Rute Serra, Expresso online
Apenas 1% dos portugueses (leia-se, 1% das 1032 pessoas respondentes) afirmam ter sido vítimas ou testemunhado ocorrências de corrupção e somente 7% daqueles conhece alguém envolvido em casos de natureza corruptiva, valores estes inferiores aos restantes europeus
Foi recentemente divulgado mais um Eurobarómetro sobre as “Atitudes dos cidadãos face à corrupção na UE em 2024”, não se tendo perdido tempo a vir a praça pública destacar a enorme quantidade de portugueses que considera Portugal um dos países mais corruptos da Europa.
Por dever de cidadania, competirá reforçar que o Eurobarómetro, a par de outros instrumentos de medição, como sejam os Indicadores Mundiais de Governação (WGI) do Banco Mundial ou o Índice de Perceção da Corrupção (CPI) da Transparência Internacional, fornece(m) um diagnóstico importante sobre as perceções das pessoas, com a relevância que daí advém sobre a eficácia dos sistemas de governança pública, níveis de confiança institucional e direcionamento das políticas públicas para o combate ao problema, mas não da realidade dos níveis de corrupção. Aliás, não deixa de ser interessante verificar que, nestes últimos dados disponibilizados – que representam a resposta fornecida por 1032 pessoas (!) - apenas 1% dos portugueses (leia-se, 1% das 1032 pessoas respondentes) afirmam ter sido vítimas ou testemunhado ocorrências de corrupção e somente 7% daqueles conhece alguém envolvido em casos de natureza corruptiva, valores estes inferiores aos restantes europeus, mais céticos, porém, relativamente à disseminação generalizada destes fenómenos, nos seus países.
Portanto, e em abono da verdade, essencial para que as políticas públicas e práticas de prevenção e repressão a encetar alcancem algum sucesso é definitivamente deixarmos de confundir (apesar das manchetes apelativas, especialmente em tempo estival) perceções com realidade.
Medir a perceção é, de longe, muito mais simples do que quantificar a corrupção com base em evidências concretas: a complexidade do fenómeno, a heterogeneidade dos conceitos e dos quadros legais, a par, evidentemente, da natureza oculta dos atos de natureza corruptiva, apenas para citar alguns motivos, dificultam essa tarefa, mas não a obstaculizam por completo. Provavelmente, investir na medição real possível da corrupção permitirá desmistificar, com maior eficácia, este sentimento generalizado de “somos um país de corruptos, mas eu não sou, nem nunca vi, nem conheço ninguém que seja”.
Está amplamente estudada a inferência perniciosa dos índices de perceção da corrupção a determinados níveis para os países. A OCDE concluiu que um alto índice de perceção de corrupção relativamente a determinado país implica menos confiabilidade neste, influenciando negativamente o investimento interno e externo (custos indiretos da corrupção), por aferição do risco, para além dos danos reputacionais que causa. O GRECO (Grupo de Estados contra a Corrupção) defendeu que as perceções públicas de baixos níveis de corrupção, em certos países, podem levar à subestimação da necessidade de medidas para combater práticas corruptas. Há mais de vinte anos que se concluiu, para falar de administração pública, que existe uma correlação entre aumentos dos salários dos trabalhadores públicos e melhorias na classificação de um país no Índice de Perceção da Corrupção. Porém, para que tal não soe a clientelismo político, importará incrementar a transparência e a meritocracia na ação pública.
A concluir, se queremos, de facto, combater a corrupção (porque ela efetivamente existe, independentemente de crermos que está mais ou menos disseminada) e construir um país mais justo e eficiente, importará apelar a dados e evidências objetivos, através de uma abordagem integrada e multidimensional, que nos permita aproximar da efetiva e real extensão do fenómeno, no nosso país.