Pedro Moura, Expresso online

Os governos e reguladores têm um papel crítico a desempenhar na resolução desta questão. Ao implementar soluções robustas, talvez consigamos criar um sistema mais justo e eficiente que promova pagamentos atempados, fortaleça a economia e ajude muita gente a ter mais vergonha na cara

Os atrasos nos pagamentos entre empresas são uma questão generalizada que tem consequências abrangentes para as empresas e para a economia. Embora os atrasos possam ocorrer por várias razões, o problema é frequentemente agravado por práticas de negócio pouco éticas, especialmente da parte grandes empresas que abusam do seu poder sobre fornecedores mais pequenos.

Neste artigo exploro, da perspectiva necessariamente incompleta de um leigo interessado em economia e de um empresário numa PME as causas dos atrasos nos pagamentos, o seu impacto desproporcional nas pequenas e médias empresas e como esta prática acaba por abrandar e prejudicar toda a economia. Aventuro-me também na proposta de potenciais soluções para mitigar este problema crónico e sistémico.

Causas dos Atrasos nos Pagamentos

Existem várias razões pelas quais as empresas atrasam os pagamentos, mas muitas decorrem de práticas deliberadas para explorar parceiros mais fracos ou de ineficiências que nem sempre são acidentais.

Cash-Flow ou Cash-Exploitation?: Muitas grandes empresas atrasam os pagamentos como tática (sistematizada?) para melhorar o seu próprio cash-flow. Ao reterem fundos que não são seus durante o máximo tempo possível, podem investir em outras oportunidades ou cobrir outras despesas à custa dos fornecedores mais pequenos, enquanto estes, com menor arcaboiço financeira, aguardam pelo pagamento. Este comportamento frequentemente passa despercebido, já que as PMEs receiam que reclamar possa resultar na perda de negócios.

Incerteza Económica: Em tempos de crise ou incerteza económica, as empresas podem atrasar o pagamento para preservar a sua liquidez. As preocupações sobre as condições de mercado podem fazer com que as empresas se tornem mais avessas ao risco e cautelosas não só nos seus gastos mas também na satisfação dos seus compromissos.

Abuso de Poder por Grandes Empresas: As grandes empresas utilizam frequentemente a sua posição dominante no mercado para atrasar pagamentos sem enfrentar consequências. Visto estas controlarem grandes partes das cadeia de fornecimento, as empresas mais pequenas sentem-se amiúde impotentes para desafiar estas práticas, sabendo que contestar o problema pode significar perder um cliente importante. Este comportamento não é apenas anti-ético, podendo ter consequências devastadoras para empresas mais pequenas.

O Governo Como Infrator: Os próprios governos estão frequentemente entre os piores infratores no que toca a atrasos nos pagamentos. Atrasos burocráticos, processos de aprovação de pagamentos demasiado complexos e sistemas de gestão ineficientes fazem com que muitas empresas que trabalham com entidades governamentais experimentem atrasos significativos nos pagamentos. O setor público em Portugal demora em média 65 dias a pagar os seus compromissos. Apesar da dimensão dos contratos públicos, muitos fornecedores, especialmente PMEs, suportam o peso destes atrasos, já que são praticamnte impotentes para contestar as agências governamentais.

Impacto nas Pequenas e Médias Empresas

Embora todas as empresas sejam negativamente afetadas pelos atrasos nos pagamentos, as PMEs sofrem de forma desproporcional. Estas empresas operam com margens mais reduzidas e frequentemente dependem de um cash-flow constante para cobrir despesas operacionais. Os atrasos nos pagamentos podem rapidamente conduzir a uma instabilidade financeira, criando um efeito dominó de consequências negativas.

Risco de Insolvência e Falência: Quando os pagamentos são atrasados, as PMEs são frequentemente obrigadas a recorrer a empréstimos para se manterem à tona, aumentando o seu endividamento e, potencialmente, empurrando-as para dificuldades financeiras. Em alguns casos, atrasos prolongados podem conduzir à falência, já que a empresa deixa de conseguir cumprir as suas obrigações. A fragilidade financeira das PMEs torna-as especialmente vulneráveis a práticas de pagamento anti-éticas por parte de organizações maiores.

Disrupção de Actividade: As PMEs dependem de pagamentos atempados para cobrir custos essenciais, como salários, rendas e pagamentos a fornecedores. Quando estes pagamentos são atrasados, as empresas podem ser obrigadas a atrasar os seus próprios pagamentos, perpetuando um ciclo de atrasos em toda a cadeia de fornecimento. Isto pode prejudicar as relações comerciais e causar sérias disrupções nas operações das empresas.

Limitação de Investimento, Inovação e Crescimento: Quando as empresas estão à espera de receber pagamentos em atraso, são menos propensas a investir em oportunidades de crescimento, como contratações, expansão ou inovação. As PMEs, frequentemente vistas como motor da inovação na economia, são particularmente afetadas, pois os problemas de fluxo de caixa limitam a sua capacidade de correr riscos ou de investir em novos projetos.

Impacto Económico Mais Abrangente

Os atrasos nos pagamentos não prejudicam apenas as empresas individuais, mas têm um impacto generalizado na economia como um todo. Quando o dinheiro não circula de forma eficiente, todo o sistema económico desacelera.

Abrandamento do Fluxo Monetário: O movimento retardado de dinheiro entre empresas cria um bloqueio na economia. Quando as empresas não pagam a tempo, os fornecedores e prestadores de serviços têm de esperar pelos seus fundos, reduzindo a sua capacidade de reinvestir esse dinheiro na economia. O fluxo monetário é assim abrandado, o que, por sua vez, reduz a atividade económica geral e impede o crescimento. Este efeito de ciclo negativo afeta tudo, desde a confiança empresarial até ao consumo.

Menor Produtividade e Maior Incerteza: As empresas afetadas por atrasos nos pagamentos têm de gastar tempo e recursos a cobrar faturas em atraso, o que diminui a produtividade geral. Em 2024 as empresas portuguesas estimam gastar 73 dias por ano a tentar receber pagamentos em artraso. A incerteza em torno dos prazos de pagamento desencoraja as empresas a tomar decisões ousadas ou a investir no seu futuro.

Risco Sistémico: Se um grande número de empresas enfrentar dificuldades financeiras graves devido aos atrasos nos pagamentos, a estabilidade geral da economia pode ser ameaçada. As instituições financeiras podem enfrentar um aumento dos incumprimentos de empréstimos, o que pode criar ainda mais instabilidade e corroer a confiança no mercado.

Soluções Potenciais para Mitigar os Atrasos nos Pagamentos

Dada a amplitude e a escala do problema, tanto as empresas como os governos precisam de agir para mitigar os atrasos nos pagamentos. Apresento várias medidas quem, em minha opinião, podem ajudar a reduzir o problema:

Registo de Faturas e Pagamentos a Nível Governamental: Uma das soluções mais eficazes poderia ser a implementação de um sistema gerido pelo governo que registe faturas (já existe em Portugal) e acompanhe também o seu estado de pagamento. As empresas que repetidamente atrasem pagamentos enfrentariam consequências significativas, como taxas de imposto mais elevadas ou a negação do acesso a incentivos governamentais, isenções fiscais ou subsídios. Esta medida criaria um incentivo para as empresas pagarem a tempo, já que enfrentariam consequências financeiras e reputacionais pelo não cumprimento.

Aplicação Efetiva de Legislação Mais Rigorosa sobre Prazos de Pagamento: Os governos podem introduzir regulamentações mais rigorosas sobre os prazos de pagamento, obrigando ao pagamento das faturas num determinado número de dias (por exemplo, 30 ou 60 dias). Já existe uma diretiva europeia (Diretiva 2011/7/UE) que estabelece prazos de pagamento de 60 dias no máximo para empresas e de 30 dias no máximo para entidades públicas, que continua a ser sistematicamente incumprida pelo Estado Português. Mecanismos de fiscalização mais robustos garantiriam o cumprimento, com penalizações para as empresas ou entidades estatais que sistematicamente não paguem a tempo.

Divulgação Pública de Más Práticas de Pagamento: Semelhante à abordagem de “nomear e envergonhar”, o governo pode tornar as práticas de pagamento mais transparentes, publicando listas de empresas com históricos de pagamento deficientes. Isto desencorajaria comportamentos inadequados, já que as empresas arriscariam manchar a sua reputação ao aparecerem nestas listas. Só para aliviar um pouco o ambiente deste artigo introduzindo algum humor, proponho que consultem a ‘Lista Final de Entidades Credoras do Estado’

Juros Obrigatórios em Pagamentos Atrasados: A imposição de juros obrigatórios em faturas atrasadas poderia funcionar como um dissuasor financeiro. As empresas que atrasam os pagamentos seriam forçadas a pagar um valor extra pelos seus atrasos, encorajando-as a cumprir as suas obrigações de pagamento atempadamente.

Incentivar a Automação de Processos de Pagamento: Incentivar as empresas a adotar sistemas informáticos e automatizados de faturação e pagamento pode reduzir atrasos administrativos e erros. Incentivos governamentais para a implementação dessas tecnologias poderiam acelerar o processo de pagamento e reduzir o risco de atrasos causados por ineficiências.

Mediação e Arbitragem para Disputas de Pagamento: Estabelecer serviços independentes de mediação ou arbitragem para disputas de pagamento poderia ajudar a resolver conflitos com maior celeridade, evitando que as empresas utilizem divergências ou ‘cobradores do fraque’ como desculpa para atrasar o pagamento.

Conclusão

Os atrasos nos pagamentos entre empresas, especialmente quando impulsionados por comportamentos anti-éticos de grandes organizações privadas ou públicas, são um problema significativo que afeta desproporcionalmente as PMEs e a economia em geral.

Ao desacelerar o fluxo de dinheiro, os atrasos nos pagamentos levam a uma série de consequências negativas, desde a disrupção do cash-flow até à redução do investimento e crescimento económico.

Os governos e reguladores têm um papel crítico a desempenhar na resolução desta questão, seja através de legislação mais rigorosa sobre os prazos de pagamento, medidas de transparência ou soluções baseadas em castigos e incentivos.

Ao implementar soluções robustas, como o acompanhamento governamental das faturas e penalizações para os atrasos nos pagamentos, talvez consigamos criar um sistema mais justo e eficiente que promova pagamentos atempados, fortaleça a economia e ajude muita gente a ter mais vergonha na cara.