Óscar Afonso, Expresso online

A curto prazo, para Portugal, uma das principais consequências da atual recessão ligeira na Alemanha é uma redução de procura externa deste que é um dos nossos principais mercados de exportação. Outra implicação para Portugal das dificuldades do país, se persistirem nos próximos anos, é ao nível da redução do orçamento comunitário

designação da economia alemã como o “doente da Europa” remonta à reunificação da Alemanha nos anos 90, quando os elevados custos associados ao processo impactaram negativamente o seu desempenho económico, levando a uma evolução mais lenta em comparação com os restantes países europeus.

A expressão tem regressado em força em comentários especializados de análise económica e com pertinência, pelo que convém analisar as causas desse declínio e as implicações para Portugal.

O PIB alemão caiu em cadeia em quatro dos últimos sete trimestres (-0,1% no 2º trimestre deste ano; dados do Eurostat), em termos reais, explicando que a variação homóloga seja negativa nos últimos quatro trimestres (-0,1% no 2º trimestre), o que configura uma situação de recessão, ainda que ligeira.

Entre 2021 (antes do início do conflito na Ucrânia) e 2023, o peso da Alemanha no PIB da União Europeia (UE) reduziu-se de 29,0% para 28,6%, o que é uma descida significativa em apenas dois anos.

Se a reunificação alemã esteve na origem da expressão “o doente da Europa”, o seu ressurgimento recente deve-se, em grande parte, ao aumento acentuado dos custos da energia – consequência do fim do gás barato proveniente da Rússia desde a guerra na Ucrânia –, que penalizou gravemente a competitividade da indústria alemã. Ainda mais relevante foi o facto de a Alemanha ter sido ultrapassada pela China em diversos sectores, com realce para as tecnologias verdes, particularmente nos carros elétricos e nos painéis fotovoltaicos. Ironicamente, embora a Alemanha e a União Europeia tenham liderado a transição verde, é a China que mais tem lucrado com essa mudança, beneficiando do forte apoio estatal às suas indústrias. A resposta imediata europeia tem sido o aumento das tarifas aduaneiras, como recentemente nos carros elétricos, uma medida que faz sentido a curto prazo. Contudo, a médio e longo prazo, uma resposta mais eficaz passa por uma política industrial mais coordenada e robusta entre os países europeus.

Simultaneamente, o abrandamento da economia chinesa — consequência de múltiplos erros da política dirigista do governo chinês, que minam a recuperação da confiança dos consumidores, ainda muito abaixo dos níveis pré-pandemia (mais de 30%) — tem representado mais um duro revés para a indústria alemã, que tem na China um dos seus principais mercados de exportação. No entanto, este mercado pode perder importância a prazo, caso se mantenha a divisão em blocos geopolíticos (democracias versus autocracias) e o aumento das tensões comerciais, que se agravaram desde o início da guerra na Ucrânia. O conflito tem ainda obrigado a Alemanha a aumentar significativamente a despesa militar e a assistência financeira à Ucrânia, desviando recursos que poderiam ser canalizados para políticas económicas mais expansivas e de estímulo ao crescimento por parte do governo alemão.

A Alemanha parece, assim, estar “entre a espada e a parede”, mas tal como no passado, estou em crer que a resiliência, o pragmatismo e o rigor que caracteriza os alemães lhe permitirá dar a ‘volta por cima’ em termos de ressurgimento estrutural da economia, mesmo que para já isso pareça distante.

Enquanto isso não acontecer, a curto prazo, para Portugal, uma das principais consequências da atual recessão ligeira na Alemanha é uma redução de procura externa deste que é um dos nossos principais mercados de exportação, tendo representado 11% do total de exportações de mercadorias em 2023 (dados do Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia com base no INE), destacando-se ainda como um dos principais mercados emissores de turistas no nosso país, além de ter um peso também muito relevante em termos de investimento direto estrangeiro.

Naturalmente, a resposta imediata das empresas nacionais à recessão alemã deve ser a diversificação de atividade para mercados mais dinâmicos, sobretudos aquelas com maior peso desse mercado.

Outra implicação para Portugal das dificuldades da Alemanha, se persistirem nos próximos anos, é ao nível da redução do orçamento comunitário.

De facto, a previsível entrada de novos países após 2030 (com prioridade na elegibilidade dos apoios), a reconstrução da Ucrânia e o alargamento das áreas alvo de apoio europeu confrontam-se com questões prementes ao nível das receitas da UE, dada a absorção de uma parte significativa das mesmas para pagamento dos apoios do Mecanismo Europeu de Recuperação e resiliência (onde se insere o nosso PRR) – pago por conta de orçamentos futuros – e a rigidez dos recursos europeus (apenas 1% do Produto Nacional Bruto dos estados membros; novas fontes de receitas têm sido aventadas, mas ainda não se viu nada na prática, pois há sempre resistências), onde a Alemanha tem um peso predominante, enquanto maior economia.

Uma economia alemã ‘doente’ significa, assim, menos recursos para o orçamento da UE, não tenhamos ilusões. Acresce que a ascensão de partidos extremistas na Alemanha (tal como na maioria dos países europeus) torna ainda mais difícil justificar internamente a alocação de novos recursos para fins europeus.

Esta análise da situação alemã reforça a minha convicção de que o atual volume significativo de fundos europeus disponíveis para Portugal nos próximos anos, nomeadamente através do PRR e do Portugal 2030, será provavelmente o último de tal dimensão. Por isso, é imperativo que saibamos maximizar o seu impacto, aproveitando-os de forma estratégica e eficiente para impulsionar o desenvolvimento do país.

No âmbito do PRR, apesar do ‘pecado original’ de se concentrar excessivamente no setor público (com dois terços dos fundos destinados ao Estado), o que limita o impacto direto na economia, defendo que a reprogramação dos investimentos já anunciada para 2025 procure ampliar esse impacto na economia e no tecido empresarial. Relativamente ao Portugal 2030, o próximo quadro plurianual de fundos estruturais, é essencial rever os critérios de acesso e apoio, privilegiando projetos que aumentem a produtividade e o Valor Acrescentado Nacional, potenciando assim um impacto mais profundo dos fundos na economia portuguesa.

Embora os fundos europeus sejam uma alavanca crucial e devamos aplicá-los com a máxima eficiência, o verdadeiro desafio reside em preparar o país para uma realidade em que estes apoios sejam menos expressivos. Para tal, Portugal terá de implementar reformas estruturais que melhorem a sua competitividade, começando por uma revisão do sistema fiscal e da Administração Pública, mas também avançando com mudanças fundamentais nas áreas da Saúde, Educação, Justiça e no combate à corrupção. É urgente que o país se torne mais resiliente e menos dependente de financiamento externo, apostando num crescimento sustentável e autónomo.