António João Maia, Expresso online

O que nos diz a perceção dos portugueses que foi agora conhecida? Diz-nos que o nosso problema da corrupção é maior do que o dos europeus

Ciclicamente somos confrontados com estudos ou com dados de perceção da corrupção no nosso país, e logo se levantam as costumeiras nuvens negras do “estamos a piorar”, ou mesmo que “somos os piores”.

Foi novamente o que sucedeu nos últimos dias, na sequência do relatório da União Europeia, Eurobarómetro 2024 - atitudes dos europeus face à corrupção.

Os dados agora publicados, nomeadamente os que nos dizem respeito, são passiveis de algumas leituras interessantes, que procuramos explorar nesta breve reflexão.

Claro que estamos perante estudos de perceção, que avaliam isso mesmo, o modo como os cidadãos consideram que o problema está presente na sociedade, como o experienciam e como os afeta. Mas, por serem estudos de perceção, acabam por incluir outras componentes igualmente importantes, é certo, mas que terão uma relação menor com a realidade concreta do problema.

Uma coisa são as ocorrências de corrupção que têm lugar – a realidade objetiva da questão –, outra, diferente, são as perceções, ou impressões, que as pessoas têm sobre essa mesma realidade.

E como não é possível conhecer as ocorrências todas que têm lugar – a corrupção, como de resto os fenómenos fraudulentos e marginais de uma maneira geral, apresentam essa característica de serem tendencialmente ocultas, sobretudo pelos cuidados adotados nesse sentido por quem as pratica –, uma das abordagens ao problema faz-se precisamente através dos testemunhos de perceção dos cidadãos, na perspetiva de que são os cidadãos que, no seu todo e a cada dia, fazem acontecer a sociedade e todas as estruturas que lhe dão forma.

A perceção é assim uma construção que cada um vai fazendo a partir de diversas fontes de informação a que acede. E um dos elementos mais importantes é a comunicação social. A comunicação social é a janela que nos traz o mundo e o que nele acontece.

O que vimos, ouvimos e lemos através das televisões, dos jornais, reforçado pelos comentadores e pelas conversas de rua, contribuem para a configuração do modo como cada um avalia e perceciona o problema, como tivemos oportunidade de estudar já há alguns anos, em Corrupção: realidade e percepções - o papel de imprensa.

Mas o que nos diz a perceção dos portuguese que foi agora conhecida?

Diz-nos que:

- A grande maioria dos inquiridos (96% do total das 1032 pessoas componentes da amostra) considera que a corrupção é comum no nosso país. O valor médio registado para os cidadãos dos 27 países da União Europeia relativamente à presença do mesmo indicador nos seus países é de 68%.

- Tanto portugueses como europeus consideram que o problema de corrupção se agravou nos últimos três anos, sendo esta perceção de agravamento significativamente mais forte nos portugueses (78% contra 41% dos europeus)

- Para 70% dos inquiridos portugueses, as áreas e atividades mais afetadas pela corrupção são os partidos políticos e o exercício de funções políticas, seguindo-se, para 55%, o exercício de atividades no âmbito da contratação pública e na ação das entidades bancárias e financeiras.

- Toleramos menos do que a média dos 27 países da União Europeia a possibilidade de obtermos algo de um serviço público em troca de um favor, de um presente ou de dinheiro (18% dos portugueses, contra 28% dos europeus).

- Consideramos ser mais afetados pela corrupção do que a generalidade dos cidadãos dos 27 países da União Europeia (61% dos portugueses, contra 27% dos europeus).

- No último ano, apenas 1% dos portugueses diz ter sido vítima ou testemunhado ocorrências de corrupção, enquanto a média dos europeus é de 5%.

- E 7% dos portugueses conhece alguém que tenha subornado ou que tenha sido subornado, enquanto esse testemunho dos europeus aponta para 10%.

Por outras palavras e de forma breve, os traços de perceção apresentados permitem sustentar algumas leituras interessantes, como dissemos no início.

Primeiro – O problema da corrupção dos portugueses é maior do que o dos europeus. Talvez por isso consideramos que ele nos afeta mais do que o dos europeus os afeta a eles.

Segundo – Somos menos tolerantes do que os europeus relativamente a trocas de favores, presentes ou dinheiro para obtenção de algo de um serviço público. Talvez este dado contribua para a explicação do diferencial registado nas perceções da presença da corrupção em Portugal e nos outros países.

Terceiro – Testemunhamos e temos intervenção direta em atos de corrupção numa dimensão inferior à dos europeus. Talvez este dado sustente que a perceção da corrupção evidenciada pelos portugueses seja mais induzida pela comunicação social do que propriamente pela realidade vivida pelas pessoas, ao passo que, na generalidade dos países europeus, esse processo de construção da perceção tenha provavelmente outros contornos, incluindo a presença de mais dados sensoriais.

Claro que as leituras apresentadas são apenas suposições. Os dados não permitem confirmá-las. Mas não deixam ao menos de ser suposições interessantes, que suscitam interpretações sobre o modo como, enquanto sociedade, temos olhado e nos temos posicionado perante o problema da corrupção.

Restará referir, e este elemento pode ter tido alguma influência nos resultados, que o inquérito foi realizado entre 7 de fevereiro e 3 de março, ou seja, quando em Portugal estávamos todos envolvidos num processo eleitoral quente, em que a corrupção foi tema central, na medida em que, como bem nos lembramos, a necessidade do ato eleitoral decorreu da demissão do governo anterior precisamente por suspeita de envolvimento em práticas de corrupção.

A finalizar, e enquanto o governo saído dessas eleições não nos traz as anunciadas novas medidas no âmbito da agenda anticorrupção, desejo a todos umas excelentes e tranquilas férias.