José António Moreira, Expresso online

Refletir sobre o papel dos preços não deveria ser uma ocupação estival. Sobretudo para quem tem responsabilidades na gestão dos recursos públicos, deveria ser tema sempre presente, um assunto de todas as estações, de todos os dias do ano

Tempo de verão. Uns dias de férias na praia. Repetiu-se a rotina anual, desta vez com uma ligeira diferença: escolheu-se um regime de meia-pensão na unidade hoteleira de acolhimento, evitando, em cada dia, à hora do jantar, a azáfama de procurar mesa em restaurantes sobrelotados.

Em regime de “buffet”, o serviço da unidade prezava pela variedade de pratos propostos, mas também pela qualidade dos mesmos. Uma aposta ganha no que respeita à decisão tomada. Porém, rapidamente se tornou percetível que, em tal contexto, onde não existia um elemento moderador, as refeições eram mais pesadas do que o habitual, cada um ingerindo quantidade de alimento superior às necessidades, na procura de provar um pouco de cada prato. Além do desconforto pessoal, mais emocional – o sentimento de culpa – do que físico, que o final de cada repasto provocava, um outro tipo de desconforto passou a ser uma constante: o contacto com enorme desperdício de comida que se verificava em cada refeição, por vezes quase intocada pelos comensais, que os empregados silenciosamente levantavam das mesas e despejavam em enormes sacos de lixo.

Não era necessário ter-se formação económica para concluir que o elemento em falta no espaço em referência, capaz de moderar o excessivo consumo, pela ingestão imoderada ou pelo simples desperdício direto, era a existência de um preço por unidade de alimento e a cobrança do mesmo a cada comensal. A existência de tal moderador levaria, certamente, a um menor consumo-desperdício de alimento “per capita”.

O importante papel do preço como moderador do consumo de recursos não é uma novidade, pois está profundamente estudado. Mesmo assim, de modo particular para estudantes de Economia, a sala de refeições daquela unidade hoteleira poderia servir como cenário de uma aula prática sobre o tema. Eventualmente, na senda dos estudos na área da Economia Comportamental efetuados pelo saudoso Prof. Daniel Kahneman, prémio Nobel da Economia de 2002, poderia testar-se a hipótese avançada, do impacto do preço no volume de alimentos consumidos-desperdiçados. Constituídos dois grupos de hóspedes com caraterísticas semelhantes, a um cobrar-se-ia por unidade de comida colocada na mesa, pagando o consumo efetuado, com o limite do custo da meia pensão; ao outro, aplicava-se o modelo acima descrito, de consumo à discrição e o preço fixo da meia pensão. Está-se em crer que seriam encontradas diferenças significativas, com o primeiro grupo a ser mais frugal.

Não é só no serviço “buffet” de refeições de uma unidade hoteleira que os preços podem desempenhar um papel importante. Em toda a atividade humana em que esteja subjacente o consumo de recursos, esse papel existe. Por isso, no domínio das políticas públicas, é difícil compreender a opção dos governos pela disponibilização de serviços públicos gratuitos. O objetivo subjacente é procurar ganhar as boas graças dos cidadãos-eleitores, mas há pelo menos duas consequências negativas que daí resultarão: o cidadão não toma consciência do valor do que está a consumir – e tudo tem um custo, que tem de ser pago direta ou indiretamente; como não tem o ónus de pagar (diretamente) o que está a consumir, tenderá a não usar de um mínimo de sobriedade no consumo ou a não procurar tirar o máximo proveito deste.

Por exemplo, o ensino escolar obrigatório é gratuito. O custo por estudante desse ensino deve rondar, em média, 6.000 euros por ano. Quantos pais pensarão no que custa ao Estado cada ano de estudo dos seus filhos? Poucos, certamente, se algum. Por isso, a perceção do desperdício de recursos que ocorre quando um estudante não obtém aproveitamento é inexistente. E isso é mau, muito mau, pois condiciona negativamente os cidadãos no cuidado que cada um deve ter para não ser fonte de desperdício, numa sociedade em que os recursos são escassos e as necessidades múltiplas.

Quer-se que esse ensino não pese no orçamento de cada família?! Muito bem. Por que não entregar a cada uma o montante correspondente ao custo desse ensino e de seguida cobrar-lhe as propinas correspondentes? Parece ser uma medida de soma nula para as partes – Estado e cidadão. Porém, não o é em termos de perceção do custo do serviço e, acredita-se, do cuidado do cidadão para não desperdiçar recursos. Tal perceção seria ainda exponenciada se o pagamento das propinas fosse exigido em “dinheiro” (físico), pois está provado que quando se paga com este meio resulta uma sensação mais acutilante do custo do que se compra, do sacrifício que lhe está inerente.

Refletir sobre o papel dos preços não deveria ser uma ocupação estival. Sobretudo para quem tem responsabilidades na gestão dos recursos públicos, deveria ser tema sempre presente, um assunto de todas as estações, de todos os dias do ano.