monumento natural e cultural, um santuário que espelha a alma e a história de uma região esquecida pelo centralismo. Esta serra, integrada na rede Natura 2000 e situada nas faldas do Parque Natural de Montesinho, não é apenas um amontoado de montes e árvores. É um ecossistema vibrante, lar de uma biodiversidade rara que preserva a essência da paisagem natural de Trás-os-Montes. Este território abriga uma rica população de lobos, corços, javalis, entre outras espécies autóctones, que encontram aqui o último refúgio contra o avanço da exploração humana. Não são apenas animais; são parte da identidade de uma terra e de um povo que aprendeu, ao longo de séculos, a viver em harmonia com o que a natureza oferece.
Mas não é apenas a fauna que faz da Serra da Nogueira um local único. Com uma flora singular, destacando-se a maior mancha de carvalhos espontâneos da Europa, esta serra assume-se como um baluarte da biodiversidade. Estes carvalhos não são árvores quaisquer; são sentinelas de um ecossistema que evoluiu ao longo de milhares de anos, uma floresta que não existe em mais lado nenhum e que constitui um património natural inestimável. Eles representam a história viva de uma região, com raízes que se estendem para lá da terra, tocando as vidas e as tradições das comunidades locais. Esta floresta de carvalhos é também fundamental para a regulação do clima e da qualidade do solo, protegendo a terra contra a erosão e mantendo os recursos hídricos que sustentam tanto a fauna quanto a atividade agrícola das redondezas.
A Serra da Nogueira alberga ainda um tesouro científico e educativo: o percurso da Estação de Biodiversidade de Carrazedo. Este percurso é especialmente rico em borboletas diurnas, atraindo naturalistas e cientistas de todo o país, bem como turistas interessados em vivenciar a beleza natural de Trás-os-Montes. Aqui, é possível observar mais de metade das espécies de borboletas existentes em Portugal, uma diversidade que torna este local num ponto de referência para a conservação da biodiversidade e para o estudo dos insetos. Além disso, este percurso representa uma oportunidade educativa rara, onde os jovens podem aprender sobre ecossistemas, sustentabilidade e o papel vital de cada espécie no equilíbrio natural. A serra poderia ser transformada num centro de ecoturismo, de estudo e de educação ambiental, servindo como exemplo de como um território pode ser preservado e, ao mesmo tempo, beneficiar economicamente a região. No entanto, em vez de se investir na preservação deste ecossistema, o que se vislumbra para a Serra da Nogueira é um destino de destruição, em nome de um "progresso" que desconsidera o valor inestimável do território e da sua biodiversidade.
O projeto de exploração mineira que ameaça a Serra da Nogueira não representa um desenvolvimento sustentável; antes, é um exemplo flagrante do que os economistas Daron Acemoglu, Simon Johnson e James A. Robinson – vencedores do Prémio Nobel de Economia deste ano – designam por “instituições extrativas”. Estes académicos, amplamente reconhecidos pelo seu trabalho na defesa das “instituições inclusivas” como motoras de progresso duradouro e equitativo, demonstraram que as “instituições extrativas” retiram recursos de uma região sem respeitar o seu impacto a longo prazo, beneficiando apenas uma elite restrita e deixando para trás comunidades empobrecidas e ecossistemas destruídos. No caso da Serra da Nogueira, vemos este modelo de exploração insustentável e desigual ser aplicado a um território rico em património natural, onde a promessa de lucros rápidos para uns poucos esconde o elevado custo da devastação ambiental e da destruição da economia local. Este é o tipo de "desenvolvimento" que favorece os interesses de alguns, mas prejudica muitos, retirando ao território muito mais do que lhe traz, numa lógica de colonialismo interno que trata o interior do país como uma mera colónia de extração, sem voz ou direitos próprios.
Contudo, a Serra da Nogueira não é apenas um santuário natural. Ela é também o centro de uma atividade económica que sustenta as comunidades locais: a cultura do castanheiro. Em toda a região ao redor da serra, o cultivo de castanheiros ocupa vastas áreas de solo, e a castanha tornou-se, ao longo dos anos, a principal fonte de rendimento para inúmeras famílias. Este setor foi apoiado por fundos europeus e pelo próprio Estado, como parte de uma estratégia de desenvolvimento rural que procurava revitalizar a economia local e dar novas oportunidades às populações do interior. As variedades de castanha produzidas nesta região são de altíssima qualidade e são exportadas para vários mercados internacionais, representando não apenas uma fonte de rendimento, mas também um orgulho para os produtores e uma prova do potencial do interior do país.
A decisão de avançar com a exploração mineira ignora, de forma quase insultuosa, o investimento feito no desenvolvimento da cultura do castanheiro e o esforço das populações em construir uma atividade sustentável. Como pode o Estado, que incentivou esta economia agrícola e promoveu a cultura do castanheiro como uma forma de desenvolvimento sustentável, agora ignorar o seu próprio compromisso e colocar em risco uma atividade consolidada? É uma decisão que demonstra uma completa falta de visão e um desrespeito pelo trabalho e pela vida das pessoas que dependem da terra para o seu sustento. Não se trata apenas de perder um recurso; trata-se de destruir uma parte da identidade regional e de comprometer o futuro de toda uma comunidade que investiu na cultura do castanheiro como uma forma de se manter fiel às suas raízes, ao mesmo tempo que se adapta às exigências do mercado global.
Além do valor económico e cultural, a Serra da Nogueira possui um potencial turístico que permanece amplamente subaproveitado. Em vez de uma exploração mineira que destruirá a paisagem e afastará os visitantes, a serra poderia ser promovida como um destino de ecoturismo, atraindo aqueles que procuram a paz e a beleza de uma natureza preservada. O ecoturismo é uma oportunidade de crescimento sustentável, que beneficia as comunidades locais sem destruir o ambiente. A Serra da Nogueira poderia tornar-se um exemplo de como o turismo de natureza pode coexistir com as atividades agrícolas e contribuir para o desenvolvimento económico de uma forma que respeita e valoriza o território. No entanto, esta visão de futuro é sacrificada em nome de uma exploração de curto prazo que deixará apenas um rasto de devastação e perda.
Mas esta exploração mineira, para além dos impactos ambientais e económicos, parece levantar sérias questões sobre a transparência do processo. Segundo as populações locais, o projeto tem sido conduzido de forma opaca, sem a consulta e participação adequadas das comunidades diretamente afetadas. Consta que as vozes das populações, que conhecem o valor da serra e dela dependem para o seu sustento, têm sido ignoradas. A Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que deveria proteger o património natural e assegurar processos de decisão transparentes e justos, aparenta manter um padrão de permissividade, deixando transparecer uma falta de transparência que já vimos noutros casos, como no controverso negócio das barragens do Douro. A mesma aparente indiferença aos interesses das comunidades, a mesma aparente predisposição para favorecer interesses económicos em detrimento do bem comum. Esta aparente postura não só descredibiliza a APA, como também põe em causa a integridade de todo o processo e alimenta um clima de desconfiança e revolta entre as populações locais, que se sentem traídas pelo próprio Estado, o qual deveria defender os seus direitos e interesses.
Destruir a Serra da Nogueira é mais do que uma perda ambiental; é um ataque à identidade e ao modo de vida de uma região que, ao longo de séculos, encontrou na natureza uma aliada e uma fonte de sustento. É apagar um legado de resistência, uma cultura de respeito pela terra e uma história de adaptação e resiliência.
As promessas de desenvolvimento e de criação de emprego são ilusórias, pois os efeitos, a existirem, serão temporários; ao mesmo tempo, os riscos para o ambiente e a saúde pública são evidentes enquanto a exploração mineira durar e, quando terminar, o que restará para as populações que dependiam da serra? Restará um território degradado, uma comunidade desamparada e um sentimento de perda irreparável.
Este é o momento de agir. Este é o momento de levantar a voz e defender a Serra da Nogueira, porque proteger este território é proteger a nossa herança, o nosso futuro e a possibilidade de um país que valoriza o seu património natural. Que o grito de Trás-os-Montes ecoe por todo o país e que o governo ouça e responda a este apelo com a responsabilidade e o respeito que as comunidades e o ambiente merecem.