Óscar Afonso, Dinheiro Vivo

Estamos no início de setembro e finalmente clarificou-se a posição do principal partido da oposição, o PS, quanto às condições para um entendimento com o governo nas negociações do Orçamento do Estado para 2025 (OE 25), continuando a haver abertura para tal dos dois lados. Neste artigo defendo que é possível chegar a bom Orçamento para o País com ganhos negociais para os dois lados.

Do lado do Governo, as declarações mais recentes do Primeiro-ministro são de disponibilidade para "aproximar posições" ao PS quanto ao OE 25 e de fornecer a informação requisitada pelo líder do PS, Pedro Nuno Santos (PNS), relativamente à despesa e receita pública previstas, o que é um sinal positivo para início de negociações. Contudo, Luís Montenegro não fechou a porta aos outros partidos, mostrando-se "empenhado em dialogar com todos os partidos políticos para (…) ter um orçamento aprovado".

Depois de indicar a entrega dos dados referidos como primeira condição para encetar negociações, PNS sinalizou como segunda condição de viabilização do OE 25 a não inclusão das propostas de redução do IRS Jovem e IRC "profundamente injustas, ineficazes e injustificáveis do ponto de vista orçamental" que o governo da AD quer implementar, mais o acolhimento de propostas do PS.

Como terceira condição, PNS refere que, "se as propostas de autorização legislativa sobre o IRC e o IRS que deram entrada na Assembleia da República forem aprovadas com a Iniciativa Liberal e o Chega, então é com esses partidos que também o Orçamento do Estado deve ser aprovado".

“Se as três condições (…) vierem a estar reunidas, o Partido Socialista apresentará então as suas propostas, que espera poderem vir a ser vertidas num Orçamento de Estado melhor para o País”.

PNS apresentou ainda como novidade a disponibilidade para, no caso de o OE 25 ser rejeitado, aprovar um orçamento retificativo” que garanta a execução dos aumentos salariais já acordados pelo Governo com várias classes profissionais.

Como principal justificação deste posicionamento final, PNS referiu que “é uma questão de legitimidade política. O Governo tem uma posição parlamentar claramente minoritária que não lhe permite aprovar um orçamento sem cedências relevantes ao outro partido com quem quase empatou, o PS".

A este respeito, o Primeiro-ministro contra-argumentou que “se o PS se quisesse substituir ao Governo, tinha que apresentar na Assembleia da República uma solução governativa alternativa, que foi o que fez, por exemplo, em 2015, numa altura em que, como em 2024, perdeu as eleições”. Em relação às condições de PNS, Montenegro afirmou que o governo tem “abertura para trabalhar, respeitando aquilo que são as regras do jogo e que o secretário-geral do PS enunciou com muita clareza. O PS tem com certeza as suas opiniões, que entende não querer ferir, mas respeita que a linha governativa é a linha do Governo”.

Sobre uma eventual não aprovação do OE 25, o Primeiro-ministro diz que “país está com o Governo” e os portugueses não entenderiam uma crise política e novas eleições, enquanto PNS pede “compreensão” nesse cenário à luz das condições por si estabelecidas, procurando assim cada lado passar a responsabilidade de um possível desaire para o outro lado.

Passo agora à minha análise das implicações destes posicionamentos – sobretudo o de PNS, que ‘endureceu’ a linha do PS –, e o que será mais desejável para os interesses do País.

Como já referi noutras ocasiões, qualquer negociação começa com um extremar de posições para se poder chegar a algum entendimento algures no meio, dependendo da posição relativa de forças. É esse o ponto inicial de confronto atual e que justifica algum exacerbar de posições, mas com abertura negocial.

A minha interpretação das condições de PNS resume-se, no mais importante, a obrigar o governo a negociar com o PS o OE 25 em conjunto com as medidas do IRS Jovem e corte de IRC – que foram separadas e apresentadas no Parlamento como propostas de autorização legislativa –, explicitando que a aprovação separada dessas medidas fiscais com outros partidos tira o PS das negociações do OE 25. A meu ver, como expressei já anteriormente, é um posicionamento legítimo após a separação daquelas medidas do OE 25, que têm um impacto financeiro relevante.

A disponibilidade de PNS para aprovar medidas populares de aumentos de salários de classes profissionais num orçamento retificativo serve para o governo não poder responsabilizar o PS pela não aprovação dessas medidas em caso de não entendimento para viabilizar do OE 25, ganhando assim posição negocial.

Do ponto de vista negocial e do interesse do PS, percebe-se perfeitamente este posicionamento, é racional. Salvaguardado o interesse partidário, a dúvida é saber se o interesse do País estará também na linha da frente à luz do que se conhece das propostas de PNS, mas voltarei a esse ponto mais abaixo.

Uma implicação do cenário de orçamento retificativo, que não ouvi ainda ninguém falar, é de que pressupõe a rejeição do OE 25 e a execução do orçamento anterior em duodécimos, o que a meu ver é muito mais provável do que eleições antecipadas, pois o Presidente da República não quer ficar com uma terceira dissolução do Parlamento no currículo e, sobretudo, não quer prejudicar ainda mais a execução do PRR. Num cenário improvável de eleições antecipadas, um novo governo fará um novo OE 25, não há retificativo. Um outro cenário possível é o governo apresentar um novo orçamento se o primeiro chumbar, mas tal é também improvável, pois não haveria margem ou disposição para novas negociações.

O facto de PNS se preparar já para um cenário de duodécimos é um tacticismo político e representa também um endurecer de posição, mas que se poderá vir a voltar contra si e o seu partido se o governo o conseguir responsabilizar pela queda do OE 25. Isto porque a execução orçamental em duodécimos, ao reduzir muito a margem de manobra do governo, também pode condicionar a execução do PRR – de resto, o governo já anunciou a sua reprogramação em 2025, que pode implicar financiamento nacional adicional –, o que também desagradará ao Presidente da República, que não deixará de se manifestar.

Continuando na análise das condições de PNS, como além da negociação das medidas de IRC e IRS Jovem exige ainda a inclusão de medidas suas, penso que bastará um acordo nas duas medidas fiscais.

Defendo que há margem para melhorar essas medidas a bem do País e sem ninguém ‘perder a face’.

Ao nível do IRC, o que faz mais sentido é ser retomado o acordo de 2014 entre o PS (de redução gradual da taxa geral de imposto até 17%), na altura liderado por António José Seguro, e o governo PSD/CDS de então, uma formulação um pouco menos ambiciosa do que a do novo governo AD (descida gradual da taxa gera de imposto até 15%), mas que será menos onerosa e poderá ser melhor aceite por PNS.

Seria ainda uma oportunidade para PNS se colocar um pouco mais ao centro e afastar a imagem próxima dos partidos de extrema-esquerda, pois esteve envolvido nas negociações da geringonça de esquerda, e mostrar que o PS cumpre acordos.

Se isso não bastar, como forma de compensação adicional da perda de receita, PNS poderá propor a redução de benefícios fiscais injustificados às empresas, o que até faz parte do programa eleitoral da AD e tende a favorecer as empresas de maior dimensão, que PNS diz serem as mais beneficiadas pela proposta de corte transversal de IRC da AD. Esta visão de PNS traduz uma perspetiva estática redutora e enganadora (a redução de qualquer imposto beneficia mais inicialmente quem mais paga e, por esse prisma, nunca se reduziriam impostos), pois o mais importante é o efeito dinâmico de incentivo que a medida propicia, ao promover o surgimento de projetos de investimento mais ambiciosos de rentabilidade acrescida em empresas de qualquer dimensão, sendo que as empresas mais pequenas até tenderão a ter aumentos percentuais maiores do VAB, partindo de uma base menor.

Do ponto de vista do País, a continuidade da medida de redução de IRC – que requer entendimento entre PS e o governo – é fundamental para a atração de investimento, pois ninguém quererá cá meter o seu dinheiro em projetos de prazo alargado com base nesse pressuposto se a medida for revertida. Por isso, é preferível uma redução menor da taxa se tiver continuidade, ou seja, se o PS depois não a reverter.

A formulação de redução seletiva de IRC de PNS, cingida a empresas que cumpram determinados critérios (se bem percebi, de valorização salarial e de despesa de inovação e formação, eventualmente também setoriais), pelo que tenho lido, envolve negociação de ajudas de Estado com a Comissão Europeia, o que não se aconselha porque dificultará ainda mais a aprovação do quadro orçamental de médio prazo (com novas regras europeias), mas sobretudo porque a medida significa uma ingerência e restrição na atividade das empresas, além de burocracia adicional, quando o que o País precisa é que seja reduzida.

A meu ver, poderão antes reforçar esse tipo de critérios no acesso a fundos comunitários, fica a ideia.

Quanto ao IRS Jovem, já defendi que a formulação deve ser muito melhorada, tendo apresentado uma proposta alternativa de dedução percentual à coleta de IRS (sobre rendimentos do trabalho) crescente para novas qualificações superiores (percentagem tanto maior quanto maior o grau académico), por um período único generoso (10 a 15 anos para todos os graus conseguidos), que designo de IRS ‘novo talento’ (mais ou menos jovem) porque não tem discriminação de idade, embora tenda a beneficiar sobretudo os mais jovens. Trata-se de uma proposta de incentivo a novas qualificações (e à produtividade), acessível aos residentes e aos estrangeiros a trabalhar e descontar em Portugal, pelo que substituiria também com vantagem o IFICI+ (Incentivo fiscal à investigação científica e inovação), o novo regime fiscal para atração de trabalhadores estrangeiros qualificados, que mantém a injustiça fiscal do regime do Residente Não Habitual que veio substituir, pois concede aos estrangeiros benesses fiscais a que os residentes não têm acesso. Ao ser uma medida muito mais focada que a formulação da AD, o IRS ‘novo talento’ proposto poderia ter uma maior efetividade na redução da emigração do nosso talento jovem e com um custo muito menor, eliminando ainda as injustiças referidas, o que poderá agradar a PNS.

Como se vê, é possível melhorar as propostas centrais do OE 25 de forma aceitável para governo e PS.

Além das duas medidas fiscais, que são cruciais para a retenção e atração de investimento, seria ainda muito importante o governo e o PS concertarem objetivos mínimos de efeitos da reforma do Estado em termos de rácio de entradas por saída de funcionário público abaixo de 1 e redução do peso da despesa corrente primária no PIB, independentemente do caminho escolhido para lá chegar quando no poder.