António Dias, OBEGEF
E Alice, … sendo eu um cidadão atento aos casos de corrupção ocorridos no passado recente em Portugal, estou muito preocupado com o futuro.
Num momento em que se pretende executar a “bazuca europeia”, investir muitos milhões na construção de um novo aeroporto e na rede ferroviária, lançar novas parcerias público-privadas e vender a TAP, parece-me que estão reunidas condições favoráveis a novos casos de corrupção.
Estará a supervisão mais atenta e interventiva. Serão os contratos devidamente escrutinados? Haverá auditorias de acompanhamento, ou só será investigada a legalidade dos procedimentos quando for tarde de mais? Será a investigação mais efetiva e ágil? Será a obtenção de vantagens pessoais indevidas adequadamente sancionada?
Será que se aprendeu alguma coisa, ou vamos continuar com o ambiente permissivo da BESlândia?.
Ao longo da última semana, a Alice, sempre curiosa, dedicou a sua atenção ao início do julgamento do processo BES. Viu as imagens difundidas (vezes sem fim) na televisão, ouviu atentamente dezenas de entrevistados e comentadores, partilhou as “dores” dos lesados… e sentiu-se sentimentalmente confusa. Por um lado, é o maior processo de fraude no país, devendo ser devidamente sentenciado, por outro, a atual debilidade do principal arguido levanta questões de dignidade humana.
Alice, não compreende. Não compreende como um lastimável escândalo financeiro, que abalou o país e que teve amplas repercussões internacionais, demorasse 10 anos a chegar a julgamento.
Não compreende que crimes como associação criminosa, corrupção, burla qualificada, branqueamento de capitais e falsificação de documento, estejam tanto tempo em investigação, tendo já prescrito alguns.
Não compreende as falhas do sistema de supervisão e o compadrio político que gravitava em torno do BES. Não compreende para que serviram três comissões de inquérito parlamentar, nem os erros cometidos após a resolução e venda do Banco.
Não compreende como foi possível gastar dinheiro público, até ao momento cerca de 8 mil milhões de euros, na sequência de atos fraudulentos perpetuados por responsáveis de um grupo privado. Não compreende porque temos todos que pagar os disparates de alguns.
Não compreende como foi possível que alguém seja conhecido (e talvez se sentisse) como “Dono Disto Tudo”, sem que nada fosse questionado.
- Portugal devia chamar-se BESlândia - acrescenta Alice com ironia.
Pois bem Alice, ninguém compreende. E já não é a primeira vez, é longa a lista de casos de corrupção em Portugal que envolvem instituições financeiras, empresas privadas, gestores sem escrúpulos e responsáveis (melhor, irresponsáveis) políticos, sendo que existem intervenientes comuns em distintos casos.
Talvez seja a frequência dos casos que leva 96% dos portugueses a consideram a corrupção “comum no país” (mais 3% que no relatório relativo a 2023), valor bastante superior à média europeia que corresponde a 68% (conforme Eurobarómetro 2024 - Atitudes dos europeus face à corrupção). A percentagem obtida, muito próxima da totalidade, permite admitir que se trata de uma opinião generalizada na população, o que certamente terá impacto na perceção do país e na própria democracia.
Para 78% dos inquiridos, nos últimos três anos a corrupção em Portugal tem vindo a aumentar (média UE 41%), sendo que os partidos e os políticos (com 69%, média UE 53%) são o grupo percecionado como o mais permeável ao suborno e abuso de poder, seguido pelos bancos (com 55%, média UE 25%) e pelos funcionários públicos que adjudicam concursos (com 55%, média UE 37%).
Ainda de destacar que 91% (mais 2%) dos portugueses inquiridos admite existir corrupção nas instituições públicas nacionais (média UE 71%) e 81% consideram que a existência de relações muito estreitas entre as empresas e a política conduzem à corrupção (média UE 75%), sendo que 55% considera que a única forma de ter sucesso empresarial é possuir ligações políticas (média UE 51%).
Os dados anteriores permitem concluir que a perceção da corrupção em Portugal é superior à maioria dos países europeus, o que não surpreende uma vez que é tema recorrente nos órgãos de comunicação social. Existe uma desconfiança acentuada, superior à média europeia, sobre o desempenho de políticos, instituições públicas, entidades bancárias e empresas privadas, a par do sentimento de que não vale a pena denunciar situações de corrupção.
- Mas isso é grave – salienta a Alice. Para além do estudo revelar que a população portuguesa perceciona de forma muito acentuada a corrupção, revela que está a aumentar.
Sim Alice, parece que nada tem sido feito e que pouco se aprende com os erros do passado. Como já muitos disseram, somos “um país de brandos costumes”.
- Mas sendo a corrupção uma séria ameaça à democracia e aos direitos fundamentais, promotora de desigualdades sociais, insatisfação e desconfiança nas instituições públicas, sobretudo quando envolve altos representantes institucionais, políticos e empresariais, não devia o seu combate ser uma prioridade nacional? – questiona a Alice.
Sim Alice, devia. E talvez seja nas palavras dos governantes, mas parece que para os cidadãos não é bem assim, ainda que se esteja a implementar a estratégia nacional anticorrupção.
E Alice, … sendo eu um cidadão atento aos casos de corrupção ocorridos no passado recente em Portugal, estou muito preocupado com o futuro.
Estará a supervisão mais atenta e interventiva. Serão os contratos devidamente escrutinados? Haverá auditorias de acompanhamento, ou só será investigada a legalidade dos procedimentos quando for tarde de mais? Será a investigação mais efetiva e ágil? Será a obtenção de vantagens pessoais indevidas adequadamente sancionada?
Será que se aprendeu alguma coisa, ou vamos continuar com o ambiente permissivo da BESlândia?